A Comissão de Representação Externa que acompanhou as investigações sobre o incêndio ocorrido na Secretaria de Segurança Pública (SSP-RS) votou seu relatório final nesta sexta-feira (17). Elaborado pela deputada Luciana Genro (PSOL), que coordenou os trabalhos, o relatório conta com 79 páginas que contêm detalhes dos depoimentos prestados e recomendações para o Legislativo, Executivo e Ministério Público a respeito da tragédia, visando evitar que situações como essa se repitam. O documento, porém, foi rejeitado pelos deputados da base do governo e será apresentado individualmente pela deputada aos órgãos competentes.
O placar final foi de 3 votos contrários, dos deputados Clair Kuhn (MDB), Dirceu Franciscon (PTB), Frederico Antunes (PP), e um favorável, da deputada Luciana Genro. O deputado Jeferson Fernandes (PT) também compôs a Comissão, mas não estava presente durante a votação. “Não surpreende que os três deputados vinculados ao governo estejam aqui com essa mesma posição e tenham tido uma participação bastante tímida nas audiências”, colocou Luciana Genro diante da divergência dos demais parlamentares.
Uma das críticas trazidas no relatório é o fato de nenhuma das autoridades investigadoras terem se pronunciado sobre a possível responsabilização penal, cível ou administrativa de quem quer que seja – quase como se a série de aparentes omissões tivesse “surgido de um fato da natureza”, como disse a deputada. O documento também aponta algumas possibilidades para que tenha sido tão difícil combater o fogo, mesmo com a chegada rápida dos bombeiros ao local. Neste sentido, é mencionada a falta de sprinklers (sistema hidráulico de ativação automática), que foram descartados por falta de condições estruturais do prédio de instalá-los, mas cuja ausência não foi tecnicamente fundamentada. A primeira resposta ao incêndio, por isso, foi a partir da ação humana com o uso de extintores, que se mostraram insuficientes para combater as chamas já naquele momento.
O fato de o sistema hidráulico interno estar desativado também foi mencionado repetidamente durante os depoimentos da Comissão e aparece como algo relevante no relatório. “O que mais choca não é a desativação do sistema por si só, pois se sabe que ela era parte do PPCI e o prazo da legislação específica para o seu pleno funcionamento era 2023. O que causa profundo espanto é que os bombeiros não sabiam desta desativação e o fato de que não havia um plano de contingência para lidar com um incêndio em sua ausência”, disse a deputada Luciana Genro ao ler as conclusões.
O incêndio ocorrido em julho no prédio da Secretaria causou a morte do tenente Deroci de Almeida da Costa e do sargento Lucio Ubirajara de Freitas Munhós e um prejuízo ainda incalculável de milhões de reais. Ao longo de 30 dias, a Comissão ouviu o Comando do Corpo de Bombeiros, os policiais que formulam o inquérito sobre o caso, especialistas das áreas de engenharia e arquitetura, profissionais responsáveis pela saúde mental dos bombeiros após o caso, as viúvas dos dois bombeiros vitimados no incêndio e as responsáveis pela elaboração da sindicância interna que investiga o incêndio.
Dentre as 43 sugestões colocadas no relatório, estão a volta da exigência de prazo por lei para cumprimento da Lei Kiss; a aquisição de viaturas com escadas para combate a incêndios em prédios altos e equipamentos de geolocalização individual aos bombeiros; a realização de treinamentos de evacuação em todos os prédios do governo; a formação de uma sindicância pelo próprio governador, levando em conta que o secretário de Segurança Pública pode ser investigado; e que o Ministério Público acompanhe todas as diligências investigativas dos inquéritos policial e militar relacionados ao incidente.
A deputada também destacou os sucessivos adiamentos de prazos de adequação dos prédios à Lei Kiss. Ao ser promulgada, a legislação previa que a adequação fosse feita em cinco anos, limite que então foi ampliado para seis anos em 2016, quando a Assembleia Legislativa também transferiu para o governador a responsabilidade pela decisão sobre as datas. Finalmente, em 2019, o governador Eduardo Leite adiou novamente o prazo, desta vez para 2023. “Não tivesse sido alterado o prazo, a tendência é de que pelo menos o sistema hidráulico de emergência já estaria em operação, mitigando os resultados do incidente”, aponta o relatório.
Sobre o acolhimento às famílias dos dois bombeiros mortos no incêndio, o relatório sugere que seja construído um pacote de medidas para dar todo o suporte possível às viúvas e filhos dos servidores nesse momento. O pacote deve incluir a liberação imediata de verbas para auxílio com o funeral, o pagamento de pensão em caráter cautelar enquanto o pedido estiver sob análise, a manutenção temporária do plano de saúde, a cobertura de custos com saúde mental decorrentes do incidente, a mudança da legislação que trata da pensão por morte em serviço e, ainda, a criação de um grupo, dentro da Administração, especificamente designado para auxiliar os familiares no trâmite de todos os processos burocráticos decorrentes do falecimento.
Diante da discordância dos demais deputados, Luciana Genro reiterou que todas as afirmações colocadas no relatório foram trazidas pelos depoimentos prestados na Comissão. “Os deputados, no afã de defender o governo e defender o secretário de Segurança Pública, que era a pessoa responsável por zelar pela segurança daquele prédio, ignoram fatos que estão comprovados e que nós apenas compilamos no relatório, indicando um conjunto de medidas que precisam ser tomadas para se evitar novas tragédias e evitar que as investigações não deem em nada. Acreditamos que há, sim, responsáveis a serem identificados. Essa busca nós vamos continuar fazendo, independentemente do relatório ter sido aprovado ou não”, disse a parlamentar sobre o voto dos demais deputados.