Audiência pública virtual ocorreu na noite desta quarta-feira (16).
Audiência pública virtual ocorreu na noite desta quarta-feira (16).

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Os agentes comunitários de saúde (ACSs) e agentes de combate a endemias (ACEs) estão há meses enfrentando insegurança trabalhista e retirada de direitos em Porto Alegre. Esses profissionais, que atuam diretamente em contato com a população atendida pelas unidades de saúde, foram contratados a partir de concurso para o Imesf (Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família) em 2012 e não sabem qual será seu destino após o final deste ano, quando a prorrogação de seus contratos chega ao fim.

Para ouvir as demandas dos trabalhadores e articular ações, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL), que coordena a Frente Parlamentar em Defesa dos Trabalhadores da Saúde, realizou uma audiência sobre o assunto nesta quarta-feira (16), onde estiveram presentes também os vereadores Roberto Robaina (PSOL) e Jonas Reis (PT). Além da insegurança quanto ao futuro, as profissionais também ficaram meses sem receber vale-alimentação – situação que agora já foi revertida pelos ACEs, mas se mantém para os ACSs – e recebem somente 20% de benefício de insalubridade, enquanto que para os outros trabalhadores da saúde o valor é de 40%.

Luciana Genro ao lado de Raquel Trassante, em ato com trabalhadoras ACEs e ACSs no final de maio.

“Essa categoria é composta em sua maioria por mulheres trabalhadoras, que têm vivenciado uma situação extremamente dramática. Desde que o STF decretou a extinção do Imesf, centenas de trabalhadores já foram demitidos. Os agentes de saúde e endemias não foram demitidos, mas estão com seus empregos na berlinda. Não sabem o que vai ser da sua vida depois de dezembro e vivenciam uma situação dramática em relação a sua remuneração”, explicou a deputada Luciana Genro.

A diretora do Sindisaúde, Raquel Trassante, relatou um pouco do histórico da luta dessas trabalhadoras. Em dezembro de 2019, teve início o processo que culminou na demissão de todos os trabalhadores do Imesf, o que aconteceu em dezembro de 2020 – exceto os ACEs e ACSs, cujo contrato foi prorrogado até 31 de dezembro de 2021. “Mesmo mantendo nossos trabalhos, nossa situação é extremamente precária. Não sabemos se vamos estar trabalhando no dia seguinte, não temos nenhuma segurança. Ficamos um ano sem vale-alimentação, e os ACSs permanecem, para nos obrigar a pedir demissão. E tudo isso enquanto trabalhamos durante a pandemia, inclusive já vieram agentes a óbito nesse período”, colocou Raquel.

Danielle representou os agentes comunitários de saúde.

Ela reiterou que, mesmo com tudo isso, os agentes seguem trabalhando, inclusive passando por assédio moral em algumas situações. Raquel avalia que é uma questão de vontade política não incorporar esses trabalhadores no quadro municipal fixo. O depoimento de Danielle Galdino, da Associação dos Agentes de Saúde de Porto Alegre, foi no mesmo sentido. “Onde eu trabalho, todos os trabalhadores ganham 40% de verba de insalubridade, mas nós ganhamos 20%. A prefeitura envia para nós apenas uma máscara por semana, então a gente não recebe nem a proteção devida, mas a gente segue trabalhando. Já estamos fazendo visitas em casa, porque já veio uma normativa determinando que podemos. Nós somos o elo da comunidade com o posto e vice-versa. E enquanto estamos recebendo e distribuindo os alimentos para a população, muitos colegas não têm alimentos para eles próprios”, relatou.

A coordenadora-adjunta do Conselho Municipal de Saúde, Ana Paula Lima, também fez coro às reivindicações e relatos anteriores, reiterando a posição da entidade de que o gestor municipal dê uma solução definitiva para a questão da atenção básica, o que inclui a situação dos agentes. “É inadmissível que em tempos de emergência de saúde pública, de enfrentamento à maior crise sanitária dos últimos 100 anos, não haja o mínimo de sensibilidade das gestões frente à importância da atenção básica e o papel fundamental que esses profissionais desempenham. Seria uma temeridade abrirmos mão dos trabalhadores que têm tamanha relevância”, afirmou.

O vereador Roberto Robaina, que vem acompanhando a questão juntamente com Luciana, lembrou das vitórias já conquistadas pelos trabalhadores da saúde do Imesf, incluindo a decisão judicial que devolveu o vale-alimentação aos agentes de endemias. Ele se colocou à disposição para seguir articulando as lutas das categorias.

Advogado Ramiro Castro explicou situação jurídica das categorias.

O advogado Ramiro Castro, que representa a Associação dos Agentes de Saúde, explicou a situação jurídica das categorias, que é diferente dos outros trabalhadores do Imesf. “Há um permissivo constitucional, regulado posteriormente por lei, que permite a contratação direta de ACS e ACEs pelo município, algo que em outras categorias é muito mais controverso. Então há uma solução para a prefeitura no sentido de manutenção desses cargos por vários institutos jurídicos, o que inclusive já foi feito. Há possibilidade jurídica e necessidade social de manutenção desses trabalhadores”, expôs.

Quanto ao vale-alimentação, Ramiro colocou que há uma sessão de julgamento marcada para o próximo dia 24 que pode devolver o benefício aos ACSs. “A lei que criou o Imesf assegura o direito ao vale-alimentação, independente de acordo coletivo. Como o Imesf até o final do ano continua existindo pelos decretos municipais, deve ser restabelecido o vale enquanto durarem esses contratos. Ambas as ações têm o pedido de retroativo, e no meu entendimento a consequência lógica de restabelecer é de que deveria ser pago para todo o período”, acrescentou.

Busca por caminhos jurídicos para a manutenção dos empregos

A data próxima da sessão de julgamento também foi considerada uma vitória pelo representante da Procuradoria-Geral do Município, Iranildo Junior. A própria PGM foi responsável por pedir que o julgamento fosse realizado de forma urgente. Segundo ele, a maior dificuldade para a manutenção dos empregos dos agentes é a utilização do argumento de que eles realizaram concurso específico para o Imesf, e não para atuar diretamente na administração pública. Por isso, seria preciso encontrar formas de realizar essa transposição de forma juridicamente segura, o que está sendo estudado pela Secretaria Municipal de Saúde. “Mesmo que venha a ter essa lei de transposição, há um certo risco. O concurso público foi prestado para o Imesf, e é inegável que houve uma decisão que desaguou na declaração de inconstitucionalidade do Imesf, ou seja, a pessoa jurídica terá que ser extinta. Eventual transposição para a administração pública poderia ser questionada”, explicou.

Luciana Genro considera que o fato de haver um interesse da prefeitura em realizar esse estudo já é uma vitória, por significar que há interesse em buscar um caminho jurídico que represente maior segurança jurídica possível. Ramiro afirmou que a defesa dos agentes argumenta que o edital do concurso prestado em 2012 pelos ACEs e ACSs é assinado também pela Secretaria da Saúde e que o concurso a ser realizado pela administração direta seria o mesmo prestado por eles.

“Temos uma sinalização que havia sido dada pelo dr. Roberto Silva da Rocha (Procurador-Geral do Município) e o dr. Iranildo confirmou aqui, de que a prefeitura tem interesse em manter os agentes depois de dezembro, buscando uma solução jurídica para isso. Quem sabe a Câmara, a Assembleia e os advogados podem contribuir na elaboração dessa saída jurídica. Queremos que as pessoas mantenham seus empregos, mas também sabemos da importância de manter esse vínculo”, afirmou a deputada, destacando que que a demissão desses trabalhadores resultaria em prejuízos não apenas para as categorias, mas também para a população dos bairros. “Podemos também buscar a comunidade para que expresse para a prefeitura a importância dos agentes, para mostrar seu vínculo com os agentes comunitários de saúde e de endemias”, sugeriu como encaminhamento.