| Notícias

A pandemia do coronavírus, que atinge o Brasil há um ano, não fez com que as atividades do Emancipa Santa Rosa de Lima, na Zona Norte de Porto Alegre, fossem interrompidas. Mais do que nunca e tomando todos os cuidados sanitários, o cursinho popular seguiu com ações de solidariedade ativa, auxiliando moradores da comunidade das mais diversas formas, inclusive garantindo a inscrição de 234 projetos culturais do bairro Rubem Berta no edital Ações Culturais das Comunidades, as quais resultaram em R$ 345 mil conquistados para o bairro.

O Emancipa Santa Rosa de Lima é um braço da ONG Emancipa, de educação popular, fundada pela deputada Luciana Genro (PSOL) em 2011 e presidida por ela. A instituição desenvolve trabalhos sociais e oferece cursinhos pré-universitários em Porto Alegre e em demais cidades gaúchas, como Guaíba, Novo Hamburgo, Gravataí e Pelotas. Além disso, faz parte de uma rede nacional de educação popular, com Emancipas espalhados em diversos estados do país. Com presença ativa na comunidade, Luciana Genro e o vereador Roberto Robaina participaram de reuniões com professores do Emancipa Santa Rosa de Lima. Em março de 2019, a deputada levou ao bairro uma edição da aula de defesa pessoal para mulheres da Emancipa Mulher, organizada em parceria com o Emancipa Santa Rosa de Lima. Também foi realizada uma aula aberta a mulheres e homens da comunidade sobre cultura do estupro, com a presença de Luciana.

Luciana Genro no encerramento do ano de 2019 do Emancipa Santa Rosa de Lima

Já durante a pandemia, o trabalho do Emancipa Santa Rosa de Lima vem sendo feito em muitas frentes, conforme explica sua coordenadora, a líder comunitária Fátima Cardoso. A equipe se mobilizou contra o fechamento de postos de saúde ligados ao Imesf, em apoio aos profissionais durante a crise do coronavírus, realizou lives e teve participação ativa nas eleições de 2020, com capacitações políticas para o bairro.

O cursinho popular foi inaugurado no Santa Rosa de Lima em 2019 e já conquistou diversos frutos: foram 24 estudantes naquele ano, dos quais todos fizeram o Enem, 10 fizeram o vestibular da UFRGS e dois fizeram o da PUCRS. Deste total, 16 passaram no Enem e 4 na UFRGS, segundo relata Fátima, com orgulho. Em 2020, as aulas estavam previstas para começar no dia 17 de março – exatamente quando foi preciso iniciar o isolamento social devido à pandemia. 

Os professores voluntários até tentaram seguir acompanhando alguns dos estudantes, mas as dificuldades encontradas foram muitas, devido à falta de possibilidade de acesso à internet e a aparelhos eletrônicos por parte de muitos alunos e professores. “Foram só três estudantes que conseguiram ir até a prova do Enem da turma de 2020, e só dois professores conseguiram fazer EAD. Em termos de cursinho, a pandemia foi um prejuízo muito grande para a comunidade, devido às condições”, explica Fátima, relatando uma situação que tem sido a regra na maioria das periferias do Brasil durante a pandemia.

Solidariedade ativa 

No entanto, as outras ações promovidas pelo Emancipa nesse período compensaram a falta de aulas. “Aquele ambiente foi transformado em solidariedade ativa, mudamos o foco, isso compensou muito o que a gente achava que tinha perdido. Em 2020, mesmo não tendo o cursinho, a gente se qualificou muito mais. Não só ajudou na divulgação do Emancipa, mas também nos conscientizamos de que o Emancipa vai muito além da educação, é o social também”, avalia Fátima.  

Doações de alimentos e produtos de higiene vem sendo promovidas pelo Emancipa Santa Rosa de Lima em 2020 e 2021

Desde que foi inaugurado, o Emancipa Santa Rosa de Lima já fazia ações sociais, em conjunto com a Associação de Moradores que fica localizada no mesmo espaço físico, que é também dividido com a Biblioteca Comunitária Aninha Peixoto, da qual a deputada Luciana Genro é sócia, tendo participado, em 2018, de um sarau feminista na biblioteca com mulheres da comunidade. Além disso, enquanto Emancipa, já era realizada uma ação solidária de apadrinhamento de uma ocupação urbana, a partir da doação de cestas básicas para os moradores. Além de ampliar as ações durante o ano de 2020, também foi ampliado o espaço físico, para que fosse possível comportar os alunos de forma presencial com o distanciamento social exigido, e adquiridos equipamentos de higiene e segurança. No entanto, com a piora na situação do coronavírus em 2021, as atividades presenciais não puderam retornar.  

A partir de uma parceria com a Rede Beabah, da qual a biblioteca Aninha Peixoto faz parte, e com a Associação de Moradores, foram garantidas cestas básicas, cestas de higiene e de hortifruti orgânicos para 150 famílias por três meses. Mas a fila de espera era ainda maior do que a demanda conseguia alcançar, e muitos dos que necessitavam de assistência eram migrantes que vivem na região, relata Fátima. “A gente tinha muitos migrantes na fila de espera, eu era conselheira da assistência social e comecei a cobrar políticas públicas para eles. Eu lutava no conselho para recursos para trazer melhores condições para os haitianos, tem uma média de mil haitianos aqui”, conta.  

As famílias haitianas, que chegam sem assistência do governo, com dificuldade para regularizar sua situação migratória e sem falar a língua portuguesa, em muitos momentos ficam desamparadas. Fátima e a equipe do Emancipa, então, foram atrás de editais para garantir verbas que pudessem ajudá-los. A partir do edital do Projeto de Ajuda a Terceiros
da Rede Jubileu Sul Brasil, em cooperação com a União Europeia, foi possível já atender 150 migrantes, e há mais 100 que serão contemplados pela distribuição de cestas básicas, de higiene e hortifruti.  

Além de haitianos, há no bairro também angolanos e venezuelanos, os quais estão em situações diversas. Enquanto 70 famílias chegaram em 2019 como parte de um programa de parceria entre os governos federal e municipal, mais recentemente outros venezuelanos vieram sem assistência, em situação precária. “Durante a pandemia, chegaram venezuelanos por conta própria. Teve um caso de uma família de seis pessoas que chegaram com laudo da Unicef de desnutrição de uma das crianças, de um ano de idade. Nessas particularidades o Emancipa é muito ativo, estamos sempre tentando buscar além de políticas públicas, conseguir parceiros para ajudar”, afirma Fátima. 

250 famílias de migrantes haitianos foram contempladas com doações

Ações de combate à violência contra a mulher 

Para as famílias de migrantes, também foram doados livros e doces para as crianças. A equipe ainda realizou ações específicas de Natal, doando brinquedos a 223 crianças da ocupação na Nova Gleba e da Nova Dique, a partir de parcerias. Além disso, também foi feita uma busca ativa na comunidade para conversar com as mulheres que são mães sobre os estudos dos filhos e sobre violência doméstica no período de isolamento. 

“Tivemos muitos casos de violência contra a mulher e tivemos que fazer encaminhamentos, foi um momento muito violento aqui durante a pandemia. Para as crianças estudarem, houve uma dificuldade de ter internet e de usar o programa da Prefeitura, era impossível de usar. Então muitos não estavam nem conseguindo ajudar o filho a estudar, as crianças estavam sem fazer nada. A gente ajudou nisso”, acrescenta Fátima.  

Ainda, está sendo construída a Casa Emancipa Mulher Santa Rosa de Lima, em um endereço diferente ao do Emancipa no bairro, que terá como objetivo trabalhar com a prevenção à violência contra a mulher na comunidade. O espaço contará com serviços de advocacia, psicologia, assistência social, embelezamento, uma biblioteca feminista, além de aulas de artesanato para promover independência financeira.  

Parte do espaço interno de onde será a Casa Emancipa Mulher Santa Rosa de Lima

“O Emancipa pra mim é a minha família” 

Fátima Cardoso tem três filhos e sempre priorizou a educação como algo fundamental para eles, pois ela própria precisou interromper os estudos aos 13 anos e só concluiu o Ensino Médio anos depois. Por isso, quando foi candidata a deputada federal pelo PSOL, fazendo campanha junto com a deputada estadual Luciana Genro, Fátima já deu a ideia para que fosse feito o projeto do Emancipa no bairro, o que foi prontamente aceito por Luciana – fundadora e presidente da ONG. 

“Quando passou a eleição já fizemos a primeira reunião e iniciamos em 11 de março de 2019, já com 24 estudantes. Os professores todos eram voluntários, e conseguimos ter aulas de segunda a sexta. A gente também teve aula de teatro, nosso cursinho teve muita participação de políticas públicas na comunidade”, conta Fátima. Ela própria ensinou os estudantes a terem consciência social, falando sobre o papel da escola, do posto de saúde, do SUS, do Orçamento Participativo.  

Equipe do Emancipa com representantes da escola de Samba Imperatriz dona Leopoldina, que foram auxiliados para se inscrever no edital cultural

Como a turma de 2019 era muito diversa, também foi possível abordar questões raciais e de diversidade de gênero e sexualidade. Houve, inclusive, um aluno transexual que realizou a transição durante o ano, com o apoio da equipe e dos colegas. “Hoje, ver a alegria dele é muito bacana, com o direito de poder ter a política pública, trocar o nome, ser aceito”, conta Fátima, que estabeleceu uma relação muito próxima com todos os que já passaram pelo espaço. “O Emancipa pra mim é a minha família, eu ganhei mais filhos em 2019”, emociona-se

A equipe que vem auxiliando ao longo do período da pandemia é composta principalmente por integrantes da coordenação e por jovens que foram estudantes, se destacaram em 2019 e mantiveram os vínculos, agora sendo voluntários. “São estudantes que viraram militantes do PSOL e hoje constroem com a gente. Estão empenhados nas ações”, conta Fátima.

Foi a partir dos voluntários que foi possível auxiliar os mais de 200 aparelhos culturais a se inscreverem no edital Ações Culturais das Comunidades. A equipe deu assistência para preencher formulários, buscou documentos, ajudou com impressões e orientações, auxiliando diversas iniciativas, dentre as quais sambódromos, CTGs, artesãos, músicos, casas de Matriz Africana e até um circo. “Esse recurso nós ajudamos a trazer para o Rubem Berta, isso vai para o comércio, vai para as pessoas poderem comer. São pessoas que fazem parte da cultura da região”, comemora Fátima.

Confira mais fotos: