Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo em 24/06/2016.
No dia 13 de junho, o Supremo Tribunal Federal determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada crime. No dia seguinte, em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro disse:
“Com todo respeito, mas decisão do Supremo é completamente equivocada. Além de estar legislando, está aprofundando a luta de classes”, numa demonstração de que persegue Marx mas não tem noção do que seja a luta de classes.
E continuou: “Prejudica o próprio homossexual, porque se o dono de uma empresa for contratá-lo, vai pensar duas vezes já que se fizer uma piada pode ser levado à Justiça”.
O fato de a homofobia ter virado lei não fez Jair pensar duas vezes antes de fazer uma declaração de cunho homofóbico e misógino, ao chamar Jean Wyllys de “menina” na semana do orgulho gay, deixando claro sua visão sobre as mulheres como inferiores.
Ser menina, para Bolsonaro, é insulto. Ok, não é uma surpresa. Quem não lembra do “tive quatro filhos homens e na quinta dei uma fraquejada e nasceu uma menina”?
Mas o fato de sabermos o que este presidente pensa a respeito das mulheres não minimiza o susto, a ofensa e a violência de suas declarações misóginas.
No mesmo dia, Bolsonaro surge em vídeo fazendo flexões com o cabelo, cercado de homens “pagando dez”, numa mostra do que alguns chamariam de orgulho macho e outros de masculinidade tóxica.
Entre os homens brasileiros, 75% nunca ouviram falar em masculinidade tóxica. Bolsonaro certamente é um destes ignorantes. Mas, no mundo, o termo está bombando.
Anualmente, o dicionário Oxford escolhe a palavra ou a expressão que teria atraído maior interesse das pessoas em suas buscas na internet e leva em conta seu potencial duradouro e significância cultural.
Em 2018, a palavra do ano foi masculinidade tóxica.
Ser homem não é tóxico. Ser masculino não é tóxico. Mas ser Jair Bolsonaro é ser 100% masculinidade tóxica.
Homem não chora, não pode manifestar sentimentos, nem medo, fraqueza, vulnerabilidade nem qualquer comportamento tido como “feminino”, vivendo sob a ameaça oculta de manchar a reputação.
Traços como agressividade, fechamento, excesso de competitividade, tendência à violência e ao uso desmedido da força estariam caracterizados no termo “masculinidade tóxica”.
Quais os efeitos da masculinidade tóxica? Os homens são os que mais se suicidam, mais matam, mais morrem e correm risco por causa da violência.
O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. De 2007 a 2017, segundo o Atlas da Violência, a taxa de homicídio de mulheres negras disparou 29,9%. O número de mulheres mortas por arma de fogo dentro de casa cresceu 25%.
A raiz da violência de homens contra mulheres é o fato de elas serem mulheres. E da nossa sociedade entender que mulher é menor, que é insulto.
Cada vez mais mulheres têm aprendido a lutar como garotas contra o machismo. Mas o machismo também reagiu para conservar as coisas como sempre foram, usando o instrumento que domina: a violência. Neste sentido, pode-se inferir que a misoginia é o começo do problema que, no limite, leva ao feminicídio.
Dos 11 ministros do STF, 10 reconheceram haver demora inconstitucional do Legislativo em tratar de homofobia.
Diante da omissão, determinaram que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo, que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. Por que não incluir gênero, STF, e criminalizar a misoginia? Antonia Pellegrino e Manoela Miklos
Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.