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Artigo do jornalista Flávio Tavares, originalmente publicado em ZH em 06/03/2021.

Nunca pretendi ser profeta nem vaticinar e, nas raras vezes em que “li” as linhas da mão, inventei a esmo, só para alegrar. Sete dias atrás, porém, alertei aqui para o perigo de o caos em torno da pandemia ampliar-se por si só, criando pânico. 

Agora, estamos chegando perto disso, tal qual ocorre no modelar Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, no qual a dificuldade já não é salvar vidas, mas – sim – onde colocar os mortos por covid-19. O necrotério está repleto e os cadáveres passaram a ser guardados em contêineres refrigerados, normalmente utilizados para frangos e outras carnes de cozinha. 

Serão essas as nossas “novas façanhas” apregoadas na propaganda do governo estadual? Ou isto busca, apenas, preparar-nos para a morte, não para a vida em si? 

De outra forma, repete-se na capital gaúcha a tragédia de Manaus, no distante Amazonas. Lá, as mortes pela peste criaram o que foi chamado de “crise de sepultamento”, pois faltaram coveiros para cavar sepulturas. 

Aqui, o primeiro ato do prefeito Sebastião Melo foi adquirir cloroquina para remediar a peste. Ignorou as advertências da medicina (de usar cloroquina só em casos de malária) e preferiu guiar-se pelo improvisado médico-charlatão instalado no Palácio do Planalto. Com isto, expôs a população ao horror. 

A vereadora Comandante Nádia, vice-líder do governo da Capital, acusa os críticos do uso da cloroquina, de “obstruírem o tratamento da pandemia”, invertendo as conclusões da própria ciência médica. No final de 2020, prefeito e secretários municipais receberam Bolsonaro na ponte do Guaíba, acintosamente sem máscaras. O absurdo completou-se, dias atrás, com o secretário municipal da Saúde afirmando que “o pior já passou”. 

Por tudo isso, nossa capital já não tem as cores farroupilhas e, agora, é “bandeira preta” ou “vermelha”, indicando o horror. Ou o pandemônio na pandemia retratado nos contêineres refrigerados, cheios de cadáveres. 

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Pandemônio é um neologismo criado pelo poeta inglês John Milton no século 17, para significar “a capital do Inferno” ou “o palácio de Satã” e, modernamente, tem o sentido de tumulto, balbúrdia ou confusão. 

Agora, o presidente Bolsonaro reuniu todas essas acepções negativas para apregoar que a máscara antipandemia provoca efeitos colaterais, como irritabilidade, difícil concentração, recusa de ir à escola, vertigem e desânimo, além de “diminuir a percepção de felicidade”. 

É o pandemônio inundando a pandemia.