Sindrome
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*Artigo da jornalista esportiva Alice Bastos Neves, originalmente publicado no jornal Zero Hora em 17/02/2020.

Cabelo, ok. Maquiagem, ok. A música do momento (da semana ou até do dia) fala de uma lista de atributos que certa moça precisa para estar “ok” e reencontrar seu ex-companheiro. Só então ela pode “brotar no bailão” para deixar o ex desesperado ao vê-la linda. Para além do padrão estético, que não necessariamente deveria ser cumprido, ou da superquestionável necessidade de aprovação, meu ponto sobre a música chamada Tudo OK envolve aqueles “oks” que precisamos nos dar todos os dias na vida. Quando está “tudo ok”, afinal? Por mais que todos os indícios apontem para uma realidade bem-sucedida, algumas pessoas não conseguem ver seus próprios méritos e qualidades.

“Que blusa linda!”, elogia uma amiga. “Foi tão baratinha”, respondo de imediato. “Que reportagem maravilhosa”, comenta alguém. “Ah, foi uma sorte encontrar essa história”, justifico. “Tu és tão boa mãe”, escuto em uma conversa. “Meu filho que é um guri sensacional”, explico sem titubear. Pensemos juntos: algo em todos esses comentários seria mérito meu, certo? Por que, então, busco subterfúgios para justificar o que genuinamente construí?

A dificuldade recorrente em reconhecer as próprias habilidades pode se encaixar em um comportamento compatível com uma disfunção psicológica que tem nome: a síndrome do impostor. Ela não é reconhecida oficialmente, mas tem sido estudada entre psicólogos e outros profissionais da área da saúde mental. Alguns apontam que é mais frequente em mulheres, em sua maioria as que ocupam cargos de destaque ou convivem em ambientes predominantemente masculinos.

Há 13 anos trabalho com jornalismo esportivo. Uma área que ainda tem um número muito maior de homens. Hoje, na redação de esportes da RBS TV, temos 31 profissionais, oito mulheres. Parece pouco, mas é um grande avanço em relação ao período em que comecei, por exemplo. Só que, infelizmente, não raro, olho para o lado e vejo alguma de minhas colegas questionando incessantemente o próprio trabalho. Uma autocrítica exagerada, corrosiva, quase cruel. Resultado de um histórico social, sim, mas também de como cada uma valoriza a sua individualidade.

Não importa o que se conquiste, o quão longe se chegue. Quem vive a realidade de não se sentir capaz encontra argumentos para se desvalorizar. Busca explicação na sorte, no fato de estar no lugar certo, na hora certa, nas pessoas que colaboraram, e muitas vezes sente-se uma grande fraude. Como se só estivesse onde está porque consegue enganar as pessoas o tempo todo. Um impostor.

Ora, se a palavra impostor se refere no significado literal a “alguém que engana o outro, mente” e não somos assim, então por que fazemos isso com nós mesmos? Essa inferioridade ilusória, criada em nossas cabeças, não nos pertence. Por isso, minha provocação nesta segunda-feira (17) é para que reconheçamos nossas capacidades e conquistas, grandes ou pequenas. Elas são nossas. Apenas nossas.

Quando recebi o convite para escrever esta coluna, em um espaço tão nobre da Zero Hora, no lugar de alguém tão especial quanto David Coimbra (que nesta terça-feira, 18, está de volta, aproveitando: bem-vindooo!), imediatamente entendi estar frente a um enorme desafio. Me senti incapaz. Seria a tal síndrome? Talvez mais importante do que ter a resposta seja encarar, realizar e reconhecer valor. Então, aqui estou. No fim deste texto. Mostrando para mim mesma que posso. Tenho certeza de que vocês também podem o que quiserem. Não sejamos impostores de nós mesmos. Porque, como diz a música de sucesso interpretada por Thiaguinho MT, JS O Mão de Ouro e Mila: está tudo ok.