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Por Luciana Genro

10272733_865067836871452_2533016009706263931_o O relatório apresentado hoje pela Comissão da Verdade no Brasil (CNV) é um marco na Justiça de Transição no Brasil. Suas conclusões, embora já conhecidas por quem estuda o tema, são muito importantes pelo caráter oficial que adquirem: a comprovação das graves violações dos direitos humanos e do caráter sistemático e generalizado destas violações, caracterizando a ocorrência de crimes contra a humanidade durante a ditadura civil-militar e a persistência destes crimes agora, na democracia, tendo por alvo não mais prisioneiros políticos. O relatório da CNV aponta que as torturas, execuções e desaparecimentos promovidos por agentes públicos continuam.

As recomendações da CNV são ainda mais relevantes para os debates políticos atuais. A mais importante delas é a responsabilização jurídica dos agentes públicos que promoveram as violações, afastando a aplicação da Lei da Anistia nestes casos. É bom lembrar que o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos por abrigar crimes contra a humanidade e crimes permanentes sob o manto da Lei da Anistia. Escrevi sobre isso no livro “DIREITOS HUMANOS, O BRASIL NO BANCO DOS RÉUS”, da editora LTR.

O STF chancelou esta interpretação da Lei da Anistia, o que tem barrado os processos que o Ministério Público Federal segue insistindo em propor, buscando a responsabilização dos criminosos. Mas esta decisão do STF contraria toda a legislação internacional, à qual o Brasil aderiu por livre e espontânea vontade, assinando e ratificando vários Tratados Internacionais.

Na raiz da impunidade está o tipo de transição ocorrida no Brasil, controlada pelas elites dominantes. Esta transição foi tão controlada que possibilitou, inclusive, a reciclagem de figuras-chave do regime militar, cujo exemplo mais eloquente, mas que está longe de ser um caso isolado, é José Sarney. Não são, portanto, apenas os que cometeram diretamente as violações aos Direitos Humanos que estão sendo protegidos pela Lei da Anistia. Os principais beneficiários são os políticos, empresários, banqueiros, os grupos políticos e econômicos que deram sustentação ao regime, responsáveis últimos por todas as barbaridades cometidas na defesa de seus interesses. O que explica a força contrária a uma interpretação da Lei da Anistia que possibilite a persecução penal dos responsáveis pelas execuções, desaparecimentos, mortes e torturas é que os mentores e sustentáculos daquele regime seguem presentes nas diversas instâncias do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, e continuam no controle da economia do país.

Os governos petistas não alteraram esta realidade. Ao contrário, ajudaram a garantir o sucesso desta manobra. A impunidade dos violadores do passado é o lastro para a impunidade dos violadores do presente. O ciclo de violência não acabou e nem vai acabar enquanto só mudem os algozes e as vítimas, mas não se transformem as estruturas. Por isso, outras recomendações da CNV também são de extrema relevância: desmilitarização das polícias estaduais, modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais para promoção da democracia e dos Direitos Humanos, proibição de comemorações oficiais do dia do golpe, extinção da Justiça Militar estadual, supressão de referências discriminatórias das homossexualidades no Código Penal Militar, eliminação da figura do auto de resistência à prisão, fim da Lei de Segurança Nacional, dignidade no tratamento aos presos, dentre outras.

Resta saber agora se a presidenta Dilma, ela mesma uma ex-presa política que foi torturada, e o Supremo Tribunal Federal, vão ignorar as recomendações da Comissão Nacional da Verdade da mesma forma que ignoraram as recomendações da Corte Internacional de Direitos Humanos.