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Após presenciar ato flagrante de intolerância religiosa na Câmara de Vereadores de Cachoeirinha no último mês de março, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) voltou ao local neste dia 7 de maio para a realização de uma audiência pública para debater o tema, realizada por meio da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, em parceria com o vereador Gustavo Almansa (PT). Dentre as principais queixas apresentadas pelos presentes estão as constantes ameaças à integridade física dos pais e mães de santo e seus filhos, não somente durante o exercício da sua fé, mas também a perseguição que sofrem nas ruas da cidade por usarem suas vestimentas características.

O encontro teve como objetivo construir pontes para o diálogo entre as entidades religiosas e o poder público, entretanto, somente a Brigada Militar esteve representada no evento através do Comandante do CRPO Delta do Jacuí, Coronel Clodemilton Silva Bueno. A prefeitura não enviou representante, assim como o Ministério Público. “A ausência de uma representação formal da Prefeitura é um reflexo de como, muitas vezes, as questões relacionadas à intolerância religiosa e ao racismo não recebem a atenção devida nas esferas governamentais. Isso reforça a necessidade de uma atuação mais assertiva e de um comprometimento institucional mais amplo e contínuo para combater essas práticas discriminatórias de forma efetiva”, avaliou a deputada.

Exemplo dessa falta de comprometimento, inclusive, foi constatado até mesmo durante a audiência. Para surpresa dos presentes, a Câmara de Vereadores de Cachoeirinha afirmou que não poderia transmitir ao vivo o evento, por suposta impossibilidade de pagamento de “horas extras” aos funcionários da Casa. Decisão essa contestada pela própria Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia, que informou a Casa sobre o evento com meses de antecedência, permitindo assim tempo suficiente para organização interna. Então, horas antes do início da audiência pública, a equipe da deputada providenciou que o encontro fosse transmitido nas suas redes sociais e disponibilizou o arquivo para upload nos canais oficiais da Câmara de Vereadores da cidade.

No dia 12 de março de 2025, a deputada foi chamada até o local por religiosos de matriz africana após serem proibidos de ingressar no espaço que iria receber um evento justamente para tratar sobre o tema da intolerância religiosa. O encontro teria sido cancelado horas antes da sua ocorrência sob a justificativa de que teria ocorrido “um erro administrativo” e que uma suposta sobrecarga no sistema elétrico da Casa impossibilitaria a realização de dois eventos. Sendo assim, dezenas de pessoas que participariam do encontro foram barradas de entrar na Câmara de Vereadores na referida data.

Após denúncia pública e criminal junto ao Ministério Público, a deputada Luciana Genro retornou, neste dia 7 de maio, ao local acompanhada de diversos religiosos, que ocuparam todos os 150 assentos da Sala de Comissões Leonel de Moura Brizola, para debater os diversos casos de intolerância religiosa que ocorrem na cidade, não somente por parte da população local, mas também dos órgãos de segurança. Segundo os relatos, constantemente há interrupção de cultos, tanto à noite, como à tarde aos fins de semana. Inclusive, alguns religiosos afirmam que essa é uma prática “marcada”, onde alguns terreiros semanalmente sofrem com essas “batidas injustificadas”, e que “não há denúncia, apenas perseguição”.

“Argumentaram que não se pode pagar ‘hora extra’ para os servidores para a transmissão, mas eu gostaria de saber porque podem ir no meu terreiro, durante o início da noite, no meio da tarde, para interromper os nossos trabalhos? Essas batidas são semanais. Eles chegam pedindo documentos que nós já encaminhamos, que misteriosamente sumiram. Inclusive, tive a honra de receber a visita da secretária de desenvolvimento econômico em certa oportunidade e que quis me dar voz de prisão. Aí, eu pergunto, por quê?”, questionou a sacerdotisa Adriana, do Templo dos Caminhos de Aruanda.

Reforçando ainda mais os relatos de intolerância religiosa institucional, o Pai Gerson de Oxalá, integrante do Conselho Estadual dos Povos de Terreiro, também compartilhou que não foi atendido pela prefeitura quando procurou a administração municipal para questionar os motivos da exclusão das religiões de matriz africana dos festejos de aniversário da cidade. “Eu fui questionar os motivos de termos um dia todo de celebração dedicado aos evangélicos, no parque da cidade, em homenagem a essa data comemorativa. Por que as religiões de matriz africana sequer foram recebidas?”, indagou o religioso.

A deputada, conhecida pela sua luta em defesa dos direitos humanos e da liberdade religiosa, destacou a importância de garantir o respeito às práticas de todos os grupos religiosos, especialmente aqueles que, historicamente, têm sido alvo de discriminação. “É essencial, por essas razões, que encontros como esse aconteçam, pois são através deles que conseguimos ouvir as reais demandas da população e garantir que elas sejam de fato atendidas. Não podemos permitir que questões tão graves, como os diversos episódios de intolerância religiosa aqui relatadas e que eu já presenciei, lamentavelmente, nesta cidade, sigam ocorrendo e, mais grave ainda, sejam tratadas de forma superficial ou ainda sejam negligenciados”, defendeu Luciana Genro.

Diversos encaminhamentos foram dados após a audiência pública. Dentre eles estão a solicitação de uma reunião entre o Comando de Policiamento Metropolitano e representantes das religiões de Matriz Africana para prestação de esclarecimentos e orientações e ainda uma reunião com a Guarda Municipal de Cachoeirinha para questionar os motivos dessas abordagens tidas como “agressivas e desproporcionais”. Ainda será questionado à prefeitura de Cachoeirinha sobre a ausência de representatividade das religiões de Matriz Africana nas comemorações de aniversário da cidade e a falta de estrutura de transmissão da Audiência Pública.

Participaram ainda, compondo a mesa da audiência pública, junto de Luciana Genro e Gustavo Almansa, a vice-presidenta da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, a deputada Laura Sito, o Comandante do CRPO Delta do Jacuí, Coronel Clodemilton Silva Bueno, a Mãe Ledi de Xangô, da ARAUC, o Pai Alex Araujo, do Templo dos Caminhos de Aruanda, o Mestre Lucas, da ANOLT e o Pai Gerson de Oxalá, integrante do Conselho Estadual dos Povos de Terreiro. Estiveram presentes os companheiros Cebola de Oxalá, o presidente do PSOL na cidade, Lucas Cardoso, que também auxiliaram na organização do evento e na convocação dos membros dos terreiros da região.

Luciana Genro preside audiência pública sobre intolerância religiosa em Cachoeirinha