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Nesta quarta-feira (04) a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa realizou, a pedido da deputada estadual Luciana Genro (PSOL), uma audiência pública para tratar sobre os diversos relatos de trabalhadores da indústria calçadista que indicam a restrição de acesso aos banheiros das empresas. A Comissão acompanhará, no dia 25/8, uma audiência a ser realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) para tratar da temática. 

Deputada Luciana Genro se declarou surpresa em ver a patronal tratar o caso como irrelevante

“Estou surpresa que o problema seja colocado como irrelevante pela patronal, mas vejo que o sindicato e o MPT estão atentos para que possamos buscar uma solução para essas práticas medievais, que em pleno século XXI trabalhadoras e trabalhadores não tenham acesso ao banheiro”, disse a deputada, após o representante das empresas e deputados da base do governo afirmarem que o problema não acontecia. 

As denúncias se evidenciaram após uma jovem trabalhadora da fábrica dos Calçados Zenglein, de Novo Hamburgo, se urinar nas calças ao ser impedida de usar o banheiro no local de trabalho. Após mobilizações, o Sindicato das Sapateiras e Sapateiros da cidade firmou um acordo entre a empresa e suas funcionárias, determinando que “as trabalhadoras e os trabalhadores devem ter livre acesso ao uso do banheiro desde o ingresso ao local de trabalho até a sua saída” e a intenção dos representantes dos trabalhadores é estender esse acordo às demais empresas. 

ACORDO COLETIVO PODE RESOLVER

Jaqueline Erthal conta que restrição do uso dos banheiros é prática comum no segmento calçadista

Mais de 60% da categoria é formada por mulheres, algumas gestantes, como a deste caso da Zenglein. Jaqueline Erthal, diretora do Sindicato das Sapateiras e dos Sapateiros de Novo Hamburgo, conta que esses episódios aparecem há anos neste segmento.  

“Existe sim folga para ir no banheiro. Não podemos ir no banheiro quando queremos, não se pode conversar com o dirigente sindical na porta da empresa que é demitido. O que estamos fazendo aqui não é loucura da nossa cabeça, a gente sabe o que o trabalhador, a trabalhadora vive. Eu que construo a riqueza do patrão e a gente não tem o mínimo direito, nem de ir ao banheiro. É a nossa realidade, todo dia, o ano todo”, desabafa a dirigente sindical.  

Paulo Ricardo da Silva falou pelo Sindicato da Indústria do Calçado de Novo Hamburgo e afirmou que o ocorrido foi um equívoco, talvez do setor de Recursos Humanos, e que se os banheiros fossem problema, não teria sapateiro trabalhando nessas empresas.  

“Ninguém trabalharia nas empresas de calçados. Tem banheiro limpo, tem banheiro certo na empresa e é isso que precisa. Não tem problema nos banheiros, venham ver como funciona. Vamos conversar com as empresas, dar uma atenção pra isso. Sabemos que isso não pode acontecer e se aconteceu, deu algo errado no caminho”, justificou. 

Procuradora do Trabalho, Fernanda Arruda, marcou uma audiência para debater caso

Representando o Ministério Público do Trabalho de Novo Hamburgo, Fernanda Arruda Dutra destacou que essa questão os preocupa e que foram instaurados procedimentos para que fossem tomadas as devidas providências. 

“O MPT quer acompanhar mais de perto, para fazer essa intersecção entre sindicatos e empresas. Isso não pode acontecer, é uma restrição de necessidades fisiológicas. Já agendei uma audiência para o dia 25 e creio que se houver alegação que tais fatos não ocorrem, não há problema de constar esse direito nas convenções coletivas da categoria”, declarou Fernanda. 

SITUAÇÃO É RECORRENTE 

Jair Xavier dos Santos afirma que mesmo que as empresas neguem, situação ainda é recorrente

Jair Xavier dos Santos, também dirigente do Sindicato das Sapateiras e dos Sapateiros de Novo Hamburgo, registrou que é lamentável que tivesse que acontecer uma situação extrema como essa, para que o debate fosse posto em pauta. 

“Mesmo que empresas aleguem que isso não acontece, quem está dentro das fábricas sabe que isso é verdadeiro. Se houvesse um programa mais humanitário de recursos humanos com as chefias das empresas, não estaríamos aqui discutindo isso. Se não tem problema no banheiro, o que impede o sindicato patronal de pautar isso no acordo coletivo?”, questionou Jair. 

Gabriela Piard lembrou inúmeros relatos de trabalhadores que tiveram esse direito privado

A Assessora Jurídica da entidade, Gabriela Piard, complementou que essa situação é decorrente da corrosão dos direitos trabalhistas e que ficou estarrecida com a tentativa de desqualificar o que estava sendo relatado pelos trabalhadores na audiência pública.  

“Fico feliz que já que o sindicato patronal disse que não existe esse problema, não teremos nenhum problema em acrescentar esse direito no acordo coletivo da categoria”, ironizou a advogada, lembrando inúmeros relatos de trabalhadores que tiveram esse direito privado.  

Por fim o ex-presidente da AGETRA, Álvaro Klein, afirmou sentir-se desprestigiado ao ver, como cidadão, um deputado tratar fatos como se fossem mentira. Relatou diversos casos de trabalhadoras da categoria que sofreram com essa política de horário para o banheiro.  

“Não temos notícia de que a ordem de acesso ao banheiro seja alterada em função da gravidez. Aqui não é defesa de uma verdade, a verdade já está colocada. Vejo que estamos expondo uma situação, buscando uma solução e encontramos deputados agindo como se não fosse verdade o que foi trazido aqui”, finalizou.