A deputada estadual Luciana Genro, a deputada federal Fernanda Melchionna e a vereadora Karen Santos, do PSOL, solicitaram junto com a Frente Quilombola do Rio Grande do Sul uma reunião com a desembargadora Vânia Hack de Almeida, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). As parlamentares e as lideranças da Frente Quilombola desejam dialogar com a magistrada a respeito do processo de despejo dos moradores do Quilombo Lemos, em ação movida pelo Asilo Padre Cacique, em que a desembargadora Vânia é relatora.
Nesta segunda-feira (23/11), a Frente Quilombola anunciou nas redes sociais que a desembargadora havia concedido uma liminar determinando a reintegração de posse do território do Quilombo Lemos – ou seja, o despejo das cerca de 20 pessoas que moram na comunidade desde os anos 1960. “O momento pelo qual passamos é peculiar e acentua a gravidade e os impactos de atos executórios de uma reintegração de posse, tendo em vista que vivemos uma pandemia a qual, infelizmente, está longe de ser controlada. Aqui, expomos nossa intensa preocupação com as crianças da comunidade, assim como dos idosos e dos demais quilombolas dos grupos de risco. Em um momento em que ainda o maior isolamento social possível é necessário para preservar a saúde e a vida (os direitos fundamentais constitucionais mais essenciais, pois somente a partir deles os demais direitos podem ser exercidos), manter o território e o teto é absolutamente basilar”, dizem as parlamentares no pedido de reunião enviado à desembargadora.
O Quilombo Lemos se tornou o sétimo quilombo urbano autorreconhecido de Porto Alegre e foi fundado por Jorge Alberto Rocha de Lemos e Delzia Gonçalves de Lemos, ambos trabalhadores do Padre Cacique que se estabeleceram em território ao lado asilo. Após a morte de Jorge Alberto, em 2008, a direção do asilo ingressou com processo para reapropriar a área pertencente ao quilombo.
Em novembro de 2018, uma ação de reintegração de posse chegou a ser iniciada, com a presença de oficial de Justiça, efetivo da Brigada Militar e retroescavadeiras no local. Contudo, o procedimento foi interrompido com a atuação da Defensoria Pública e a constatação de que os protocolos de reintegração de posse não estavam sendo cumpridos. Dentre os protocolos desconsiderados na época estavam ausência de reunião preparatória com os moradores, presença do Conselho Tutelar e falta de identificação dos policiais. O fornecimento de energia elétrica e água chegou a ser interrompido na ocasião.
Confira abaixo o pedido de reunião enviado ao TRF-4:
Excelentíssima Doutora Desembargadora Federal do Tribunal Federal da 4ª Região Vânia Hack de Almeida
Esta comunicação está relacionada aos autos do Agravo de Instrumento n° 5045303-02.2020.4.04.0000, que tramita perante a 3ª Turma do TRF4, onde são partes o Asilo Padre Cacique, enquanto autor/agravante, e famílias do Quilombo Lemos, na posição jurídica de demandadas/agravadas.
Os remetentes desta correspondência eletrônica – Frente Quilombola do Rio Grande do Sul em conjunto com a Vereadora de Porto Alegre Karen Santos, a Deputada Estadual do Rio Grande do Sul Luciana Genro, e a Deputada Federal pelo mesmo Estado, Fernanda Melchionna – cumprimentam inicialmente a nobre Desembargadora e desde já agradecem a consideração do Juízo.
Também de forma primeira, se informa que o advogado e representante da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, doutor Onir Araújo, e a assessoria jurídica da vereadora Karen Santos, lêem esta comunicação em cópia.
O objetivo da presente comunicação é requerer uma reunião conjunta entre a Doutora Desembargadora relatora do processo supramencionado, as parlamentares e representantes da Frente quilombola, para que se estabeleça e intensifique o debate democrático e se ratifique o fundamental princípio entre a harmonia e o diálogo franco e fraterno entre os Poderes da República, sempre com o objetivo de garantia de direitos e respeito ao ordenamento jurídico pátrio.
Temos a certeza de que o Juízo compreende a elevadíssima relevância social da demanda, que envolve comunidade tradicional negra quilombola, a qual se alicerça em direito constitucional para preservar sua história, seu território e sua comunidade.
Ainda, o momento pelo qual passamos é peculiar e acentua a gravidade e os impactos de atos executórios de uma reintegração de posse, tendo em vista que vivemos uma pandemia a qual, infelizmente, está longe de ser controlada. Aqui, expomos nossa intensa preocupação com as crianças da comunidade, assim como dos idosos e dos demais quilombolas dos grupos de risco. Em um momento em que ainda o maior isolamento social possível é necessário para preservar a saúde e a vida (os direitos fundamentais constitucionais mais essenciais, pois somente a partir deles os demais direitos podem ser exercidos), manter o território e o teto é absolutamente basilar. Por outro lado, não desconhecemos as complexidades jurídicas da demanda.
É nesse contexto de fundamentais direitos em questão e a complexidade jurídica imposta que solicitamos reunião para compreender, expor e dialogar sobre a matéria posta e a situação das famílias quilombolas, sempre buscando o diálogo, o qual é base primordial de um Estado Democrático, tendo a certeza da compreensão e concordância do juízo sobre essa afirmação.
Certas da compreensão e da presteza de Vossa Excelência,
E no aguarda de resposta – com a urgência que a demanda exige-, tanto desta comunicação como acerca do pedido de reunião
Frente Quilombola do Rio Grande do Sul
Karen Santos – Vereadora de Porto Alegre reeleita para a legislatura 2021-2024
Luciana Genro – Deputada Estadual no Rio Grande do Sul
Fernanda Melchionna – Deputada Federal pelo Rio Grande do Sul