A Polícia Federal informou que está investigando os ataques racistas que ocorreram durante aulas virtuais de universidades e institutos federais no Rio Grande do Sul. A confirmação foi dada durante audiência pública sobre estes casos na manhã desta quarta-feira (05/08), na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.
A reunião ocorreu por iniciativa da deputada estadual Luciana Genro (PSOL) e contou com a presença da deputada Sofia Cavedon (PT), dos delegados da PF Alessandro Maciel Lopes e Maria Lucia, do procurador do MPF Enrico Rodrigues de Freitas, da professora da UFRGS Fernanda Bairros, da técnica em educação do Instituto Federal na Restinga Cristina Santos e dos militantes Franciele Rodrigues e Patrick Veiga.
Já foram instaurados quatro expedientes de investigação na Polícia Federal, apurando crimes de racismo e homofobia ocorridos durante aulas virtuais em Santa Maria, Santo Ângelo e Porto Alegre. O delegado Alessandro Maciel Lopes, responsável pelos casos, disse trabalhar com possibilidade de ataques organizados entre si. “Há uma possibilidade bem grande de que isso tenha sido feito de forma premeditada e orquestrada por um mesmo grupo, ainda que com pessoas diferentes”, afirmou.
No mesmo sentido, o procurador Enrico Rodrigues de Freitas entende que “estes atos não são pontuais, nem isolados”. E aponta que se trata de “ataques absolutamente coordenados, que se configurariam até mesmo formação de quadrilha”. Titular da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, ele ressaltou que está em contato com as instituições vítimas destes crimes para que se possa construir mecanismos de prevenção e identificação dos agressores.
A deputada Luciana Genro solicitou que a Comissão de Direitos Humanos e as autoridades federais sigam em contato a respeito dos desdobramentos das investigações. “Este tipo de comportamento é inaceitável, não é brincadeira nem livre expressão de pensamento, mas sim um crime que vai ser investigado e terá consequências para quem o pratica. Os delitos na esfera virtual muitas vezes acabam se transformando também em crimes físicos, com consequências muito graves para as vítimas”, ponderou.
Entenda o caso
Uma série de aulas virtuais e defesas de trabalhos acadêmicos com temáticas envolvendo a negritude, as mulheres e a população LGBT têm sido invadidas por grupos de ódio no Rio Grande do Sul. O método é sempre o mesmo: os agressores ingressam nas videochamadas em grupo e tumultuam as apresentações com mensagens de cunho sexual, racista, homofóbico e machista.
As denúncias vieram à tona no dia 10 de julho, em reportagem da RBS TV. A partir daí, a deputada Luciana Genro convidou as vítimas a relatarem os casos em uma reunião da Comissão de Direitos Humanos, no dia 15. E, agora, foi realizada audiência pública para ouvir também as autoridades que investigam estes crimes.
A professora da UFRGS Fernanda Bairros foi uma das vítimas destes crimes de ódio. Durante uma aula aberta da UFSM sobre saúde e nutrição da população negra, ela teve sua fala interrompida por diversas manifestações racistas. “Havia gemidos sexuais, risadas, deboches de cunho racista e sexista. Conseguiram tirar minha apresentação com outras imagens e ameaçaram todos os participantes, dizendo que iriam roubar os cartões de crédito”, relatou. Fernanda faz parte da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras e disse que outros professores também já foram vítimas deste tipo de ataque no país.
Discurso bolsonarista estimula crimes racistas, dizem militantes
Franciele Rodrigues, estudante de Direito e membro do coletivo Juntos Negras e Negros, e Patrick Veiga, acadêmico de História e coordenador do DCE da UFRGS, entendem que os ataques racistas às aulas virtuais são estimulados pelo discurso de ódio disseminado nas redes bolsonaristas.
“Não são casos isolados”, apontou Franciele. Já Patrick identifica uma ação coordenada de grupos alinhados ao pensamento do presidente Jair Bolsonaro. “Estes setores se sentiram encorajados a agir assim após a eleição de Bolsonaro. São os mesmos grupos que atacam as liberdades democráticas”, frisou.
Cristina Santos, técnica em Educação do Instituto Federal no Campus Restinga, que também foi vítima de crimes de ódio, compartilha do mesmo entendimento. “Hoje em dia as pessoas se sentem autorizadas e encorajadas a cometer atitudes racistas”, lamentou.