Por Luciana Genro
Muito importante a ação protocolada pelo Ministério Público Federal contra autoridades da ditadura civil-militar que foram omissas e coniventes em relação à tortura. O caso foi divulgado nesta quarta-feira, dia 31/10, em reportagem da Folha de São Paulo, e envolve a morte, sob tortura, do militante político Olavo Hanssen em maio de 1970. Seu crime? Distribuir panfletos contra a ditadura a trabalhadores.
A ação envolve o ex-delegado Josecir Cuoco, o procurador aposentado da Justiça Militar, Durval Ayrton Moura de Araújo, e o juiz aposentado da Auditoria Militar, Nelson da Silva Machado Guimarães. O delegado é acusado por homicídio duplamente qualificado, já o promotor e o juiz são acusados por prevaricação.
O MPF já ajuizou 38 denúncias nos últimos seis anos contra agentes do Estado que praticaram crimes envolvendo a repressão no regime militar. As ações implicam 59 pessoas em violações cometidas contra 50 vítimas. Mas esta é a primeira vez que os membros do Ministério Público e do Judiciário são denunciados.
O Brasil nunca realizou uma efetiva Justiça de Transição. A passagem da ditadura para a abertura democrática ocorreu mediante acordo entre os militares e a elite política para que fossem preservados os agentes que cometeram crimes de tortura, que perseguiram e assassinaram opositores. Inclusive já escrevi um livro sobre este assunto (Direitos Humanos: O Brasil no banco dos réus), fruto de meu trabalho de conclusão de curso na pós-graduação em Direito Penal.
É fundamental que os crimes praticados pelo Estado durante o regime de exceção sejam investigados e punidos, como ocorreu na Argentina e, em menor escala, no Uruguai e no Chile. A impunidade que paira sobre estas violações é um dos fatores que nos ajudam a entender como, hoje em dia, o Brasil pôde eleger um presidente que defende abertamente a tortura e o regime ditatorial.
O trabalho destes procuradores do MPF que têm se dedicado a revolver uma ferida ainda aberta de nossa história deve ser apoiado. E a sociedade, a imprensa, os partidos e as lideranças comprometidos com a democracia, devem permanecer vigilantes no acompanhamento destas ações. Ainda que de forma tardia, a ditadura precisa enfim chegar ao banco dos réus.