*Artigo do professor de Gestão de Políticas Públicas da USP Pablo Ortellado, originalmente publicado na Folha de São Paulo em 04/07/2017.
Michel Temer é formalmente acusado de corrupção pela Procuradoria-Geral da República: por tentar obstruir a Justiça e tentar vender uma decisão do CADE para a JBS, paga com uma mala de dinheiro. Ele tem apenas 7% de aprovação. 76% dos brasileiros acham que o presidente deveria renunciar, 81% acreditam que deveria sofrer um processo de impeachment e 83% defendem eleições diretas já. O apoio popular a sua agenda legislativa não é melhor: 71% são contrários à reforma da Previdência, 61% são contra a reforma trabalhista, assim como, antes, 60% foram contra o teto dos gastos. Por que então o presidente segue governando, como se não estivesse passando nada?
Temer se sustenta no poder por meio de uma infame aliança entre o empresariado e a classe política: os legisladores aprovam as impopulares reformas em troca de um salvo-conduto oferecido pelo mercado para os políticos enterrarem a Lava Jato.
O plano inicial do governo Temer, desde o começo, era aprovar todas as reformas muito rapidamente, sem debate, deixando a cidadania mais aturdida e desorientada do que contrariada. Foi assim com a PEC do teto dos gastos, aprovada com velocidade supersônica no final do ano passado. Seguindo o mesmo ritmo, até o meio deste ano, todas as reformas teriam sido aprovadas e o mercado estaria “em dívida” com o Congresso, segurando a barra quando medidas altamente impopulares “delimitassem” ou enterrassem a Lava Jato.
Tudo parecia correr muito bem até que a ação concertada das centrais sindicais forçou o debate público da reforma da previdência e o plano foi obstruído, já que uma vez publicizada, a reforma se mostrou intragável. Para azar de Temer, isso coincidiu com uma nova leva de denúncias de corrupção que afetaram o coração do governo, inclusive o próprio presidente.
Em circunstâncias normais, a proximidade das eleições de 2018 pressionaria os parlamentares para uma solução mais virtuosa com a rejeição das reformas e a saída de Temer. Mas nada disso vale nos dias que correm. Os políticos hoje têm mais medo de ir para a cadeia do que de não serem reeleitos, e o medo tem reforçado essa saída única na forma da espúria aliança na qual o fim da Lava Jato é pago com reformas liberais.
Para frustrar o plano das elites e levar a cabo uma saída democrática, seria preciso uma ação vigorosa e coordenada da sociedade civil, que hoje está fraturada, enfraquecida e com suas lideranças comprometidas.
Mesmo tendo construído sua legitimidade inteiramente sobre o tema, as lideranças do movimento anticorrupção suspenderam as mobilizações no governo Temer a despeito da avalanche de denúncias. Ainda que tenham mantido críticas retóricas seguidas, elas não promoveram qualquer ação efetiva, aparentemente porque não queriam comprometer a agenda de reformas que apoiam. A tendência só foi revertida recentemente com a convocação de um ato pelo Vem Pra Rua para o longínquo 27 de agosto —e sem a adesão de outros grupos como o MBL ou o Nas Ruas.
Na esquerda, vemos o mesmo descompasso: uma hipertrofia retórica anti-Temer e uma grande timidez para convocar mobilizações exigindo sua saída. Aqui, a suspeita é que as lideranças de esquerda da sociedade civil avaliam que o melhor para o sucesso eleitoral do PT é deixar Temer fazer o trabalho sujo de enterrar a Lava Jato, enquanto se desgasta cada vez mais até 2018, abrindo caminho para um retorno redentor e triunfante do ex-presidente Lula.
Enquanto estivermos divididos e amarrados a essas lideranças nosso futuro próximo não é nada promissor: impunidade, reformas e mais um ano de governo Temer.