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*Artigo do professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP Pablo Ortellado, originalmente publicado na Folha de São Paulo do dia 2 de maio de 2017.

Durante muito tempo a esquerda esteve isolada, desconectada do que pensavam os brasileiros, e terminou pagando um preço alto. Enquanto uma sólida maioria considerava a corrupção um problema grave, a esquerda desdenhava e dizia que discutir corrupção era moralismo, que a corrupção era inerente a qualquer economia capitalista e que a preocupação com o tema não tinha enraizamento e tinha sido artificialmente insuflada pelos meios de comunicação. Enquanto isso, a corrupção se transformava na principal preocupação dos brasileiros, as investigações da Lava Jato estigmatizavam o PT como o partido da corrupção e protestos anticorrupção massivos legitimavam as manobras parlamentares que impediram a presidente Dilma.

Vemos agora uma curiosa inversão. Acostumados a contar com os ventos da opinião pública, os que defendem as reformas liberais do governo Temer se vêm subitamente navegando contra a corrente. E não parecem ter aprendido nada com a experiência da esquerda.

As evidências gritam por todo lado:71% dos brasileiros são contrários à reforma da Previdência, 64% acreditam que a reforma trabalhista só beneficia os empresários e a aprovação do presidente Temer caiu para baixíssimos 9%, um nível de aprovação equivalente ao dos presidentes impedidos Dilma Rousseff e Fernando Collor.

Apesar disso, representantes do governo e partidários das reformas não tiveram pudor em desqualificar aqueles que traduziam em atos a opinião da grande maioria. O ministro Osmar Serraglio, por exemplo, considerou a greve do dia 28 uma “baderna generalizada”, o prefeito de São Paulo, João Doria, tratou os grevistas como “preguiçosos” e como “vagabundos” que “não querem trabalhar”, e pelas redes sociais militantes de direita inundaram as caixas de comentários com impropérios.

Há uma espécie de atraso cognitivo nesses atores que não entenderam ainda que não jogam mais a favor da opinião pública. Eles são agora como os petistas de meses atrás que agrediam quem expressava a insatisfação geral com a corrupção, chamando a todos de “coxinhas”, de “golpistas” e de defensores de “privilégios”.

Não parece muito sensato antagonizar com tanta agressividade um sentimento enraizado na maioria. Isso deveria ser senso comum em qualquer democracia liberal, mas parece que as regras usuais não valem neste período extraordinário em que vivemos.

O presidente Michel Temer entende que a impopularidade é um ativo do seu governo. Já que seus índices de aprovação são tão baixos, ele pode se dar ao luxo de impor medidas impopulares, pois não tem muito mais a perder. Além disso, ele não se vê preso a uma agenda referendada pelas urnas, já que ascendeu ao poder num processo de impeachment amparado por protestos, o que interpreta como carta branca para virar do avesso o programa que venceu as eleições de 2014.

Não é à toa que os brasileiros estão tão convencidos de que é hora de antecipar as eleições presidenciais e por um fim ao seu governo, como mostra pesquisa do Datafolha. No momento, nenhuma força política parece disposta a mover as peças para fazer isso acontecer, mas a conjuntura tem mudado muito rapidamente nestes tempos.