*Artigo da economista e professora da USP Laura Carvalho, originalmente publicado na Folha de São Paulo do dia 4 de maio de 2017.
Em entrevista ao apresentador Ratinho veiculada pelo SBT na sexta-feira (28), o presidente Michel Temer declarou que, tal como as donas de casa, “os governos precisam passar a ter marido” para evitar a quebra fiscal. “Por exemplo, reitero, o teto de gastos públicos. Você não pode gastar mais do que arrecada. É fazer como se faz na sua casa”, completou.
As diferenças entre as finanças de uma família e do governo federal são muitas.
Primeiro, os gastos públicos geradores de emprego e renda afetam toda a dinâmica do sistema econômico, contribuindo para aumentar a arrecadação de impostos.
Os resultados das políticas de austeridade em diversos países da periferia europeia podem servir de exemplo: ao agravar a recessão e a frustração de receitas do governo, os cortes no Orçamento acabaram ampliando o deficit fiscal inicial.
As condições em que famílias e governo federal financiam uma eventual diferença entre gastos e arrecadação tampouco são as mesmas. A maior parte das famílias brasileiras tem pouco acesso a crédito.
Já o governo federal, apesar dos juros altos para padrões internacionais —mesmo se levados em conta o patamar de nossa dívida e nossa taxa de inflação—, não encontrou nenhuma dificuldade em vender seus títulos públicos no mercado desde o início da crise.
Além disso, ao contrário das famílias, os governos têm a capacidade de elevar seus impostos e aumentar sua própria base de arrecadação.
Se taxar sobretudo aqueles que consomem uma parcela relativamente pequena de sua renda (os mais ricos) e ampliar a renda dos que consomem relativamente mais (os mais pobres), o governo pode dar um estímulo à economia sem desequilibrar o Orçamento.
Soma-se a isso o fato de que, no Brasil, os que estão no topo da distribuição de renda pagam impostos baixíssimos para padrões internacionais e os que estão na base consomem essencialmente tudo aquilo que ganham.
Por fim, assim como a família que tem a opção de endividar-se para comprar uma casa ou educar seus filhos, os investimentos públicos também podem trazer retorno no longo prazo.
Gastos com a melhoria da infraestrutura do país, por exemplo, não apenas geram empregos agora mas também elevam a produtividade e a competitividade das empresas no futuro.
Assim, a comparação do Orçamento da União com o orçamento doméstico para convencer a população de que é necessário cortar gastos e investimentos públicos em meio à crise econômica —um artifício recorrente no discurso de políticos mundo afora— já é ruim. Mas parece não ser ruim o suficiente para Michel Temer, que achou por bem acrescentar à metáfora a sua dose habitual de machismo. E do pior tipo: o elitista.
Os dados de 2015 da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que 40,5% dos domicílios brasileiros são chefiados por mulheres. No Nordeste, esse percentual é ainda mais alto -de 42,9%.
Considerando que as mulheres têm, em média, um rendimento menor —diferença esta que certamente afeta a resposta dada à pergunta da Pnad sobre quem chefia os domicílios com cônjuge—, é seguro dizer que a estúpida metáfora de Temer não deve ajudá-lo a diminuir a alta rejeição ao seu governo revelada na mais recente pesquisa do Datafolha.
Se de maridos não precisamos, de trastes ainda menos.