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*Artigo de Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, originalmente publicado na Folha de São Paulo nesta segunda-feira (13/03).

É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. É analista do Banco Central. Escreve às segundas.

As delações das empreiteiras mostrarão que as campanhas políticas brasileiras das últimas décadas foram financiadas por um cartel de empresas que cobravam preço de duas estradas para construir uma. O cartel pagava as campanhas dos políticos para que eles não interferissem no funcionamento do esquema.

Não faltarão políticos do Partido dos Trabalhadores entre os delatados. No entanto, as novas revelações trazem problemas para a tese de que os grandes esquemas de corrupção eram algo especificamente petista. Os defensores desse argumento vêm tentando encontrar uma forma de encaixar esses novos fatos em suas teorias.

Na última terça (7), Kim Kataguiri tentou salvar a tese da excepcionalidade petista afirmando que o governo direitista de Temer é, sim, mais rigoroso contra a corrupção. O argumento é muito frágil: Temer acaba de escolher como seu líder no Senado Romero Jucá, autor de “Com o STF, com tudo”, grande hit do outono passado. Temer acaba de aparelhar o STF com Alexandre de Moraes. Temer acaba de dar um ministério para Moreira Franco para garantir-lhe o foro privilegiado. Os corruptos de direita estão se provando mais capazes de resistir à Lava Jato do que os de esquerda.

Na sexta (10), Reinaldo Azevedo lamentou que as novas delações reforcem a visão de que “todo mundo é ladrão”. É uma preocupação legítima, mas os fatos são os fatos: o cartel financiava todos os grandes partidos. Nos próximos meses discutiremos quem, entre os políticos, se envolveu até que ponto.

Azevedo também tem uma segunda linha de ataque: o PT mais perigoso é justamente o que não rouba. Nesse caso, o problema do PT seria seu bolivarianismo, não sua corrupção. É uma tese que deve ganhar popularidade de agora em diante, quando a corrupção de direita for exposta em toda sua glória e o discurso conservador precisar de um novo marcador de diferença.

A carta “bolivarianismo” não vale muitos pontos como descrição dos governos Lula e Dilma. Mas pode parecer mais plausível diante do nível delirante das discussões atuais dentro do Partido dos Trabalhadores.

No sábado, Demétrio Magnoli retomou sua discussão sobre o “Estado-Odebrecht”, afirmando que a excepcionalidade petista estaria na utilização da corrupção como estratégia para se consolidar no poder.

É difícil saber se (a) a corrupção foi maior ou menor antes dos governos do PT, e/ou se (b) o PT recorreu à corrupção com mais frequência para construir maiorias parlamentares. Minha suspeita é que a resposta à primeira pergunta seja “não”, e as delações devem oferecer evidências nesse sentido.

Mas é perfeitamente possível que a resposta à segunda pergunta seja “sim”, porque a diferença ideológica entre os governos petistas e os congressistas era bem maior do que em outras administrações.

É difícil dizer que a corrupção petista tenha marcado uma nova era na administração de coalizões no Brasil. Tudo indica que era o mesmo modelo funcionando em equilíbrios de poder diferentes. Prova número 1: governo Temer. Prova número 2: esperem as delações.

Mas enquanto a polícia e a Justiça fazem seu trabalho, talvez fosse melhor discutirmos o que havia de errado com as regras do jogo para que todos aceitassem dinheiro do cartel, mesmo com o risco de serem pegos. Não, não são gente pior do que nós.