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*Artigo de Roberto Robaina, dirigente nacional do PSOL, presidente do partido em Porto Alegre e candidato a vereador da cidade.

O governo municipal de Porto Alegre, dirigido pelo PMDB e pelo PDT, revelou mais uma vez sua natureza antipopular e antidemocrática. Quando a cidade se preparava para o Natal, em dezembro, o governo enviou para a Câmara dos Vereadores da capital um projeto de Lei que tem tudo para ser um grande negócio para banqueiros, empreiteiras e especuladores em geral – e para a especulação imobiliária em particular. A maioria da base governista garantiu a aprovação do projeto praticamente sem discussão. E de lá para cá o assunto tem sido pouco ou quase nada debatido. É um mérito do Jornal do Comércio ter iniciado nesta segunda-feira, dia 25 de janeiro, uma série de reportagens sobre o tema, que vai até esta sexta-feira, dia 29. O JC não se coloca na obrigação de desmascarar o projeto, mas traz à luz um debate que o governo gostaria de deixar nas sombras, oculto no apagar das luzes de 2015.

A INVESTE-POA – empresa de Gestão de Ativos do Munícipio de Porto Alegre S|A – proposta pelo governo, formalmente autorizada a existir com a aprovação da Câmara dos Vereadores, tem como objetivo declarado “administrar e explorar economicamente ativos, bens, direitos municipais a ela transferidos e ou adquiridos; emitir títulos e negociá-los no mercado; realizar operações de captação de recursos no mercado de capitais ou no mercado financeiro” (artigo 2 do Projeto de Lei). Se, como dizem, o diabo mora nos detalhes, o “S|A” é um detalhe e tanto. Trocando em miúdos: a empresa é pública, porem não tanto. Trata-se de uma sociedade anônima cujo capital social inicial advém dos cofres públicos, mas seu poder e sua propriedade é também – diria que, na prática, principalmente – dos poderosos acionistas privados. É uma empresa de natureza mista que irá controlar recursos públicos e utilizar estes recursos para endividar a prefeitura no mercado financeiro junto aos especuladores, banqueiros, empreiteiros, enfim, agiotas de todo o tipo.

Os que farão negócios com esta empresa terão como garantia para seus supostos empréstimos não apenas a dívida ativa da cidade, que são os impostos que o município tem a receber, mas também as ações da prefeitura em companhias em que Porto Alegre seja sócia direta ou indiretamente (caso da Procempa e do DMAE), além de Certificados de Potencial de Construção, terras e áreas públicas, bem como imóveis de propriedade do poder público. Estas garantias – e algumas outras – estão todas explicitadas no artigo 4, inciso 2. É um entreguismo sem controle. E sem limites.

Anunciado como um projeto que visa garantir recursos públicos para cumprir as obrigações constitucionais da prefeitura com o atendimento dos interesses e demandas da população, a lei aprovada expõe os recursos da prefeitura em operações inseguras, as chamadas “tenebrosas transações” da especulação financeira, que ameaçam nosso patrimônio. E ainda, ao invés de garantir as demandas constitucionais, pode, na verdade, servir de manobra para que o governo fuja de seus compromissos com a destinação das verbas vinculadas à saúde e à educação, aumentando o capital social de uma empresa que pouco tem de pública e menos ainda de controle social.

O capital social inicial doado pelo governo municipal será de 1 milhão de reais. O aumento do capital social será decidido pela administração da sociedade anônima. A administração será escolhida pelos acionistas. Por lei, o poder púbico tem que ter a maioria das ações com poder de decisão, mas os fundos da especulação, capazes das mais diversas manobras financeiras e das mais graves fraudes e crises, estarão aí, prontos para corromper e para fazer com que o anonimato da sociedade lhes garanta cada vez mais ganhos. E quem confia neste governo para lhe dar um cheque em branco? São os administradores que definem quando o capital social da nova empresa, cujos ativos têm a capacidade de alienar tanto patrimônio público, irá aumentar. Isto é, quantas debêntures adicionais serão emitidas. Ou seja, o poder público alavanca uma empresa mista com recursos públicos, que logo ganhará vida própria e obrigará o poder público a integralizar mais recursos para cobrir o aumento de capitais exigido pelas agências de controle. Será o rabo abanando o cachorro.

As reportagens do Jornal do Comércio são particularmente felizes porque elas resgatam a experiência inspiradora do governo do PMDB e do PDT. “Em 1995, o Estado do Rio Grande do Sul criou a Caixa de Administração da Dívida Pública Estadual S|A – CADIP, empresa pública que vem contribuindo significativamente para a captação de recursos importantes ao Tesouro do Estado. A INVESTE-POA seguirá esta experiência bem sucedida…” disse o prefeito em sua mensagem à Câmara. Não é à toa que essa experiência vem da gestão neoliberal de Antônio Brito.

O CADIP (Caixa de Administração da Dívida Pública Estadual S|A (sociedade anônima) foi fundado em 1995. O papel é o mesmo da empresa que querem colocar em marcha na cidade: operação no mercado de capitais. O Cadip fez ao todo, em sua história, 11 emissões de debêntures, na qual captou mais de R$ 1,22 bilhões, dinheiro que já foi usado para antecipar o ingresso de recursos do Tesouro Estadual e para alongar o pagamento de débitos com fornecedores. Ou seja, são R$ 1,22 bilhões utilizados sem o rigoroso controle público.

Em meados de Janeiro de 1996, menos de um mês depois de sua fundação, ingressaram na empresa 150 milhões de reais. Foi um cheque do BNDES. A CADIP foi constituída em 26 de dezembro de 1995, inicialmente para dar apoio ao programa de privatizações. A estatal recorreu às operações de mercado para antecipar as receitas das privatizações, primeiro da CRT e logo de parte da CEEE. Foram suas primeiras debêntures. Sua sorte estava lançada na entrega de patrimônio. Passado o período das privatizações, a CADIP manteve sua atuação junto ao mercado, por meio ainda da emissão de debêntures, mas desta vez para efetuar pagamento aos credores do estado. Os credores, na época, eram os empreiteiros que realizavam obras para o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). A estatal lançou debêntures para pagar os empreiteiros. Assim, os empreiteiros tinham em suas mãos créditos que podiam ser repassado para terceiros, como investidores institucionais, seguradoras, fundos de pensão (não é à toa que tantos governos defendam ou aceitam juros tão altos, e que o PT, com seu peso no comando dos fundos de pensão há mais de uma década, não tenha se rebelado contra isso). E o Cadip nunca atrasou o pagamento.

Segundo seus fundadores, a ideia da Cadip começa quando percebem que existe um ativo, a dívida ativa na forma de tributos a receber, valores parcelados do ICMS, que podem ser antecipados em operações de um mercado ávido por negócios. Como a operação necessita de avaliação de riscos (rating), a Cadip precisou buscar uma agencia de classificação de risco. Trabalhou com a Moody’s, sediada em Nova Iorque.

Também nos últimos dias de 2015, também sem discussão, a AL aprovou o aumento de capital da Cadip proposto pelo Executivo. Com um capital social de pouco mais de 10 milhões de reais e patrimônio de 23 milhões de reais, a estatal receberá mais de 230 milhões de reais transferidos do governo Sartori. Os recursos são decorrentes de “passivo potencial de exercício anterior” – Programa de Apoio ao Investimento (Proinveste-Bndes)”, segundo o projeto.

O Executivo justifica que a medida visa atender regras do mercado, informa o JC. As companhias emissoras, especialmente as de capital aberto, precisam ter um capital social compatível com o volume de operações realizadas. “Como a Cadip desempenha um papel restrito à captação de recursos para serem repassados aos cofres públicos, a reportagem do JC insistiu para que a Secretaria da Fazenda, a qual o Cadip é vinculada, concedesse mais detalhes sobre a origem do crédito e a perspectiva de emissão de títulos. Os questionamentos, no entanto, não foram respondidos” (JC – 26.01.16). Ou seja, a sociedade anônima manteve anônimo os que estão fazendo negócio com os títulos lançados tendo como garantia os tributos pagos pelo nosso povo.

Além de beneficiar o capital financeiro, o Estado se desobriga a destinar recursos para saúde e educação com a transferência de recursos para a empresa de sociedade anônima. Esta é uma forma de aumentar seus gastos discricionários, isto é, que podem ser controlados pelo Executivo, sem passar para as áreas sociais nem para a folha de pagamento.

Podem fazer nova emissão este semestre. É isso o que estão estudando, embora não informem detalhes sequer das que já fizeram, segundo o próprio jornal. O BNDES informou que o último contrato do Proinveste para o governo gaúcho foi firmado em dezembro de 2012, no valor de RS 785 milhões. Era ainda no governo do PT.

Vale uma auditoria em tudo isso, para ver quem tem se beneficiando, quais fundos, quais bancos e empreiteiros. E no caso da prefeitura ainda há tempo para barrar esta caixa preta que se apropriará de riquezas da cidade, que servirão de garantias para capitalistas que manterão seus nomes em sigilo.