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| Blog da Luciana

A luta contra o aumento das passagens de ônibus pautou o fim de semana. Nos jornais, blogs, televisão e nas rodas de conversa o tema é obrigatório. A maioria dos analistas e principalmente dos políticos está um tanto perplexa, pois só enxerga a realidade através das pesquisas do IBOBE e achava que a estabilidade política do Brasil era um fato definitivo. Nunca poderia imaginar que os ventos da primavera árabe, dos indignados espanhóis ou dos que ocuparam Wall Street em 2011 poderiam soprar por aqui também.

Pois sopram. E nós sabíamos que iam soprar, mais cedo ou mais tarde, pois uma nova etapa está aberta. A tese do MES (Movimento Esquerda Socialista, tendência interna do PSOL) publicada em maio passado já dizia no título: “Aumenta o espaço para a construção de uma alternativa socialista e de lutas”.

O aumento das tarifas de ônibus, generalizado pelo Brasil, foi o estopim para que viesse à tona uma revolta muito mais profunda, que é mais aguda na juventude, mas que ultrapassa gerações. Não é por acaso que o problema do transporte foi o gatilho. Os R$ 0,20 de aumento parecem pouco, mas o custo do transporte pesa no bolso de quem ganha mal e os preços estão subindo de forma generalizada e mensalmente, enquanto os salários, não. Além do preço, o caos na mobilidade urbana é um problema gravíssimo. As pessoas que moram nas periferias das grandes cidades levam de uma a duas horas para chegar no local de trabalho ou estudo. Os ônibus são caros, demorados e lotados. Andar de ônibus ou metrô das 17h às 20h é um desafio. Digo por experiência própria, pois ando bastante de metrô em São Paulo e neste horário me sinto como uma sardinha enlatada.

Mesmo os políticos tradicionais, principalmente os da velha esquerda, já estão percebendo que o processo é mais profundo do que os R$ 0,20. Mas, afinal, o que os manifestantes querem?, perguntam. Eles também reclamam que não há lideranças para negociar, mas quando surgem líderes, os acusam de partidarismo. Outros ainda não entenderam nada, como a (des)inteligência da PM paulista, que chegou ao cúmulo de acusar o PSOL de “recrutar” punks para fazer quebra-quebra. Chega a ser hilário de tão ridículo. Alckmin está brincando com fogo, provocando a ira popular com sua repressão fascista e gratuita. Haddad já se queimou ao apoiar a repressão e o Ministro da (In) Justiça chegou a oferecer a PF para o governador. PT e PSDB juntos pelo status quo. Coisa linda!!

Pois refletindo sobre o que move estes jovens para as ruas revisitei um livro do Professor Alysson Mascaro, que havia lido há poucos meses, sobre a utopia concreta de Ernst Bloch. O livro é ótimo (Utopia e Direito: Ernst Bloch e a Ontologia Jurídica da Utopia, Ed. Quartier Latin) e Bloch tem apreciações muito úteis para compreender a importância do momento histórico que estamos vivendo.

Bloch chama de utopia concreta o almejar uma sociedade que ainda não existe, mas que é uma possibilidade real. Não é a utopia da fantasia, do “não-lugar”, mas uma busca das possibilidades efetivas que estão latentes e ainda não realizadas. Não é uma mera idealização, pois é vinculada a uma práxis que se orienta para o futuro.

Os jovens têm fome. Como na música, fome não só de comida. Bloch também fala da fome no sentido simbólico, uma fome que provoca a busca, que começa como um desejo vago, mas que pode chegar a um nível muito mais profundo, a uma necessidade de mudança.

São sonhos? Sim, mas Bloch os diferencia daqueles sonhos noturnos, sonhos que refletem o passado, que são o inconsciente reprimido. São os sonhos diurnos, conscientes, e que tentam transcender a realidade, o dado, o medíocre, a opressão, a discriminação, a desigualdade, ou seja, o capitalismo. Para Bloch estes sonhos diurnos podem ainda não ter o potencial de se concretizar efetivamente, mas são fundamentais porque impulsionam uma vontade coletiva que constrói um futuro mais promissor. São sonhos que antecipam e, portanto, são mais do que sonhos, são consciências antecipadoras que projetam o futuro. Bloch define que a esperança é a racionalidade antecipadora. A esperança, que num primeiro nível é apenas um sentimento positivo, pode ir além, reconhecendo na realidade do presente suas potencialidades. Assim, mesmo as esperanças que ainda não estão maduras para se concretizar são importantes pois geram e alimentam a luta pela transformação.

Mas o que é o possível? O pensamento de Bloch está baseado neste conceito de possibilidade. O que há hoje não é o todo. O “ainda –não – ser” é a possibilidade do ser. Então, o “ainda –não – é” é a possibilidade do “vir- a –ser”.

Não, Bloch não prega um otimismo irreal que ignora a vida como ela é, nem um otimismo voluntarista que acredita que a pura vontade do sujeito transforma a realidade. Bloch chama este possível de “possível dialético”, pois ele parte da compreensão do presente para antecipar o futuro a partir da maturação das condições da realidade e da ação do sujeito.

Bloch chama de “utopia concreta” esta que chega ao nível do possível dialético, “dando conta de uma compreensão dos movimentos de contradição da realidade e da ação revolucionária, escapando da utopia fácil e abstrata do idealismo e negando também o possível apenas como possível formal” (Alysson Mascaro).

Os movimentos que eclodiram no mundo desde 2011, cujos ecos ouvimos agora no Brasil, são os movimentos da utopia concreta. Ainda não afirmam um novo horizonte, pois o socialismo não é uma referência para a maioria porque nunca existiu em lugar algum. Mas é a negação determinada que pode, num processo dialético, construir o novo. Não é necessário um conteúdo positivo pronto para se poder negar o dado. Mas os protestos estão apenas começando e, como escreveu Slavoj Zizek sobre os protestos de Wall Street, “e é assim que o início deve ser, com um gesto formal de rejeição, mais importante do que um conteúdo positivo –somente um gesto assim abre espaço para um conteúdo novo.”

Por fim, nas belas palavras do professor Mascaro, para que a utopia seja força progressista é preciso transformar as aspirações em militância, a esperança em decisão política. O sonho, a imaginação e o desejo, são alavancas da atividade humana social e, portanto, inscrevem-se no grande projeto geral de transformação proposto pela filosofia marxista. Neste sentido, revolver a esperança no futuro melhor é valer-se de armas revolucionárias poderosas.

Por isso volto agora ao título das teses do MES: “Aumenta o espaço para a construção de uma alternativa socialista e de lutas”. A força que está ganhando o JUNTOS, movimento juvenil apoiado pelo MES/PSOL, é a demonstração disto. Para que o PSOL como um todo possa ser um interlocutor dos setores mais avançados deste movimento, deve mirar-se no exemplo da esquerda radical grega, Syriza, que conseguiu canalizar e traduzir politicamente a indignação que tomou conta das praças. E isto não significa instrumentalizar estes movimentos com objetivos eleitorais. Uma atitude dessas seria criminosa e suicida, pois o significado novo e mais positivo destes movimentos é justamente a rebelião contra as formas tradicionais de fazer política. O desafio é justamente o oposto. É começar construir junto com o movimento uma plataforma política, uma nova política, um novo poder: o poder dos de baixo. A ação direta, a mobilização, é uma grande escola tanto para os jovens sem partido que estão nas ruas como para nós do PSOL que estamos com eles, aprendendo a construir a utopia concreta.