Programa » Esporte e Atividade Física

A derrota histórica da seleção brasileira de futebol na final da Copa do Mundo deste ano foi reveladora não só dos grandes problemas que nosso futebol enfrenta. Ela explicitou o quanto as estruturas do esporte nacional estão corroídas pela total falta de capacidade de planejamento, intervenção e atuação do poder público e da sociedade. As verdadeiras ditaduras instaladas na CBF e no COB – só para citar os exemplos mais chamativos – contaram com a conivência e parceria do poder público, como temos visto na vergonhosa ação do Ministério dos Esportes nos últimos governos. Incrivelmente, apesar de todo apelo social e do momento político propício para mudanças por conta da ação de movimentos inéditos e extremamente progressivos como o Bom Senso FC, os candidatos do sistema sequer têm propostas de revisão do atual estado de coisas.

De nossa parte, procuramos apresentar aqui uma síntese inicial a partir das pautas de reivindicações desses movimentos, de contribuições de especialistas da área e também utilizando uma preciosa proposta elaborada por atletas como contribuição ao plano de governo de Lula em 2002, mas abandonada pelo presidente, que preferiu estar ao lado das máfias encasteladas na direção da CBF e do COB e de seus negócios associados aos megaeventos.

Partimos da premissa de que o esporte é um importante fator de desenvolvimento humano, determinante para políticas de educação e também de saúde. Apesar disso, e de que comprovadamente a inatividade física representa um grande prejuízo para os cofres públicos, atualmente o acesso ao esporte e à atividade física acontece de forma fragmentada, sem apoio em um sistema organizado nacionalmente, sem objetivos claros e sem capacidade de avaliação de resultados. A prática esportiva acaba sendo sempre secundarizada, como uma atividade sem importância e dispensável.

Uma população que pratica esportes é uma população mais saudável, mais integrada, mais preparada para enfrentar os problemas cotidianos. A atividade física representa, para os indivíduos em formação, uma verdadeira escola prática na composição da personalidade em que são aprendidos valores sobre cooperação, competição, desenvolvimento de capacidades cognitivas de elaborar táticas e estratégias, a relação do homem com a natureza de forma sadia, superação de limites, organização coletiva, disciplina e respeito com o próximo.

Prioridades:

a) Democratizar o acesso ao Esporte e à Atividade Física;
b) Construir o Sistema Público Nacional do Esporte e da Atividade Física que seja definidor da plena hierarquia das competências dos entes federativos, bem como da relação de atribuições entre educação, saúde e esporte. Tendo como objetivo prioritário a universalização das práticas esportivas como direito humano fundamental à toda população, esse Sistema Público tem também a função de regular e normatizar as organizações esportivas, sejam elas estatais, públicas, comunitárias, de interesse público ou privadas, estando elas vinculadas ou não aos esportes de alto rendimento;
c) Construir um país saudável, que invista no esporte como fator de prevenção de doenças, socialização e educação, tripé que reduz a violência e estimula a cidadania;
d) Estruturar uma legislação que moralize o esporte de alto rendimento e lhe dê os instrumentos para caminhar em consonância com os interesses prioritários do país. A transparência, a democratização dos regimes internos de organizações esportivas e o fim da impunidade no esporte brasileiro certamente trarão grande avanço no nível de consciência popular sobre as mudanças de que o Brasil necessita.

Propostas de eixos de ação referentes ao Esporte e à Atividade Física:

1. Sistema Nacional Público do Esporte e Atividade Física

A partir da adoção do Diagnóstico do Esporte como política permanente, organizaremos um Sistema Nacional Público do Esporte e Atividade Física que defina objetivamente as atribuições, direitos e deveres de entes federativos e organizações sociais, estabelecendo conceitos, definindo prioridades na aplicação dos recursos disponíveis e integrando o esporte com outras políticas públicas.

O Estado deverá partir da definição de que o esporte e a atividade física são políticas vinculadas à educação e à saúde públicas, priorizando a universalização do acesso à prática esportiva para todos os brasileiros. Para tanto, é fundamental assegurar espaços de participação das comunidades e de suas diversas associações esportivas por meio do desenvolvimento de comitês esportivos comunitários com assistência técnica e financeira do poder público. Paralelamente, deverá estruturar também políticas para o esporte de alto nível com avaliação permanente e regulamentação das entidades esportivas dos setores público e privado, de acordo com legislação própria.

Espera-se com isso expandir e fortalecer o esporte nacional em todas as suas dimensões: de planejamento e gestão, técnica, científica, acadêmica; de ampliação e melhora da infraestrutura; de modernização do equipamento existente; de uso de inovação tecnológica e medicina aplicada aos esportes; e da criação de uma nova cultura de organização e gestão dos recursos vinculados ao fomento das atividades esportivas.

2. Reforma Política e Estatuto do Esporte e da Atividade Física

O gargalo do desenvolvimento da prática esportiva no Brasil – em especial a de alto rendimento – é sem dúvida a estrutura de poder arcaica, antidemocrática e corrupta que se cristalizou nas entidades esportivas. Concomitantemente, sob um aparato legal débil que naturaliza as fraudes e descumprimentos de obrigações fiscais e trabalhistas, os clubes, as federações, as confederações e organizações de direito privado adotam uma prática extremamente lesiva ao desenvolvimento de uma verdadeira política pública de esportes.

Recentemente, a ação de movimentos proponentes da democratização dos esportes conseguiu a aprovação da lei 12.868/2013 que estabelece regras de gestão para as entidades que recebem recursos públicos ou gozam de isenção fiscal. Embora essa lei seja uma importante conquista há ainda muito a ser feito nesse sentido. Por exemplo, um dos pontos fundamentais dessas regras ainda não foi regulamentado, justamente aquele que obriga essas organizações a assegurar a participação dos atletas nas eleições dos dirigentes das entidades que administram o esporte.

Entendemos que a consolidação de um Sistema Nacional Público do Esporte e da Atividade Física passa também pela consolidação de um Estatuto do Esporte e da Atividade Física que, a partir das necessidades e prioridades discutidas e decididas pela sociedade, haja uma regulamentação das obrigações democráticas, das normas de transparência e desempenho das entidades esportivas. É fundamental uma verdadeira reforma política que estabeleça participação ampla da comunidade esportiva no planejamento, na gestão e na eleição dos dirigentes; limite seus mandatos e proíba as reeleições infinitas; estabeleça um sistema de referendos e mandatos revogáveis; preserve os direitos trabalhistas dos atletas; defina punições claras e severas para quem desrespeitar as regras; respeite os torcedores; etc. Nesse sentido, compreendemos que as autonomias asseguradas pela Constituição às entidades não impedem a imposição neste estatuto de regras rígidas que coíbam abusos e punam violações.

3. Plano Nacional de Democratização do acesso ao Esporte e à Atividade Física

Garantir a democratização e a universalização do acesso ao esporte e à atividade física terá como ponto central a mobilização social para a participação e a utilização plena de todos os instrumentos políticos e equipamentos disponíveis. Para tanto, o ponto de partida é a construção de um plano nacional que garanta ampla participação, discussão, definição da sociedade civil desde a elaboração das ações voltadas às metas, como também em sua fase de execução e avaliação.

O acesso democrático ao esporte deverá respeitar o modelo do Sistema Público Nacional do Esporte e da Atividade Física para todo o País, considerando as especificidades e as diversidades regionais. O ponto fundamental é que os programas deverão valorizar o profissional de educação física e esporte como figura central e obrigatória.

Em todas as escolas haverá esporte e atividade física para crianças e para os pais e professores (nos fins de semana e horários ociosos dos dias úteis) de forma organizada e permanente. Como eventos estimuladores e referenciais, teremos os jogos colegiais nos seus mais diferentes níveis e o esporte comunitário. Por outro lado, é tarefa deste plano criar as condições para o acesso permanente dos idosos à prática esportiva, assim como dos portadores de deficiência física, com a utilização de todos os espaços públicos possíveis e também com a obrigação de cessão de espaços ociosos particulares.

4. Lei de Responsabilidade Social do Esporte

Diversos estudos recentes têm comprovado que os investimentos no esporte social têm capacidade de geração de emprego, formação educacional e prevenção de doenças muitas vezes maior do que no esporte de alto rendimento. Ainda assim, as políticas públicas esportivas giram em torno deste último, em função das pressões do enorme mercado e dos vultosos negócios que aí se estabelecem. Disso decorrem também práticas viciadas de gestão e concessões públicas, incentivos e renúncia fiscal, impunidade e ausência de fiscalização.

A proposta de Lei de Responsabilidade Social do Esporte visa à construção de instrumentos de fiscalização e garantia de compensações do esporte de alto rendimento ao esporte social, prioridade do nosso governo. Desse modo, pretendemos fazer com que empresas públicas e privadas e universidades, estimuladas pelas potencialidades resultantes de um arcabouço político e fiscal favoráveis, participem diretamente do desenvolvimento do esporte como atividade econômica pública e meio de formação de base de atletas como cidadãos.

5. Fundo Nacional para o Desenvolvimento do Esporte, a Atividade Física e a Educação Física

O financiamento esportivo deve ter em vista o atendimento do artigo 217 da Constituição Federal que diz que o esporte é dever do Estado e direito de cada um. Por isso defendemos, em primeiro lugar, uma criteriosa redistribuição do orçamento federal entre os ministérios que possibilite ter especial atenção ao investimento preferencial no esporte educacional. Ao mesmo tempo, a política esportiva deve estabelecer um Fundo Nacional constituído pelas contribuições realizadas pelas empresas e organizações públicas ou privadas. Este fundo será utilizado para o financiamento de planos, projetos e programas de desenvolvimento e fomento à atividade física e ao esporte, o atendimento integral e a segurança social dos atletas.

6. Articulação Interministerial do Esporte

Nos dias de hoje a área esportiva é relegada ao segundo plano das políticas públicas, tendo que estar submetida a elaborações isoladas das outras áreas, com baixo financiamento e pequena capacidade de executar mudanças efetivas. Ao contrário, acreditamos que essa área deve estimular uma visão mais integrada, que envolva ao menos a articulação de programas e projetos voltados a atribuições que hoje são dos ministérios do Planejamento, Educação, Saúde e Cidades. Por isso, também entendemos que a locução “Atividade Física” deve ser adicionada à do Ministério dos Esportes.

7. Centros Esportivos de Excelência nas Universidades Públicas e fomento ao desenvolvimento da ciência esportiva em espectro nacional

Uma visão integradora dos esportes pressupõe que sejam pensadas cientificamente e de maneira articulada as diversas áreas do conhecimento como Nutrição, Fisioterapia, Fisiologia, Educação Física, Ciências Sociais, História, Geografia, etc. Nesse sentido é preciso construir em cada região do país centros esportivos de excelência que se proponham a pensar a democratização do acesso ao esporte e à atividades físicas ao mesmo tempo em que sejam espaços onde será possível trabalhar com os futuros atletas das seleções brasileiras nas diversas modalidades, permitindo que o alto rendimento também tenha como contrapartida o desenvolvimento da ciência esportiva do Brasil.

Pensar uma distribuição regional desta política de maneira que não reforce as desigualdades em nosso país deve ser um princípio, garantindo que desde a formação inicial de professores nas Universidades Públicas até a qualificação dos profissionais a partir de cursos de pós-graduação strictu e latu senso seja pensada nacionalmente. Com isso visamos o combate à atual concentração dos cursos de pós graduação em educação física do país nos estados do sul e do sudeste enquanto há apenas três programas no nordeste e nenhum na região norte.

8. Fomento ao esporte comunitário a partir do estímulo à criação de secretarias estaduais e municipais exclusivas para o trato do esporte e compostas por técnicos concursados

Os municípios brasileiros raramente dão a atenção devida à institucionalização do planejamento esportivo. Por isso, via governo federal, é preciso um estímulo concreto para a criação de secretarias estaduais e municipais de esportes e atividade física. O Ministério terá o dever de garantir reserva orçamentária para o repasse de recursos diretos aos entes federativos que possuírem tais secretarias, de maneira a viabilizar o desenvolvimento de projetos na área do esporte e garantir seu acompanhamento e integração ao Sistema Público Nacional.

9. Fomento ao esporte feminino

Historicamente, há uma grande disparidade entre o incentivo ao esporte feminino e masculino. Caberia ao Ministério do Esporte e Atividade Física financiar a criação e manutenção de ligas de esporte e de bolsas específicas para atletas do sexo feminino como política permanente de fomento, assim como a criação de um programa específico para a manutenção de seleções femininas em modalidades coletivas e individuais.

10. Caravanas “esporte bairro adentro”

Resgataremos o projeto “Caravanas do Esporte” com o intuito de massificar a prática esportiva, a educação física e recreação nas regiões mais carentes do país, onde não chegam ações sociais e não há sequer equipamentos públicos nos bairros e favelas.

As caravanas acontecerão o ano todo e em três fases. Em um primeiro momento as caravanas se instalam estimulando atividades esportivas e outras das mais diversas como dança, ginástica, skate, natação, atividades lúdicas para crianças, preparação física na gravidez, capoeira, etc. De preferência contarão com atletas de renome nacional e regional para ajudar na convocação. Em um segundo momento vamos elaborar um plano de ação para a generalização da prática esportiva e das atividades físicas na região. Em um terceiro momento haverá a implantação de ações concretas de financiamento e execução de programas permanentes por parte dos entes federativos.

Agradecimentos

Atletas pelo Brasil
Bom Senso FC
Juca Kfouri