Por proposição da deputada Luciana Genro (PSOL), a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa realizou nesta sexta-feira (2/12) audiência pública sobre o fechamento de Programas de Pós-Graduação (PPGs) da Unisinos e da PUCRS. São 12 programas que serão extintos na Unisinos, além do Mestrado e Doutorado em Serviço Social que estão sendo encerrados na PUCRS. Um dos encaminhamentos do encontro foi a organização de um grupo com todos os PPGs para levar o tema à equipe de transição do governo federal, provocando esta discussão junto ao futuro governo Lula na busca por alternativas contra o fechamento dos cursos. A mediação deste diálogo será feita pela deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL), que também participou da audiência pública.
Luciana Genro vem acompanhando o tema desde julho, quando foi procurada por estudantes da Unisinos que relataram a situação, tendo inclusive comparecido a uma manifestação na universidade, e passou a se engajar também ao lado dos acadêmicos do Serviço Social da PUCRS ao ser contatada por eles. “Sabemos o quanto a pós-graduação é importante dentro de uma universidade e o quanto contribui também para que tenhamos uma graduação de melhor nível, tanto para estudantes quanto para professores”, colocou a parlamentar.
O contexto político e financeiro em que o país se encontra permeia a crise enfrentada pelas universidades, conforme apontou Luciana Genro. “Sabemos dos problemas que vêm sendo enfrentados pelas universidades que não são 100% financiadas pelo poder público e que também vêm sofrendo com o desmonte da assistência estudantil, como o ProUni, promovido pelo governo Bolsonaro”, refletiu.
Este ponto também foi trazido pela deputada federal Fernanda Melchionna, que participou de forma virtual. “É evidente que vivemos uma situação de desmonte da ciência e tecnologia com o governo Bolsonaro. Infelizmente, assim vai se perdendo potencial de formação de novos quadros e de desenvolvimento estratégico. Enfrentar a crise pressupõe garantir investimentos na educação e a continuidade de formação de profissionais”, afirmou, colocando seu mandato à disposição da luta da comunidade acadêmica.
Reitorias argumentam falta de alunos e recursos
Esse contexto de corte de investimentos foi citado pelos representantes das reitorias de ambas as universidades. Carlos Eduardo Lobo Silva, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da PUCRS, explicou que a instituição teve uma redução significativa de bolsas, cujos valores estão congelados há muitos anos, e que novos critérios de repasses ainda retiraram bolsas da PUCRS.
“Ainda houve cortes significativos de recursos para ciência e tecnologia. Isso vai enfraquecendo a ciência e pesquisa”, apontou. Segundo o pró-reitor, de 2014 a 2021 houve uma redução de 50% dos alunos de graduação na universidade, e no curso de Serviço Social, a queda foi de 60%. Nas universidades comunitárias, a redução de alunos no curso foi de 1575 matriculados para 314 neste mesmo período. “Esse é o número de matriculados na graduação em serviço social. Não formar turma de Serviço Social não é uma decisão nossa. Não nos parece que as soluções sejam triviais e de curto prazo”, justificou.
“Choramos por cada um desses doze cursos”, garantiu Maura Corcini Lopes, diretora da Unidade de Pesquisa e Pós-Graduação da Unisinos. “É uma medida que sabíamos do impacto, da repercussão, mas se não tivéssemos a coragem de colocar publicamente, também não daríamos luz para um problema que as universidades comunitárias no estado estão sofrendo”, disse. Ela afirmou que toda a comunidade acadêmica é muito competente, mas a universidade não conseguiu mais manter os programas porque não tem a base que antes garantia parte da sustentabilidade da instituição.
Comunidades acadêmicas criticam falta de diálogo
Representando a Associação dos Docentes da Unisinos, o professor Rafael Campos apontou a unilateralidade da decisão tomada por parte da Reitoria. “Faltou transparência, foi um processo obscuro, a gente não teve conhecimento dos critérios de fechamento dos PPGs. Havia alguns que estavam recebendo alunos e recursos inclusive”, relatou.
Este ponto também foi levantado por Bianca Rosa, da Associação de Discentes da Unisinos, que destacou que alguns dos programas encerrados inclusive receberam nota 7 na avaliação da Capes, a mais alta possível de ser atribuída, que representa excelência. É o caso da Pós-Graduação em Comunicação, da qual ela é discente. “É desolador saber que somos tratados como números quando sabemos que a pós-graduação impacta a sociedade como um todo”, afirmou a pós-graduanda, que também descreveu falta de diálogo com a Reitoria.
Na PUCRS, a situação do curso de Serviço Social é semelhante. O PPG também recebeu nota 7 na última avaliação da Capes, sendo o único do Sul do Brasil a chegar a este nível. “Somos o único programa em Serviço Social com doutorado no RS, inserido junto ao terceiro curso de Serviço Social do Brasil. Quem não se formou na PUCRS, foi formado por quem se formou nela”, colocou a estudante Laís Duarte Correia.
O presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos, Vinícius Soares, participou virtualmente da reunião destacando a importância social, para a ciência, pesquisa e para a sociedade, das pós-graduações. “Não podemos justificar fechamento de pós-graduação devido à graduação, porque a pós-graduação cumpre uma função social. Gostaria de encaminhar um pedido de abertura dos dados dos programas que foram fechados, pra que a gente possa saber a dimensão do problema. E precisamos da garantia de que estudantes poderão terminar suas pesquisas”, apontou.
“Estamos na linha de frente durante a pandemia”
Os Diretórios Centrais de Estudantes (DCEs) das duas universidades também se fizeram presentes, assim como representantes de universitários dos cursos de graduação ligados aos PPGs extintos. “O DCE reforça a necessidade de participação do poder público na resolução da questão dos programas de pós-graduação da Unisinos. Lutamos pela ciência e pela pesquisa”, disse Eduarda de Moraes, que leu uma carta elaborada pelo DCE da Unisinos.
A representante do DCE da PUCRS, Anne Moraes, questionou: “sabemos que caiu bastante a procura, mas também não entendemos porque a PUCRS não ofertou Serviço Social nos últimos três vestibulares de verão. Não há como ter busca no PPG se não há na graduação”.
Atualmente, são 36 cursos de Pós-Graduação em Serviço Social no Brasil, conforme descreveu Michael da Costa Lampert, da Associação Brasileira de Ensino em Pesquisa em Serviço Social, que questionou por que a PUCRS não buscou parcerias filantrópicas para seguir com o curso funcionando. O papel dos trabalhadores de Serviço Social durante a pandemia do coronavírus foi destacado por Elisa Scherer Benedetto, presidenta do Conselho Regional de Serviço Social.
“Fomos completamente demandados durante essa pandemia, perdemos muitos colegas, outros ainda estão adoecidos. Estamos na linha de frente, assim como tantas outras áreas. Esse contexto que demandou cada vez mais da nossa força de trabalho foi em condições muito precárias”, colocou Elisa, explanando que assistentes sociais atuam em diversas áreas, como saúde, assistência, habitação, previdência, arte, cultura.
Entidades estudantis destacaram papel das universidades
A estudante Luana Rodrigues Vieira, coordenadora regional da Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social, mencionou que esse desmonte faz com que os cursos sejam mais curtos, tenham menos debates e discussões. “Estou aqui pra dizer que eu não sou um número. Sou uma estudante com sonhos e o contexto das estudantes a nível nacional de Serviço Social é de mulheres, muitas negras, que têm jornadas triplas, muitas vezes quádruplas de trabalho, de empregos que pagam salário mínimo. A gente não precisa ser culpabilizadas pelo fechamento dos cursos de pós-graduação”, afirmou.
Fernando Fontoura, da Ação Libertadora Estudantil, destacou que o fechamento afeta o próprio estado do Rio Grande do Sul. “É algo que ultrapassa os muros da universidade. A gente não pode admitir que o fechamento dos cursos tenha sido da maneira que foi”, disse. A importância social dos cursos também foi mencionado por Ana Paula Santos, do coletivo Juntos.
“A produção científica de excelência é fruto do desempenho dos estudantes na graduação e na pós. Sabemos que tem muitos desafios, é um momento em que é difícil pros estudantes estarem na graduação. Não tem como pensar em futuro da universidade sem falar com aqueles que são diretamente atingidos”, colocou. A estudante da graduação em Serviço Social Fernanda Costa Fávero também destacou a importância do PPG, assim como Eduardo Cidade, do PPG em Serviço Social, que afirmou que o Estado, ao não assumir compromisso de cobrar a universidade, está sendo conivente com o fechamento.
Professores manifestam dificuldade de negociação e valorização
O professor Jair Ferreira, que foi demitido do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, um dos que será extintos, relatou que é um “processo muito triste e muito dolorido”. “É um PPG que recebeu nota 7, com capacidade diferenciada de excelência e internacionalização da pesquisa. E a Unisinos recebeu recursos. Recebemos muitos dados do CNPQ e da Capes nesse processo, que na minha percepção deveria avaliar tudo aquilo que o programa recebeu, o que receberá, considerar a excelência acadêmica e reabrir essa questão”, apontou.
Também do PPGCOM da Unisinos, o doutorando Tiago Segabinazzi relatou que o curso conta com alguns dos professores mais antigos e respeitados do Brasil. “Nunca foi nos dada uma explicação satisfatória e nem foi apresentada uma alternativa. Será que a única coisa que pode ser feita é fechar cursos? Alguma coisa foi pensada mesmo?”, questionou.
A “indignação e perplexidade” diante do fechamento dos programas também foi expressada pela professora Alzira Maria Baptista Lewgoy, coordenadora do PPG em Política Social e Serviço Social da UFRGS. “A trajetória desse programa [de Serviço Social da PUCRS] se circunscreve na história da profissão. Não se extingue uma pós-graduação sólida dessa forma, com 45 anos de mestrado e 24 de doutorado”, lamentou.
Justificativas e encaminhamentos
Após as manifestações dos estudantes, entidades e professores, a palavra voltou aos representantes das universidades. “Nosso interesse é conseguir manter a universidade aberta, pagar salários, honrar os funcionários, poder encontrar alternativas para não aumentar ainda mais o impacto”, afirmou a professora Maura, que garantiu que a universidade procurou todas as autoridades políticas e competentes, incluindo o Ministério da Educação e a Capes.
O pró-reitor da PUCRS garantiu que não existe fechamento para o diálogo e explicou que o CNPQ custeia apenas R$ 400 de uma bolsa de mestrado para as universidades privadas. “É difícil, porque temos custo alto e uma receita muito baixa. É importante a gente tentar avançar nesse debate, mas sem tratar as comunitárias como vilãs da história. O que vemos hoje é um cenário muito ruim, muito difícil. Temos que ter responsabilidade de fazer uma gestão sustentável. Não é que a gente olhe os estudantes como números”, garantiu.
Como encaminhamento principal, a deputada Luciana Genro sugeriu que se busque abrir um diálogo com a comissão de transição do governo federal, o qual a deputada federal Fernanda Melchionna se disponibilizou a mediar. “Poderia haver uma comissão conjunta da PUC e Unisinos, podem cumprir o papel de linha de frente nessa batalha política. Acredito que é uma reivindicação pelo cumprimento do compromisso de campanha de Lula, de que possa promover programas que garantam o funcionamento das universidades que são comunitárias, que prestam contas à população por seu serviço e dão contrapartida à população pelo dinheiro público que recebem”, pontuou.