Peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura se reuniram com a deputada Luciana Genro (PSOL) na tarde desta sexta-feira (8/10) para levar relatos a respeito das recentes inspeções que realizaram em presídios do Rio Grande do Sul voltadas para os direitos das pessoas LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) privadas de liberdade. No encontro, a deputada também se comprometeu a estudar a viabilidade de um projeto de lei que proponha a criação de um Mecanismo estadual gaúcho de prevenção e combate à tortura, aos moldes do que já ocorre em outros quatro estados.
Parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o Mecanismo é composto originalmente por 11 peritos, mas atualmente conta com nove, devido ao desmonte promovido pelo governo de Jair Bolsonaro. Os profissionais atuam fiscalizando as instituições de privação de liberdade – tais como estabelecimentos prisionais, casas psiquiátricas, instituições socioeducativas e abrigos de idosos – para verificar possíveis violações de direitos humanos e elaborar recomendações para as autoridades competentes. Participaram da reunião com a deputada os peritos Bárbara Suelen Coloniese, José de Ribamar de Araújo e Silva e Ronilda Vieira Lopes.
A inspeção nacional que ocorre neste momento tem foco específico nos direitos LGBTs, conforme colocou a perita Bárbara Coloniese. “O Brasil, pelo 13º ano consecutivo, é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. E sabemos que no cárcere existe uma vulnerabilidade ainda maior, então essa inspeção é focada especificamente na situação dessa população”, explicou.
Dentre as questões trazidas pelos peritos, estão o desrespeito a nomes sociais e à identidade de gênero das pessoas privadas em liberdade, que em alguns casos eram obrigadas a cortar os cabelos contra sua vontade e usar os uniformes que correspondem a seu gênero atribuído no nascimento, com o qual não se identificam. No Rio Grande do Sul, as inspeções ocorreram no Presídio Estadual de Cruz Alta, na Penitenciária Estadual de Guaíba e na Penitenciária Estadual de Charqueadas. As visitas irão ocorrer em doze unidades prisionais no total e, posteriormente, serão realizados relatórios estaduais e um nacional.
“Uma das questões observadas foi a da hormonioterapia, à qual as detentas trans não têm acesso. E tem várias questões que são das mazelas do sistema prisional”, colocou Caio Klein, diretor-executivo da Somos, ONG que integra o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, o qual é responsável pelo monitoramento das casas prisionais juntamente com o Mecanismo. Os peritos levaram também questões mais gerais relacionadas à alimentação e trabalho das pessoas privadas em liberdade.
Os profissionais relataram que encontraram resistência por parte do Ministério Público Estadual e de algumas casas prisionais. “Garantir tratamento e respeito à identidade de gênero não custa nada. Não interessa o que cada um pensa, é algo básico”, reivindicou Bárbara. Ela relatou o caso de um servidor no presídio de Cruz Alta que foi denunciado por uma detenta trans por abuso, mas não foi afastado. Ainda, a detenta não foi atendida em seu pedido de ser revistada por funcionárias mulheres.
Deputada irá propor Mecanismo estadual
A importância de se criar um Mecanismo gaúcho também foi um dos pontos mais frisados pelos peritos. Atualmente, o órgão existe em quatro estados, dentre os quais o Rio de Janeiro, onde foi criado por lei proposta pela Assembleia. Em Brasília, o deputado distrital Fábio Félix, do PSOL, também tem um projeto para a criação da entidade. “Podemos estudar a lei que já existe no Rio e a proposta do Fábio em Brasília para criar o Mecanismo aqui no Rio Grande do Sul. Podemos chamar os integrantes do Comitê para discutir”, disse Luciana Genro.
No primeiro ano de seu mandato, Luciana Genro também realizou um trabalho de verificar as condições da população LGBT no sistema penitenciário gaúcho. A deputada presidiu a Comissão Especial para Análise da Violência Contra a População LGBT e visitou presídios em Porto Alegre, Charquedas e Guaíba. O relatório final traz 38 propostas concretas, muitas delas voltadas à realidade da comunidade LGBT privada de liberdade.
A possibilidade de incluir as casas prisionais no projeto de lei 211/2020, que determina a colocação de câmeras nos uniformes dos policiais, também foi apoiada pelos especialistas. “Seria perfeito. Não há registros sobre o que acontece e os agentes não são identificados por nome. A exigência de identificação e a colocação de câmeras seriam fundamentais”, disse Bárbara.
A deputada também pediu que os peritos destaquem situações pontuais que exijam interferência, as quais ela poderá levar à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, para que sejam fiscalizadas pelos parlamentares. “Tem casos de presas que falaram sobre ter que cortar os cabelos à força, já tínhamos identificado que a administração não as deixava usar os uniformes do gênero com a qual se identificavam e isso gera depressão, ansiedade”, relatou Bárbara.
O desmonte que o Mecanismo vem enfrentando na gestão de Jair Bolsonaro também foi mencionado pelos peritos. “O governo atual dificultou muito o nosso trabalho”, constatou José de Ribamar. Na Câmara, há projetos para sustar os efeitos do decreto do governo federal que remanejou os cargos dos 11 peritos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para a o Ministério da Economia e determinou que o serviço seja considerado “prestação de serviço não remunerada”. Por uma liminar movida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro, os efeitos do decreto estão suspensos, mas os projetos ainda são necessários para dar segurança ao trabalho. “É fundamental unir forças para garantir a efetividade do Mecanismo e do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura”, afirmou José.