*Artigo do professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, Pablo Ortellado, originalmente publicado na Folha de São Paulo em 13/08/2019.
A última pesquisa XP-Ipespe, divulgada no final da semana passada, mostrou que, no período em que o presidente disparou sua metralhadora de asneiras, a reação do eleitorado foi dupla: de um lado, houve aumento na rejeição; de outro, o seu apoio se consolidou.
Entre abril e agosto, enquanto a avaliação do seu governo como ruim ou péssimo subiu de 26% para 38%, sua avaliação como bom ou ótimo ficou bastante estável, oscilando na faixa de 33% a 35%.
Isso sugere que, se, de um lado, Bolsonaro consolida um terço do eleitorado que não liga ou até mesmo apoia suas bobagens sobre meio ambiente, ditadura militar e direitos humanos, há um contingente crescente de eleitores e apoiadores insatisfeitos, que podem vir a ser o fiel da balança, tanto num próximo ciclo eleitoral, como numa eventual crise que ameace as instituições.
O problema é que esses simpatizantes e eleitores arrependidos estão sendo muito mal recebidos pelos que fazem oposição a Bolsonaro, que não só não os acolhem como frequentemente os empurram de volta para o campo do presidente.
“Votou em Bolsonaro, agora embala!”, “a culpa é de vocês!” e “vão se foder todos vocês” são algumas das boas-vindas que os arrependidos receberam da oposição.
Em vez de acolhê-los, mostrando que é possível ser crítico ao PT, à corrupção ou à esquerda e permanecer no campo da civilidade democrática, parte da oposição preferiu reafirmar o antagonismo e rejeitar a companhia de quem votou ou simpatizou com Bolsonaro.
O resultado é que esse contingente dos que apoiaram Bolsonaro, mas discordam do autoritarismo, da falta de compostura, do nepotismo ou da corrupção, simplesmente não encontra lugar no carregado ambiente da polarização e, por falta de opção, pode muito bem regressar ao lugar de onde veio.
Isso se deve, ao meu ver, à hipertrofia das identidades políticas gerada pela polarização. Como o autoentendimento como pessoa de esquerda, antifascista ou democrata se constitui em forte oposição aos que apoiaram Bolsonaro, o desgarramento dos arrependidos põe em xeque essa identidade e lugar no mundo.
Assim, o imperativo existencial de preservar a identidade se sobrepõe à urgente necessidade política de solapar a base de apoio do presidente.
As identidades oferecem a quem as adota uma comunidade política e uma visão comum de mundo —um verdadeiro refúgio num mundo complicado e conflagrado. Se a energia política que liberam são poderosos impulsionadores de projetos políticos, elas às vezes se mostram obstáculos incontornáveis para a ação estratégica.