*Artigo da advogada Elisa Torelly, originalmente publicado no jornal Zero Hora em 22/02/2019.
A PEC 6-2019, voltada a modificar o sistema de previdência social, aproxima as idades necessárias para homens e mulheres se aposentarem; especificamente para professores e trabalhadores rurais, traz a idade de 60 anos como requisito para ambos os gêneros. O projeto causa indignação a quem se preocupe em reduzir os danos causados pela sobrecarga impingida às mulheres no exercício das tarefas domésticas e de cuidado dos familiares dependentes.
Apesar de mais livres da imposição de ter casamento e filhos como única fonte de realização, as mulheres têm em seus ombros o ônus de conciliar o trabalho remunerado com o doméstico, seja qual for o arranjo familiar adotado. A mesma estrutura social que, lentamente, abre a elas espaço nas funções de destaque das organizações, diz implicitamente que o esforço em equilibrar a vida profissional com o cuidado das crianças, dos doentes e dos idosos é uma responsabilidade individual. Impõe, assim, um preço pela escolha de “brincar” no jogo do mercado de trabalho desenvolvido pelos e para os homens: postergar ou abrir mão da maternidade, ou suportar sozinha o peso de ser uma boa profissional e bem cuidar da casa e dos filhos – dilemas que colegas do gênero masculino, via de regra, não precisam enfrentar. Não há igualdade efetiva quando os homens podem exercer a sua profissão com muito menor custo pessoal do que o assumido pelas mulheres.
Fragilizando a regra histórica pela qual as trabalhadoras se aposentariam mais cedo do que os homens, a PEC torna invisível o fato de que as mulheres gastem mais do que o dobro do tempo dos homens com as atividades domésticas. Acentua, portanto, toda espécie de obstáculos para que tenham pleno domínio sobre as suas vidas e diz, oficialmente, que elas são responsáveis individualmente, e não a sociedade, pelo peso de equilibrar o cuidado da casa e dos familiares vulneráveis com o exercício da atividade profissional.