Por Luciana Genro
Há 100 anos, na Alemanha convulsionada por uma revolução, os primeiros grupos que formaram a tropa de choque do nazismo – e que no caso foram usados pelo governo social democrata de plantão – assassinaram Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
A monarquia havia caído em novembro de 1918, mas Rosa e o melhor do proletariado alemão queriam mais do que uma república democrática. Queriam uma república social. Queriam o poder para o povo e não um governo para administrar os negócios do capital.
Seu grupo, a Liga Spartakus, seguiu lutando por este objetivo após a queda da monarquia. Mas a social democracia, no poder, precisava encerrar o processo revolucionário.
A verdade sobre o assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht veio a tona ao poucos, como relata o historiador Pierre Broué na sua magistral obra “The German Revolution 1917-1923” (Editora Haymarket Books, Chicago, 2006), infelizmente sem tradução para o português.
O corpo de Liebknecht apareceu primeiro, como um corpo não identificado numa delegacia de polícia de Berlim. Rosa teve seu corpo amarrado à pedras, jogado no canal, e só veio à tona meses depois.
“As consequências deste duplo assassinato são incalculáveis. Por certo, apesar dos esforços de Jogiches e Levi, que devotaram esforço imenso na investigação, nenhuma responsabilidade direta de nenhum líder social democrata pode ser estabelecida. Mas sua responsabilidade moral é evidente. Dois dias antes, Vorwarts (jornal oficial do SPD) havia publicado o que não era menos do que um chamado para o assassinato de “Karl, Rosa e parceiros, nenhum morto, nenhum, entre os mortos”. Foram homens reunidos, armados e no final protegidos por Noske e os ministros social democratas que levaram adiante os assassinatos. Scheidemannn ainda disse: “Você vê como a sua própria tática terrorista se voltou contra eles”. Depois disso, o sangue de Liebknecht e Luxemburgo sempre estiveram entre a Social Democracia Alemã e os Comunistas.
“O jovem Partido Comunista foi privado simultaneamente do sua melhor líder política e de seu mais prestigiado porta voz. Luxemburgo e Liebknecht eram conhecidos de todos os trabalhadores alemães, e eram altamente respeitados em todo o movimento internacional. Os únicos de todos os Comunistas fora da Rússia, que tinham estatura para discutir de igual para igual com os lideres bolcheviques, e poderiam vir a ser um contra peso a autoridade deles na Internacional que estava para ser fundada em breve.” (página 257, tradução minha)
Além do seu exemplo de mulher corajosa, firme e independente, que ousava, desafiava padrões e debatia de igual para igual com os homens, as contribuições teóricas de Rosa também sobreviveram ao seu assassinato. Uma das mais importantes é a obra “Reforma social ou Revolução?”, escrita em 1899, fruto de sua polêmica com Eduard Bernstein, velho e respeitado teórico que vinha propondo uma revisão da teoria marxista, a caminho de transformar a social democracia em um partido reformista. Tarefa esta que depois foi cumprida, a revelia de Rosa que fundou a Liga Spartakus.
Nesta obra Rosa traz uma explicação sobre o Estado, ainda muito útil para os debates na esquerda em todo o mundo.
“Primeiramente, o Estado atual é a organização da classe capitalista dominante. Quando ele, no interesse do desenvolvimento social, encarrega-se de diferentes funções que são de interesse geral, apenas o faz na medida em que esses interesses e o desenvolvimento social coincidem com os interesses da classe dominante em geral. A proteção do trabalhador, por exemplo, é feita tanto no interesse imediato dos capitalistas como classe quanto da sociedade com um todo. Mas essa harmonia dura apenas até certo ponto do desenvolvimento capitalista. Quando o desenvolvimento atinge um determinado patamar, então os interesses da burguesia como classe e os da evolução econômica passam a divergir.” (Rosa Luxemburgo: textos escolhidos: volume I, org. Isabel Loureiro, São Paulo: Editora Unesp, 2011, pag. 32)
Uma compreensão marxista do papel do Estado é um dos pontos nevrálgicos para que a esquerda possa fazer um balanço da experiência do PT como direção majoritária do movimento dos trabalhadores brasileiros e de como o Estado burguês está, em última instancia, sempre a serviço dos interesses do capital.
Este debate sobre a dialética entre a luta por reformas e a estratégia revolucionária, para o qual Rosa deu uma contribuição inestimável, segue atual e necessário para a construção de uma nova esquerda.
O texto “Reforma ou Revolução” foi recentemente reeditado em uma coletânea organizada por Isabel Loureiro. Leitura mais do que necessária. A esquerda ainda está longe de ter apreendido toda a riqueza da obra desta revolucionária imprescindível.