*Artigo da economista e professora da USP Laura Caravalho, originalmente publicado na Folha de São Paulo em 14/09/2017.
Muitos analistas entenderam que o estudo de Marc Morgan, publicado na semana passada pelo World Wealth Income Database, instituto dirigido por Thomas Piketty, refuta a tese de que houve queda na desigualdade de renda no Brasil nas últimas décadas.
O estudo mostra, por exemplo, que, nos cinco anos que antecederam a crise financeira internacional de 2007-08, o 0,1% mais rico da população se apropriou de 68% do crescimento da renda nacional.
A pesquisa reforça estudos anteriores dos pesquisadores Marcelo Medeiros, Fabio Castro e Pedro Souza, da Universidade de Brasília, os primeiros a complementar os dados da Pnad/IBGE com informações de declarações de Imposto de Renda obtidas na Receita Federal.
Ao combinar dados tributários, que tendem a subestimar menos a renda dos mais ricos do que as pesquisas amostrais, com os dados da Pnad, que capta melhor a renda dos mais pobres, os pesquisadores brasileiros já haviam concluído que não houve queda na parcela da renda apropriada pelo 1% mais rico no Brasil ao longo dos anos 2000.
Embora o foco do trabalho de Marc Morgan seja a distribuição da renda pré-tributação, sabemos que o nosso sistema tributário altamente regressivo não corrige o problema: ao contrário, a alta parcela da renda dos mais ricos que é isenta de Imposto de Renda nos deixa ainda mais distantes de países com uma distribuição mais igualitária.
Mas, embora nada tenha sido feito ao longo dos últimos governos para redistribuir renda do topo para a base da pirâmide, o que exigiria, por exemplo, o aumento da tributação sobre a renda e o patrimônio dos mais ricos e a redução de impostos sobre o consumo, certamente houve melhora na distribuição de renda na base da pirâmide.
Além do efeito das transferências de renda, tanto os dados da Receita quanto os da Pnad/IBGE mostram que houve forte redução da desigualdade salarial naquele período.
Em outras palavras, ainda que os salários tenham ficado menos concentrados nos anos 2000 graças ao crescimento acelerado dos rendimentos de trabalhadores da base da pirâmide —fruto da valorização do salário mínimo e do crescimento de setores muito intensivos em mão de obra menos qualificada—, a renda do capital cresceu ainda mais e se manteve altamente concentrada na mão dos mais ricos.
Um trabalho de Marcelo Medeiros e Fabio Castro realizado para os anos 2006-2012 sugere que o crescimento da renda do capital foi o grande responsável pela resiliência da desigualdade no período, não por causa do aumento dos lucros das empresas, e sim pelos altos ganhos de capital obtidos sobre a riqueza acumulada.
Essa medida capta, por exemplo, a forte alta nos preços dos imóveis e de ativos financeiros que marcou aqueles anos.
Mas, se a queda da desigualdade de renda na base não foi suficiente para compensar os ganhos derivados da alta concentração da riqueza na mão dos mais ricos na última década, as características da crise atual e da política econômica implementada, por sua vez, apontam para um aumento da desigualdade também na base da pirâmide nos próximos anos.
Um estudo recente da Tendências Consultoria com base em dados da Pnad sugere que, no que tange à massa de salários, as famílias da chamada classe A —com renda superior a R$ 17.286 mensais— obtiveram um crescimento da renda seis vez superior à média no primeiro semestre deste ano.