*Artigo da economista Laura Carvalho, originalmente publicado na Folha de São Paulo desta quinta-feira (13/04).
A dez dias do primeiro turno das conturbadas eleições francesas, uma pesquisa mostrou pela primeira vez Jean-Luc Mélenchon —candidato com programa econômico antiausteridade— em terceiro lugar, com 18% dos votos.
Com o ganho de sete pontos percentuais, Mélenchon pode ter ultrapassado o vencedor das primárias da direita, François Fillon, e fica a apenas cinco pontos de Marine Le Pen —candidata anti-imigração da extrema direita -e de Emmanuel Macron, o jovem ex-ministro da Fazenda do presidente François Hollande, que optou por candidatar-se por um novo partido.
A maior parte do crescimento de Mélenchon deu-se pela perda de força da candidatura de Benôit Hamon, do Partido Socialista, que parece pagar o preço da impopularidade do fraco governo Hollande e está agora com 9% das intenções de voto.
François Fillon, que foi alvo de escândalo pela contratação de sua mulher e filhos como supostos assessores parlamentares, também vinha perdendo força.
Os resultados só surpreendem os que não têm acompanhado o aumento da popularidade dos discursos antissistema, após nove anos de crise econômica global e várias décadas de ampliação das desigualdades nos países ricos.
A rejeição da população ao status quo fica cada vez mais evidente: da participação do Bloco de Esquerda na coligação que governa Portugal à força de Bernie Sanders nos EUA; do “brexit” no Reino Unido à eleição de Donald Trump.
Na França, Macron e Fillon ainda reproduzem o discurso da austeridade e da necessidade de “reformas” redutoras do tamanho do Estado.
Fillon, que se diz admirador da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, promete uma contenção ainda maior das despesas públicas. Macron prevê uma redução mais gradual de despesas e baseia as perspectivas —pouco ambiciosas— de retomada do crescimento econômico em uma política de desonerações fiscais e de redução de direitos trabalhistas.
O candidato apresenta-se assim como um representante do bom e velho “trickle-down economics”, em que se acredita que os incentivos dados ao andar de cima acabam chegando ao andar de baixo.
A verdade é que, quando o assunto é política econômica, Macron não se distingue muito do atual presidente, que desistiu de tentar a reeleição por gozar de baixíssima popularidade. Talvez por isso, seu ex-ministro da Fazenda apareça nas pesquisas com menor vantagem do que Mélenchon em um eventual segundo turno contra a candidata Marine Le Pen.
O candidato da France Insoumise, que já começa a amedrontar os mercados financeiros europeus, promete elevar tributos progressivos para financiar a ampliação de investimentos e preservar o Estado de bem-estar social francês.
Aproxima-se assim de Bernie Sanders, que, apesar da derrota nas primárias do Partido Democrata, acabou tendo o programa econômico incorporado parcialmente à plataforma de Hillary Clinton nas eleições dos EUA.
Em comício a céu aberto que contou com a presença de 70 mil pessoas em Marselha no domingo (9), Mélenchon posicionou-se de forma contundente contra o extremismo dos mercados, que estariam “transformando o sofrimento, a miséria e o abandono em ouro e dinheiro”.
A subida do candidato aumenta a forte indefinição sobre o resultado das eleições do dia 23. Sua possibilidade de ida ao segundo turno dependerá, grosso modo, da capacidade de atrair os eleitores do socialista Hamon.
Independentemente do resultado, a força da candidatura dele e da de Marine Le Pen deve servir como sinal de alerta aos que mantêm o discurso tecnocrata de que não há alternativas. A tolerância com o desemprego alto, a redução da rede de proteção social e a gritante elevação dos lucros financeiros parecem estar se esgotando mundo afora.