Por Luciana Genro, advogada e dirigente do PSOL
A tragédia, aparentemente criminosa, com o avião que transportava a equipe do Chapecoense tomou as manchetes e abalou o Brasil. Mesmo assim, a Câmara dos Deputados e o Senado não pararam de votar. E de votar, como sempre, contra os interesses do povo. No Senado, a PEC que institui o teto de gastos foi aprovada em primeiro turno e, na Câmara, as 10 medidas contra a corrupção apresentadas pelo Ministério Público viraram uma tentativa de intimidar os procuradores.
Uma semana antes, o PSDB foi o carro-chefe na defesa de Temer, que classificou de criminoso o fato de ter sido gravado no episódio em que o ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, desnudou a atuação, esta sim criminosa, do presidente e do ministro Eliseu Padilha em defesa dos interesses privados de Geddel.
Ficou evidente também o apoio de Aécio e do PSDB a este modo de fazer política, quando os tucanos se esforçaram para blindar Temer porque quer que o governo massacre o povo com suas medidas de ajuste, como a que congela os gastos sociais por 20 anos.
Mas a consternação com a tragédia chapecoense não impediu uma forte reação a esta manobra. Em frente ao Congresso, milhares de estudantes reuniram-se para protestar. Foram recebidos com bombas de gás lacrimogêneo e cassetadas. Mas não se intimidaram, como mostra esta foto onde uma bandeira do Juntos, nas mãos da dirigente da UNE, Camila Souza, tremula em meio ao gás.
Em outra esfera, os procuradores da Lava-Jato também reagiram à votação da Câmara, em especial à emenda claramente intimidatória que abre as portas para a punição de integrantes do MP no exercício da função.
Entre as condutas que passariam a ser crime estaria a apresentação, pelo MP, de ação de improbidade administrativa contra agente público “de maneira temerária”. Nesse caso, além de prisão, os promotores estariam sujeitos a indenizar o denunciado por danos materiais e morais ou à imagem.
Mas os procuradores ameaçaram renunciar à Lava-Jato caso a emenda seja ratificada pelo Senado e a casta política sentiu o golpe. Alguns disseram que a ameaça foi uma afronta à “independência dos poderes”. Eu, no entanto, vi uma reação desesperada de quem está vendo seu trabalho ir por água abaixo e teme ser punido por colocar, na cadeia, corruptos graúdos, entre políticos empresários.
Das ruas também veio alguma reação a tudo isso, com panelaços durante o Jornal Nacional em várias cidades. Renan Calheiros, o chefe da operação para enterrar a Lava-Jato, ainda tentou uma manobra para votar logo as medidas no Senado, mas felizmente não conseguiu. Ainda resta uma esperança.
Tudo isso mostra a situação política crítica que vivemos. Após quase 14 anos de governo petista, estamos diante de um governo ilegítimo e instituições totalmente distanciadas das necessidades do povo. Uma verdadeira herança maldita.
A luta contra a corrupção vem sendo criminalizada. O Congresso foi cúmplice de uma manobra que representa um duro golpe contra a Lava-Jato. O PT uniu-se às manobras para desfigurar as propostas de combate à corrupção, pois tem vários dirigentes envolvidos em escândalos.
As propostas do MP que visavam a facilitar a condenação de corruptos foram derrotadas sob o argumento de que seriam medidas autoritárias, como a que instituía a “perda ampliada e o enriquecimento ilícito de funcionário público”. Esta ofensiva contra as medidas de combate à corrupção ganhou força no bojo de uma campanha para desacreditar a Lava-Jato e a proposta do MP. A tentativa de anistiar os crimes correlatos ao caixa 2 fracassou por pouco.
Eu tenho sido uma voz dissonante. Tenho apoiado a Lava-Jato, mesmo com seus erros. Recuso-me a atacar Sérgio Moro, pois vejo nele um juiz que se empenha em colocar na cadeia o pior tipo de ladrão. Ele cometeu abusos, sim, como cometem todos os juízes da esfera penal.
Sou advogada e conheço bem as dificuldades de quem atua no direito penal. A diferença é que os abusos que ele cometeu foram contra poderosos com ótimos advogados para defendê-los. Os abusos que ocorrem contra os presos oriundos das favelas não ganham repercussão. Também apoiei as 10 medidas do MP, apesar de discordar de algumas delas, pois, no conjunto, elas tiveram o mérito de pautar, no país, o debate sobre como facilitar a persecução penal dos crimes do colarinho branco.
O PSOL tem sido heroico na Câmara. Foi linha de frente na cassação de Eduardo Cunha, foi decisivo para impedir a aprovação – na calada da noite – da anistia ao caixa 2 e agora é linha de frente no pedido de impeachment contra Temer.
Temos que ser linha de frente no combate a toda a casta política que está mobilizada para derrotar a Lava-Jato, para estabilizar o país com a paz dos cemitérios e para impor medidas brutais de ajuste fiscal que vão detonar ainda mais os serviços públicos e permitir ataques ferozes contra o funcionalismo, como os que Sartori, aqui no Rio Grande do Sul, está propondo.
Precisamos, enquanto partido, ser linha de frente no chamado à mobilização contra o ajuste e em defesa da Lava-Jato, em apoio a todas as propostas legislativas que ajudem a combater a corrupção e contra todas as que visem a proteger criminosos de colarinho branco, como a anistia ao caixa 2.
Nós sabemos que a corrupção é intrínseca ao sistema capitalista e que só quem luta contra o sistema pode ser coerente na luta contra a corrupção. Mas esta é uma conclusão à qual o povo precisa chegar por sua própria experiência. E só chegará a ela se perceber, hoje, o PSOL como o partido que denuncia as manobras da casta corrupta, mobiliza e leva adiante a luta contra a corrupção e contra os ataques de Temer e do Congresso aos direitos sociais.