*Artigo originalmente publicado no site da revista Carta Capital, em espaço de colunas do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), concedido pelo parlamentar à Luciana Genro dentro da campanha #AgoraÉQueSãoElas.
Simone de Beauvoir tornou-se objeto das mais indignadas manifestações dos machistas (e ignorantes) de plantão. Sua frase, inserida no exame do ENEM, foi por poucos compreendida.
Vejamos a frase completa:
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino” (Beauvoir, Simone de. O segundo sexo. Vol.2. A Experiência vivida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980; p. 9).
Gostando ou não da forma como Simone se refere às mulheres, o que ela coloca é uma verdade inquestionável. O “ser mulher” (o que não se limita ao fato de ter ou não uma vagina, gostar ou não de sexo com homens) é uma construção social. Somos educadas a nos contentar e a viver no universo do particular, do privado. Treinadas para sermos boas filhas, mães e esposas.
A cuidar da casa e, quando muito, contar com a ajuda do marido para as tarefas domésticas, que são nossas por definição. Eles nos ajudam. Aliás, ter um bom marido é uma conquista fundamental nesta lógica. E se não quisermos ter filhos, somos egoístas e insensíveis.
Esta construção se reflete na vida e nas leis: homens não dão à luz, o aborto pode ser criminalizado. Mulheres cuidam dos filhos, não é necessário oferecer creches gratuitas e de qualidade. Mulheres cozinham e lavam roupa, não é necessário restaurantes e lavanderias populares. A sociedade incensa o casamento e a maternidade e depois vira às costas para as esposas e mães: se virem como puderem!
O novo é que vivemos hoje uma primavera feminista. Eduardo Cunha, o corrupto, homofóbico e machista, despertou uma indignação latente. Não levante o dedo para mim! Não mexa nos meus direitos!
O grito trancado na garganta escapuliu e milhares de mulheres tem saído às ruas nos atos pelo “Fora Cunha”, em defesa de direitos que já conquistamos e pelos que ainda lutamos. Cunha é a manifestação do ataque conservador aos direitos das mulheres e também o símbolo máximo da putrefação de um sistema onde as mulheres não têm voz e nem vez.
São homens legislando sobre os corpos das mulheres e decidindo nossos destinos. Por isso a revolta das últimas semanas tem a ver com o direito de decidirmos sobre a nossa vida, mas também com o de nos sentirmos representadas na política.
Ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Nenhuma mulher nasce feminista mas pode tornar-se feminista quando dirige o seu olhar crítico não mais a si mesma, por não se encaixar nos padrões exigidos, mas a estes mesmos padrões, renegando-os e construindo outros, libertários, igualitários e fraternos. Sim, os ideais da revolução francesa ainda estão por se realizar. As mulheres, os jovens, LGBTs, oprimidos e explorados tomam para si esta tarefa. Haveremos de vencer!