Luciana Genro
Este texto é uma contribuição à sistematização, em torno de 6 eixos, dos principais pontos programáticos a serem abordados na nossa campanha eleitoral presidencial. Com certeza há lacunas que serão preenchidas com o debate que está sendo travado nos seminários temáticos e que culminará na nossa Convenção.
1. Economia: Os mercados não mandarão mais no Brasil: auditoria e suspensão do pagamento da dívida pública
Um governo do PSOL promoverá mudanças estruturais na economia do país.O Brasil (e o mundo) vive uma crise sócio-ambiental que está vinculada ao modo de produção capitalista. A destruição da natureza e a degradação do meio ambiente é diretamente proporcional à crueldade do capitalismo em relação aos oprimidos e explorados por este sistema. Nossa proposta é ecossocialista pois não há defesa conseqüente do meio ambiente sem que se aponte para a ruptura com o capital, que necessita sugar os recursos naturais e explorar o ser humano para garantir a acumulação em benefício de 1% da população, enquanto 99% sofre as consequências nefastas deste modelo econômico.
O Brasil precisa conquistar uma verdadeira soberania. Hoje a situação é de submissão aos interesses do capital financeiro. “Entre abril de 2013 e abril de 2014 o governo Dilma aumentou a taxa básica de juros nove vezes, passando de 7,5% para 11% (com nova alta prevista para maio). Ela voltou a ficar entre as maiores do mundo. Ao mesmo tempo, o governo prometeu contingenciar R$ 40 bilhões na execução orçamentária deste ano para garantir um superávit primário de 1,9% do PIB.(…) O principal componente do desequilíbrio financeiro do Estado brasileiro é, de longe, a conta de juros, que tem consumido entre 5% e 7% do PIB. É um recorde. A média mundial de comprometimento das finanças públicas com juros gira em torno de 1% do PIB, chegando a 2% em casos excepcionais. O Brasil gasta, na conta de juros, praticamente a mesma quantidade de recursos investidos no seu sistema de Seguridade Social. Grande parte da dívida interna brasileira está em mãos de 20 mil credores, enquanto o sistema de seguridade atende cerca de 130 milhões de pessoas.”1
Demonstração clara desta submissão é a recusa do governo federal em cumprir o acordo, já bastante insuficiente, feito com governadores para renegociar os contratos das dívidas estaduais, devido às “turbulências do mercado”. Isto é assim pois o atual momento da acumulação capitalista está ancorado na financeirização da economia, que se baseia no “Sistema da Dívida”2: dívida pública que foi gerada sem contrapartida a partir de empréstimos vinculados a compra de produtos e serviços dos países concedentes destinados a projetos desnecessários e/ou super faturados . A partir daí ocorreu a auto geração de endividamento pela obrigação de amortizar o capital e pagar os juros. Somente uma auditoria independente, precedida da suspensão do pagamento, pode desmascarar este processo. O exemplo do Equador é eloqüente.
Nossa luta imediata será para que a economia do Brasil não siga amarrada aos interesses do grande capital financeiro. Enquanto Dilma, Aécio e Eduardo Campos disputam o posto de quem melhor pode garantir a implementação do ajuste fiscal e o cumprimento das metas de superávit primário, nosso programa parte da definição de que os recursos hoje destinados ao pagamento da dívida para as 5 mil famílias mais ricas serão destinados aos investimentos públicos, à saúde, educação, transporte e demais gastos sociais. Daremos fim à desregulamentação da economia e da abertura financeira e comercial irresponsável, bem como a implementaremos um controle de capitais para inibir a especulação. Demarcar nossa recusa à conceder autonomia ao Banco Central é parte desta luta por soberania.
2. Combate à concentração de riqueza
No mundo, 85 fortunas mundiais acumulam a mesma riqueza que 3,5 bilhões de pessoas. No Brasil não é diferente. As cinco mil famílias mais ricas concentram a maior parte da riqueza produzida, e ainda recebem dinheiro do governo, através dos juros da dívida. Este processo será estancado com o enfrentamento do problema da dívida, mas para ser revertido é preciso avançar numa reforma tributária radical.
Reinaldo Gonçalves em seu livro “Desenvolvimento às avessas – Verdade, má fé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento” (Editora LTC, 2013) elenca medidas que vão ao encontro do que propus, como representante do PSOL na Comissão Parlamentar que estudou a Reforma Tributária:
“Inúmeras medidas devem ser tomadas. A primeira é mudar a estrutura tributária, de regressiva para progressiva; a modificação substantiva do sistema de alíquotas é fundamental, de forma que os ricos paguem proporcionalmente mais impostos do que a classe média e os pobres. É inadmissível que sobre os rendimentos do trabalho da classe média incida a mesma alíquota que incide sobre os rendimentos do trabalho dos ricos. É necessária a desoneração tributária que incide diretamente sobre a renda dos pobres e da classe média. A segunda consiste em eliminar boa parte das medidas de desoneração, seja da folha de pagamento, seja a redução de IPI, principalmente de setores de bens de consumo duráveis e dos setores em que há baixa concorrência. A terceira consiste em fazer com que a tributação sobre os rendimentos do capital seja maior que a tributação sobre os rendimentos do trabalho. A quarta envolve a maior taxação do estoque de riqueza dos ricos. A quinta trata de eliminar subsídios em financiamentos para projetos de investimento de grandes empresas e grupos econômicos. A sexta é acabar com o financiamento, com recursos públicos para empresas estrangeiras que operam no país. Por fim, a oitava medida requer maior tributação do setor primário, inclusivo com impostos específicos sobre a exportação.”3
O Imposto sobre as Grandes Fortunas – uma medida que consta na Constituição desde 1988 e até hoje não foi regulamentada deve ser uma fonte de recursos e de justiça, pois o 1% dos milionários tem que ceder aos 99% da sociedade. Aumentando a tributação sobre a riqueza e a propriedade poderemos baixar os impostos sobre o salário e o consumo, beneficiando os mais pobres, os trabalhadores, os pequenos comerciantes, os profissionais liberais, enfim, os que hoje sustentam o parasitismo de poucos.
Medidas como o Bolsa-Família devem ser mantidas mas precisam estar acompanhadas destas transformações estruturais pois isoladas são meramente paliativas e insuficientes para assegurar a vida digna que todos merecem.
3. Controle público das áreas estratégicas
Nosso programa também deve ser taxativo na defesa da soberania nacional e, portanto, do controle público das áreas estratégicas, como a energia. Neste tema são sábias as palavras do geólogo e ex- diretor de exploração e produção da Petrobrás, Guilherme Estrella, que alerta que a gestão de reservas de Libra deve ser exclusiva do Estado:
“Energia é fator crítico da soberania e do desenvolvimento de qualquer país. Há, portanto, um potencial conflito de interesses geopolíticos absolutamente inerente à presença de estrangeiros numa gigantesca reserva petrolífera como é Libra.(…) Trata-se de gigantesco volume de petróleo, agora compartilhado com sócios que representam interesses estrangeiros – de potências estrangeiras- sobre cujo alinhamento com o posicionamento geopolítico de um país emergente da importância do Brasil não temos a menor garantia.”4
A política energética do PSDB e do PT tem sido um desastre para o Brasil, transitando de um sistema público, planejado e cooperativo para um sistema privado, mercantil e concorrencial. César Benjamin destaca três aspectos:
“(a) alteração na base técnica, com aumento da participação das usinas térmicas (movidas a gás, óleo combustível, diesel, carvão mineral e carvão vegetal), mais ajustadas ao investimento privado, mas muito mais caras e mais poluentes;
(b) perda de confiabilidade: até meados da década de 1990, o sistema público e planejado começava a expandir sua capacidade sempre que o risco de déficit atingia 5% no quinto ano a partir do presente. Hoje, o sistema opera com 25% de risco de déficit no ano em curso;
(c) aumento das tarifas, que na última década subiram muito acima da inflação.”5
Benjamim explica que estamos diante de duas alternativas: “racionamento de energia elétrica ainda em 2014 ou uso de todas as reservas, iniciando 2015 em situação extremamente crítica. Não está afastada a hipótese de uma megacrise energética bastante longa. Para isso, basta que a estação chuvosa de 2014/2015 seja ruim. Por causa da Copa do Mundo e das eleições, o governo vem escondendo da população a gravidade do quadro. (…)O quadro atual pode resultar em racionamento energético ainda em 2014, o que será desastroso para as pretensões eleitorais de Dilma Roussef. Mesmo se isso não ocorrer, o país estará em situação crítica no segundo semestre, justamente no período pré-eleitoral. Além disso, já está dado um grande aumento nas contas de energia. Para esconder isso, o governo está fazendo uma barbaridade jurídica. O custo da energia aumentou muito, por causa do uso das térmicas, mas o governo não quer apresentá-lo agora aos consumidores por causa da taxa de inflação, que já está alta, e do ano eleitoral. Então, está fazendo o seguinte: um pool de bancos fará um empréstimo de R$ 12 bilhões para remunerar as distribuidoras agora, pois elas precisam receber pela energia que estão entregando. Nós, os consumidores, pagaremos esse empréstimo no ano que vem, com juros. Ou seja: estamos proibidos de pagar à vista a energia que consumimos e sendo forçados a comprá-la a prazo, com juros bancários. A partir de 2015, pagaremos uma conta de luz (relativa a 2014) aumentada e com juros bancários. E poderemos não ter luz. (…) O Brasil contrariou as históricas decisões do G-20 em Pittsburgh (2009) e Los Cabos (2012), entrando no clube das nações já “viciadas” em subsidiar o uso de energias fósseis. Ao discriminar contra as energias renováveis em favor das fósseis, o governo Dilma alavancou as emissões de gases de efeito estufa, aumentando brutalmente a carbonização da economia brasileira (sua “intensidade-carbono”), na contramão do desenvolvimento sustentável.Em tão privilegiadas condições naturais, como são as brasileiras, esse retrocesso é crime de lesa-humanidade, mesmo que ainda não esteja assim tipificado no Estatuto de Roma, ou em sentenças de tribunais penais internacionais.”6
Outro ponto importante é a defesa de uma mudança na política de financiamento do BNDES. Não podem mais ser concedidos empréstimos do BNDES para grandes empreiteiras e mega empresas que têm capital próprio ou acesso a empréstimos internacionais. A prioridade tem que ser estabelecida de acordo com os interesses nacionais e não de um punhado de empresas privadas. Daremos fim às privatizações e terceirizações abusivas, fortalecendo o Estado, qualificando e pagando bem os servidores públicos, para prestar serviços de qualidade. Além disso, faremos uma auditoria nas obras da Copa, pra identificar desvios de dinheiro, desperdícios e abusos.
4. Democracia real
Nosso programa tem que partir da definição de que as instituições da democracia burguesa não respondem aos interesses da maioria do povo e nem aos interesses do Brasil enquanto uma Nação soberana. São instituições capturadas pelo poder econômico, corroídas pela corrupção e pela impunidade e distanciadas de uma representação legítima da população. Os processos eleitorais, instrumento de legitimação dos governantes, constituem-se em grandes espetáculos de marketing, de enganação e falsas promessas. O poder econômico é determinante, o qual deixa apenas pequenas brechas por onde eventualmente a genuína vontade popular consegue passar.
Reorganizar o Brasil através de uma Assembléia Popular Constituinte
É preciso reorganizar o país através de uma Assembléia Popular Constituinte, exclusiva, com plenos poderes, com deputados que possam ser eleitos inclusive sem partido, em uma eleição sem interferência do poder econômico. Nesta Assembléia Popular Constituinte vamos lutar por medidas radicais, que enfrentem os problemas do Brasil pela raiz.
A tarefa será colocar abaixo as instituições apodrecidas e vazias de representatividade construindo novas, que possam de verdade ser permeáveis à vontade popular. Criar mecanismos de democracia direta, que permitam ao povo tomar a política e a economia em suas próprias mãos, para colocá-las a serviço dos interesses da maioria. A revogabilidade dos mandatos dos políticos, a exemplo do referendo revogatório existente na Venezuela, é um instrumento fundamental na construção de uma viva e participativa democracia.
Uma reforma política real tem que interferir no cerne do que tem feito da política uma carreira e um grande negócio. Alguns exemplos: salários dos políticos decididos pelos povo e não pelos próprios políticos; diminuição dos cargos de confiança e valorização dos funcionários concursados; nada de privilégios como carros oficiais ou aposentadorias especiais; igualdade no tempo de propaganda política e o fim da venda do tempo de TV através das coligações; fim do financiamento das campanhas pelas empresas privadas; fim da compra de votos através da contratação de cabos eleitorais pagos, dentre outras medidas que democratizem a política.
Nesta reorganização do Brasil precisamos promover mudanças legais que permitam maior controle social sobre as instituições e os agentes políticos, como o fim dos sigilos, fim da permissão aos agentes políticos de fazerem negócios na esfera privada, parlamento unicameral, fim da impunidade aos criminosos do colarinho branco ( os presos do mensalão são a exceção que confirma a regra), enquanto os presídios estão abarrotados de pobres.
Neste contexto a luta contra a corrupção se reveste de um conteúdo radical, pois vivemos em uma sociedade em que a política é abertamente um balcão de negócios, e as bandeiras democráticas, como a luta contra a corrupção e a impunidade, ficaram nas mãos dos socialistas, pois nenhum outro setor é consequente na sua defesa.
Governabilidade a partir da mobilização
Há também a corrupção legalizada que ocorre todos os dias aos olhos de todos. Vamos acabar com o balcão de negócios no Congresso. Quando não se quer atender aos anseios do povo, se governa com as elites, por meio do eterno “toma lá dá cá”, e é por isso que o Governo Lula/Dilma sempre defendeu os Presidentes do Senado Renan Calheiros e José Sarney. Tudo para garantir a “governabilidade”, ou seja, para que os projetos nocivos ao povo possam continuar sendo aprovados sistematicamente no Congresso Nacional, a exemplo da Reforma da Previdência, comprada com o “Mensalão”.
Neste sentido tem sido importante a fala de Randolfe, explicitando que oferecemos ao Brasil a oportunidade de colocar Sarney, Renan e Collor na oposição.A partir daí podemos explicar que nosso modelo de governabilidade é outro, ancorado na mobilização do povo para garantir as mudanças e o enfrentamento aos interesses das elites econômicas. Por isso não entramos no jogo das alianças espúrias, jamais apontaremos os inimigos do povo como aliados, como faz o PT, sustentando as oligarquias mais podres.
5. É por direitos!
As manifestações de junho de 2013 trouxeram à tona um conjunto de problemas sociais que são o resultado do modelo econômico excludente e concentrador. Não foi por casualidade que o estopim do levante de junho foi o aumento das passagens de ônibus. O problema da mobilidade urbana e o descaso dos governos com o transporte coletivo faz do deslocamento diário uma verdadeira via-crúcis para o povo. Mas como muito bem foi dito nas manifestações “não é só por 5 centavos, é por direitos”, as demandas sociais são múltiplas, como a saúde e educação “padrão Fifa”, uma crítica aos gastos astronômicos com a Copa do Mundo enquanto os serviços básicos estão cada vez mais deteriorados. Por isso assumiremos o compromisso de implantar a Tarifa Zero, usando os recursos hoje destinados ao superávit primário para investir no transporte público, na saúde, educação e cultura, inclusive melhorando os salários dos servidores públicos, agentes fundamentais na melhora dos serviços oferecidos à população.
A moradia popular também é um problema dramático, que nos últimos meses, graças às ocupações urbanas promovidas principalmente pelo MTST, tem ganhado destaque na conjuntura. O programa Minha Casa Minha Vida tem sido uma mina de ouro para as construtoras e o problema da moradia para as famílias pobres não é resolvido. Vamos investir nas moradias populares, enfrentando o déficit habitacional inclusive com o combate à especulação imobiliária, taxando de forma mais gravosa os imóveis vazios.
A Reforma Agrária também é de vital importância, não só para o povo do campo, mas para a garantia de alimentos mais baratos e de melhor qualidade na mesa dos moradores das grandes cidades. Junto com o MST e outros movimentos do campo implementaremos um programa de reforma agrária que parta da necessidade de democratização da propriedade da terra, fixando limites, e propondo a reorganização da produção agrícola, priorizando a produção de alimentos sem venenos.
6. Direitos Humanos e liberdades democráticas
Neste ponto são vários os temas importantes para nossa campanha. O combate à homofobia tem grande importância. Os ataques homofóbicos têm sido cada vez mais freqüentes e a luta por direitos iguais, como o casamento civil igualitário, ganha força principalmente junto à juventude. O combate ao racismo também ganhou força nos últimos meses, graças à coragem das vítimas em denunciar. A violência contra as mulheres, as mortes absurdas e numerosas fruto da criminalização do aborto, a desigualdade no mercado de trabalho. Todos estes devem ser temas com força na nossa campanha em torno dos quais temos que apresentar propostas concretas.
A defesa da PEC 51, que propõe a desmilitarização da polícia é um tema fundamental. A violência policial contra as manifestações é uma expressão da função primordial das forças armadas: garantir a ordem burguesa pela força quando os mecanismos ideológicos não são suficientes. Esta violência se expressa de forma ainda mais aguda nas periferias das grandes cidades, onde, sob o pretexto de uma guerra às drogas, desenvolve-se uma verdadeira guerra contra os pobres.
O Brasil é o quarto país do mundo em população carcerária, atrás apenas dos EUA, Rússia e China. Levantamento feito pelo Instituto Avante Brasil, com dados do InfoPen, do Ministério da Justiça, apontou um crescimento de 508,8% na população carcerária brasileira no período de 1990 a 2012, registrando 548.003 presos em 2012, uma taxa de 287,31 para cada 100 mil habitantes, em uma população de 190.732.694 habitantes, de acordo com o IBGE.
E quem são estes presos? No ano de 2012 os pardos e negros eram ampla maioria. 43,7% de presença dos pardos e 17% de negros. Também era maioria os que tem o Ensino Fundamental Incompleto, 50,5%. Dos demais, 14% eram apenas alfabetizados e 6,1% analfabetos. Os jovens também eram maioria: Quase 30% tinha entre 18 e 24 anos e 25,3% entre 25 e 29 anos. Neste contexto o comércio ilícito de entorpecentes aparece em segundo lugar de incidência (atrás dos crimes patrimoniais) atingindo 24,43% da população carcerária em geral, e no que diz respeito à população carcerária feminina, é a principal causa de encarceramento, atingido 49,65% das presas7.
Nossa campanha presidencial não pode calar sobre este grave problema prisional, que é também de direitos humanos e de segurança pública. É preciso apresentar um conjunto de propostas que comece apontando para o fim da chamada guerra às drogas. Esta guerra às drogas é hoje o mais poderoso instrumento de criminalização da pobreza e de instigação ao racismo. Este fato pode ser percebido claramente no recente episódio da repressão ao tráfico na cracolândia, em São Paulo, onde os dependentes foram brutalmente atacados pela polícia de Alckmin, em nome da repressão ao tráfico. A morte de Amarildo, Cláudia e DG, dentre tantos outros, também é resultado da guerra às drogas. Ela legitima a violência e as violações aos direitos humanos cometidas pelo próprio Estado contra os pobres, normalizando as mortes dos traficantes, ou dos supostos traficantes.
E nos presídios, lugar reservado aos descartáveis, reina a barbárie, como vimos de forma mais aguda no Maranhão, Estado governado há décadas pela família Sarney, à qual o PT deu fôlego ao chegar no poder. A sociedade se chocou com a violência em Pedrinhas, mas é hora de refletir por que se chegou a este extremo. É hora de parar o clamor por encarceramento e aumentar o clamor por direitos.
Está cada vez mais evidente que os efeitos negativos agregados da criminalização e do proibicionismo são muito superiores às consequências do uso ou do abuso das drogas ilícitas. Dos 50 mil homicídios dolosos anuais, grande parte relaciona-se ao tráfico de drogas, seja fruto das disputas entre os traficantes, seja do enfrentamento da polícia com os mesmos. E há, ainda, os mortos “por engano”. Sabe-se também que a corrupção policial é alimentada pelas oportunidades de negócios ilícitos que o comércio clandestino propicia. E ainda há que somar os custos financeiros e humanos impostos pelo sistema penitenciário, assim como os gastos com as instituições de segurança e de justiça criminal, cujas energias são em boa parte consumidas com essa vasta problemática.8
Muito embora insuficiente do ponto de vista da desestruturação do tráfico e de todas as suas consequências, a descriminalização da maconha é um inegável passo adiante. O Uruguai é o primeiro país da América Latina a legalizar o uso, plantio e venda da maconha. O consumo já não era mais crime há muitos anos e a principal preocupação do governo foi impedir o narcotráfico de seguir dominando o mercado.
Nossa proposta deve ser que o Brasil siga a trilha aberta pelo Uruguai, tomando o exemplo da nova legislação dos nossos hermanos para construir a sua própria regulamentação em relação ao comércio, plantio e uso da Cannabis Sativa. O projeto apresentado pelo nosso deputado Jean Wyllys é uma excelente proposta para iniciar o debate com a sociedade.
1 César Benjamin, Súmula 1.
2 Fattorelli, Maria Lúcia. Auditoria Cidadã da Dívida Pública- Experiências e Métodos. 2013.
3 Pags. 174, 175
4 Folha de SP, 28/10/2013. Pág. A14
5 Súmula 2
6 César Benjamim, Súmula 2
7 Carvalho, Salo de. A Política Criminal de drogas no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. Pág. 255
8 Resumo dos argumentos apresentados por Luís Eduardo Soares em palestra na abertura da conferência que celebrou os 58 anos da FIOCRUZ, em 10 de setembro de 2012, intitulada “Contra a drogafobia e o proibicionismo: dissipação, diferença e o curto-circuito da experiência”.