Foto: Samir Oliveira
Foto: Samir Oliveira

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa realizou nesta quarta-feira (19/10), por proposição da deputada Luciana Genro (PSOL), uma audiência pública sobre as condições de trabalho do policiamento ostensivo da Brigada Militar. O comandante-geral, coronel Cláudio dos Santos Feoli, esteve pessoalmente presente, além de associações de brigadianos e de advogados que atuam na defesa dos praças.

A deputada solicitou a audiência após receber diversos relatos de soldados e sargentos que indicam a existência de condições inadequadas, ou até mesmo desumanas, de trabalho. Os relatos vão desde a falta de pessoal e de previsibilidade entre as jornadas, até abuso de autoridade e perseguição. As denúncias também indicam uma jornada de trabalho inadequada no policiamento ostensivo, na modalidade de permanência em lugar fixo – o chamado PB, ou posto base. Dentre as denúncias, uma pessoa enviou uma imagem de soldados em pé na chuva, mesmo com uma viatura disponível ao lado. Luciana Genro também recebeu foto de um soldado com uma garrafa contendo a própria urina, já que nessa modalidade de trabalho, ele está sozinho e só pode se ausentar para ir ao banheiro se for rendido por outro militar, o que nem sempre é possível.

“Faço esse apelo ao Comando de repensar junto aos oficiais a forma como estão se relacionando com seus soldados ou sargentos,” disse a deputada Luciana Genro. (Foto: Celso Bender | Agência ALRS)

“Como vamos querer que o policial respeite os direitos humanos da população se ele não é respeitado como profissional? O respeito aos policiais vai refletir em uma melhor relação entre a comunidade e a polícia, sem promoção de violência. A norma técnica precisa ser respeitada, sem abuso e sem perseguição. Isso é o básico para que a instituição funcione,” cobrou.

A deputada elaborou um dossiê com as denúncias e o enviou ao Comando-Geral da Brigada Militar. Dentre os relatos, os policiais apontam que em escalas de trabalho a pé (PB ou Posto Base) não há rotina, cada dia estão em um horário diferente; há casos de policiais que ficam sozinhos e expostos por horas, o que os coloca em risco; escalas de trabalho extenuantes a pé com quase 10kg de equipamentos no corpo, sem poderem entrar nas viaturas mesmo quando chove; de momentos em que foi exigido que o policial fosse rendido por outro para poder usar o banheiro ou se alimentar, fazendo com que algumas vezes fosse necessário urinarem em garrafas; de policiais que não puderam retornar ao batalhão para se agasalhar em dias de frio; de intervalos muito curtos tanto dentro dos turnos quanto entre os turnos, como casos de policiais trabalhando até as 23h e tendo que entrar no outro dia às 6h; de jornadas de 12 horas; de 40 dias sem folga; entre outros relatos.

Além disso, a parlamentar está denunciando ao Comando-Geral da Brigada Militar supostas práticas abusivas que estariam sendo adotadas em treinamentos da corporação, com uso de spray de pimenta no próprio rosto dos policiais. Luciana Genro recebeu relatos que soldados estariam sendo algemados e recebendo spray de pimenta na cara durante habilitação para uso deste tipo de equipamento.

Outra denúncia feita pela deputada diz respeito à situação de sargentos e soldados que estão realizando cursos de formação, que também pontuaram a existência de uma rotina extenuante que não permite tempo hábil sequer para manter o fardamento em dia, pois as aulas são realizadas em cidades onde os policiais não residem. As horas de trabalho nestes locais são extremamente longas e os intervalos para voltar para casa são totalmente insuficientes para pegar a estrada, não dando tempo sequer de lavar e secar a farda para usar no retorno ao serviço. Os alunos reclamam, ainda, que a quantidade de serviço que são obrigados a fazer tem excedido o tempo dedicado às aulas e aos estudos.

“Estamos enfrentando problemas históricos e prospectando um futuro melhor pra toda instituição,” comentou o comandante Geral da Brigada Militar, Cel. Feoli. (Foto: Celso Bender | Agência ALRS)

O comandante Geral da Brigada Militar, Cel. Feoli, admitiu que algumas situações existem e “são consideradas anomalias” e se comprometeu em buscar uniformidade de tratamento em todos os batalhões.

“Reafirmo que nós temos o compromisso de estarmos juntos com a tropa, de fazermos uma mudança de cultura institucional. Eu tenho passado nos comandos regionais deixando claro que nosso policial tenha devidas condições de trabalho. Estamos enfrentando problemas históricos e prospectando um futuro melhor pra toda instituição,” comentou Feoli.

Advogados que atuam na área militar, em casos como as denúncias recebidas pela deputada, destacaram que o policial não está se negando a cumprir com suas tarefas, mas que é urgente que os direitos humanos e básicos destes profissionais sejam respeitados. Afirmaram que o abuso de autoridade dos oficiais sobre os praças é, sim, uma problemática a ser vencida institucionalmente.

Maria Vicência Barbosa contou que, enquanto advogada que defende esses profissionais, já passou pessoalmente pelo uso do poder discricionário dos oficiais. Afirma que eles disseram que ou ela parava de defender seus clientes, ou os soldados seriam punidos retroativamente.

A advogada Maria Vicência Barbosa contou que, ao desempenhar seu papel profissional, passou pessoalmente pelo uso do poder discricionário dos oficiais. (Foto: Divulgação ALRS)

“Eles cometem abusos que infringem a própria lei da Brigada Militar. Há pouco tempo fui ameaçada por oficiais em uma reunião dentro da BM. Nesse momento vi a situação dos seres humanos soldados que entram na Brigada com o coração aberto para defender a população e dentro da instituição se sentem indefesos pelos pares, aqueles que são colegas de trabalho,” relatou.

Giliar Pires já atuou na Brigada Militar de 2009 a 2017, como soldado. Mas deixou a corporação e passou a atuar na área do direito militar para, em suas palavras, seguir lutando por seus colegas de farda. Ele ressaltou a necessidade de buscar condições adequadas para que os soldados possam proteger a sociedade de forma eficiente e que sejam respeitados enquanto trabalhadores.

“É preciso uma mudança radical e profunda nas escolas de formação para que os policiais saiam capacitados como agentes de direitos humanos que são,” afirmou o advogado Giliar Pires. (Foto: Divulgação ALRS)

“É preciso uma mudança radical e profunda nas escolas de formação para que os policiais saiam capacitados como agentes de direitos humanos que são. O policial é o primeiro agente de direitos humanos da sociedade, é ele que vai atender a pessoa que teve seus direitos humanos violados e é em espaços como essa audiência pública que conseguimos, efetivamente, uma transformação,” destacou o advogado.

Luciana Genro finalizou afirmando que, ao que parece, existem duas Brigadas, a dos soldados e a dos oficiais, uma vez que o tratamento recebido pelos oficiais e o tratamento recebido pelos soldados e sargentos é completamente diferente. Pontua que se os policiais são treinados de forma violenta, isso reflete diretamente no tratamento que dão à população e que defender melhores condições para os praças significa defender uma segurança pública de qualidade para toda a sociedade.

“Faço esse apelo ao Comando de repensar junto aos oficiais a forma como estão se relacionando com seus soldados ou sargentos. Vamos humanizar essa relação dentro da Brigada Militar. Pelo bem da sociedade vamos trabalhar juntos para garantir que a instituição responda às expectativas da população e dos policiais militares, seus trabalhadores,” afirmou a deputada, reafirmando o compromisso em defesa dos praças.

Luciana Genro reafirmou o compromisso em defesa dos praças. (Foto: Celso Bender | Agência ALRS)