Por Luciana Genro, advogada e deputada estadual do PSOL-RS.
A mobilização deste dia 11 de agosto é um marco no enfrentamento ao golpismo bolsonarista. O ex-capitão, que foi expulso das Forças Armadas, quer se reeleger para dar sequência à sua tentativa de transformar o Brasil numa ditadura. Defensor da tortura, misógino, racista e LGBTfóbico, Bolsonaro é o que de pior o regime político brasileiro produziu. A naturalidade com que ele defende a tortura e o fechamento do Congresso e do STF para concentrar poderes na sua própria pessoa é resultado de múltiplos fatores que não podemos deixar de mencionar neste momento em que nos somamos a diferentes setores políticos e classes sociais contra o golpismo.
O Brasil é um dos países mais atrasados na América Latina na aplicação da Justiça de Transição – isto é, de medidas de reparação, verdade e justiça em relação aos crimes da ditadura militar. Em 2011, derrubando uma ADPF proposta pela OAB, o STF chancelou, com o apoio ativo do Procurador-Geral da República, o entendimento de que a lei da anistia não permite a persecução penal dos agentes públicos que perseguiram, torturaram e mataram opositores do regime durante a ditadura iniciada com o golpe de 1964. Este foi um dos episódios que jogaram luz sobre a transição negociada pelo alto que possibilitou o fim da ditadura sem que emergisse uma democracia real.
A extrema direita ressurge com força através da figura de Bolsonaro porque esta democracia racionada que foi conquistada em 1984 não entregou o que prometeu. A Constituição de 1988, que hoje temos que defender frente aos arroubos golpistas da direita, só é verdadeiramente cumprida nos artigos em que garante a propriedade privada (não para todos) e a liberdade econômica para a exploração do trabalho (de quem consegue um).
As instituições deste regime comandado e a serviço do poder econômico são uma conquista democrática frente às trevas da ditadura, mas de forma alguma são expressão de uma democracia real. E é na falta desta que setores do povo acabaram vendo na negação da institucionalidade expressa por Bolsonaro uma esperança de dias melhores, sem corrupção, sem uma justiça elitista que decide em causa própria (como vimos hoje com a decisão do STF de aumentar os salários dos seus ministros num momento em que a fome volta a assolar milhões), sem um Parlamento que protege interesses escusos através de emendas secretas e leis que garantem os interesses dos de cima e castigam os de baixo.
Esta constatação nos obriga a, ao mesmo tempo em que nos somamos aos esforços plurais para impedir o avanço reacionário e golpista, lutar pela criação de um corpo político independente que apresente, lute e mobilize por uma proposta de institucionalidade radicalmente diferente desta que somos obrigados a defender para impedir o retrocesso. Não é na defesa do status quo que iremos nos encontrar com a legítima indignação de amplas parcelas do povo que não se sentem representadas por esta democracia racionada, na qual o 1% mais rico ganha quase 40 vezes mais que os 50% mais pobres ou em que os 10 clãs mais ricos do Brasil concentram um patrimônio de R$ 400 bilhões de reais.
É nesta dialética que nos encontramos neste momento em que enfrentaremos uma eleição polarizada por Bolsonaro e Lula, na qual este último é o instrumento escolhido pela maioria do povo para derrotar o obscurantismo da extrema direita. Caminhamos com Lula contra Bolsonaro, apostando no desenvolvimento das lutas dos estudantes, da classe trabalhadora, da luta feminista e antirracista para derrotar o golpismo e desenvolver uma alternativa de poder a serviço da maioria do povo.