Dando seguimento às reuniões desta segunda-feira (30) da Comissão de Representação Externa que acompanha as investigações do incêndio do prédio da SSP, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) ouviu representantes da Associação de Bombeiros do Rio Grande do Sul (ABERGS), do Instituto Geral de Perícias (IGP), do Sindicato dos Arquitetos (SAERGS) e o dos Engenheiros (SENGE), do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS) e do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).
Como coordenadora da Comissão, Luciana Genro questionou as entidades técnicas e bombeiros sobre a rapidez com que o fogo consumiu o prédio, bem como que medidas poderiam ser tomadas para evitar que tragédias desse porte se repetissem. “É preciso uma fiscalização externa e ao mesmo tempo buscar soluções que venham a contribuir para que esse tipo de tragédia não se repita. Vamos trabalhar para produzir um relatório que avance o máximo possível dentro dessas circunstâncias, aproveitando todos os elementos que vocês nos trouxeram para fazer alguma proposta que ajude a minimizar os riscos e tragédias no futuro,” disse a deputada.
O coordenador-geral da ABERGS, tenente-coronel Ederson Franco, pontuou a necessidade de revisão na legislação de prevenção de incêndios e afirmou que a entidade busca a elucidação da tragédia da SSP. Ele destacou que infelizmente medidas preventivas estruturais somente são pensadas com seriedade quando ocorrem esses eventos, bem como a atenção ao Corpo de Bombeiros e suas estruturas.
A major Cristiane Nunes, coordenadora de secretariado da ABERGS, pontuou que é prematuro apontar algumas questões, uma vez que a entidade não teve acesso aos documentos que permitiriam uma análise mais técnica das investigações que estão em andamento. Ela reforçou a revelação já feita pelo comando dos Bombeiros e confirmada pela Polícia Civil de que o sistema hidráulico de prevenção do incêndio da SSP estava inoperante, não sendo disponível para uso imediato de combate ao incêndio.
O coordenador-adjunto da ABERGS, sargento Ubirajara Ramos, lembrou que atuou junto aos dois bombeiros que perderam a vida no combate ao incêndio da SSP e destacou a preocupação – como profissional e representante de uma entidade – com a falta de políticas públicas voltadas para o Corpo de Bombeiros, que mais do que proteger o patrimônio tem como missão preservar vidas.
“Sabemos que a instituição tem feito o melhor na aquisição de materiais, mas ainda faltam equipamentos para a corporação. Existe a falta de políticas no âmbito da segurança pública que contemplem o Corpo de Bombeiros. É preciso mecanismos eficazes para salvar vida, manter patrimônios e proteger os bombeiros enquanto trabalhadores,” explica Ubirajara. O sargento destacou ainda a necessidade de pensar questões de assistência psicológica aos profissionais.
A diretora-geral do Instituto-Geral de Perícias, Heloisa Kuser, lembrou que a área administrativa do IGP estava no prédio que foi consumido pelo fogo. Ela explica que o IGP conta com uma equipe de engenheiros especializados na área de incêndios, que estão trabalhando no laudo, que ainda não pode ser divulgado. “O laudo pericial geralmente é demorado, pois é uma pesquisa técnica. Não podemos divulgar informações que deem prejuízo ao trabalho de investigação. Nosso laudo complementa a investigação feita por quem preside todo o inquérito, nesse caso, o delegado,” informou.
Também falando pelo IGP, Alvaro Bitencourt explicou que a equipe que está realizando a perícia é multidisciplinar, contando com engenheiros civis, metalúrgicos, químicos e eletricistas, que buscam entender tecnicamente o que aconteceu no incêndio da SSP. A previsão é de que o laudo da perícia seja finalizado em mais de 30 dias.
“Imaginem que um vestígio de incêndio é muito sutil e os vestígios foram se misturando com o desabamento do prédio. É uma busca muito difícil, em função do risco que o prédio nos impõe. Ainda aguardamos alguns documentos para avaliar as hipóteses e dados. Essa fase é de muita discussão das questões técnicas e por isso ainda é muito preliminar qualquer avaliação técnica sobre o incêndio e o desabamento do prédio,” salientou.
Marcelo Mazzuco, engenheiro e perito criminal do IGP, complementou dizendo que esse trabalho é meticuloso, já que um desastre é multifatorial, sendo um somatório de várias questões que acontecem para que desencadeie um colapso total da estrutura. “Seguiremos apurando as hipóteses e confrontando elas com os documentos. Geralmente não se projeta uma estrutura para resistir eternamente a um incêndio, mas existe um tempo mínimo de resistência ao fogo para cada tipo de estrutura. É multifatorial, como o uso da edificação, a quantidade de material combustível dentro do prédio, possíveis patologias existentes na estrutura e o próprio dimensionamento da estrutura. Mas essa análise está sendo feita, é algo em que estamos trabalhando bastante,” disse.
A presidente do CREA-RS, engenheira Nanci Walter, ressalta que é preciso ter bastante cuidado ao apontar o dedo para um culpado, especialmente em casos que envolvem vítimas. “Temos que aguardar o resultado da perícia, ter muito cuidado de falar de sistemas técnicos, de onde foi o problema, porque levou tão pouco tempo. Que a gente possa aqui construir e ver mais saídas, evitando que aconteçam acidentes como esse. Agora identificar e apontar o que aconteceu depende de muita responsabilidade e esperar o laudo conclusivo do IGP”, salienta.
Nanci destaca, ainda, que as entidades devem aproveitar a oportunidade e discutir o PLC 39, que tramita na Assembleia Legislativa e versa sobre alteração da Lei Complementar n.º 14.376, que estabelece normas sobre Segurança, Prevenção e Proteção contra Incêndios nas edificações e áreas de risco de incêndio no estado.
O engenheiro João Leal Vivian, representando o SENGE, retomou a antiga luta das entidades pela criação de um mecanismo similar a um Termo de Ajuste de Conduta, um modelo alternativo para avanços e soluções para efetiva aplicação de segurança contra incêndios. “De certa forma as flexibilizações estão sendo baseadas em justificativas econômicas e ideológicas. Mas entendemos que temos aspectos técnicos por a legislação ser prescritiva. Precisamos discutir modelos por desempenho baseados em engenharia de segurança contra incêndios, mantendo o compartilhamento de responsabilidade,” salienta João.
Assessor institucional do CAU, Fausto Leiria frisou que a tragédia poderia ter sido ainda pior, se tivesse acontecido no horário de expediente e os trabalhadores estivessem no local, e disse que não é possível aceitar que de maneira “irresponsável e eleitoreira” esteja se propondo algo como o PLC 39.
“A saída dessa situação só tem um caminho: que é o caminho técnico. Na hora que pega fogo, quem vai combater são os bombeiros. Quem pode entender e projetar algo adequado para evitar que as tragédias se repitam são os engenheiros e os arquitetos. Não podemos tratar da vida humana com essa irresponsabilidade de um jogo entre oposição e situação. Isso é um absurdo!” afirmou, sugerindo a criação de uma subcomissão para discutir todos os projetos que envolvem a Lei Kiss e o PLC 39 em bloco.
Para o presidente da SAERGS, Evandro Medeiros, é urgente falar da presença técnica na discussão do PLC 39 no Legislativo, como foi feito quando a Lei Kiss foi criada. O arquiteto entende que, no momento em que se defende tanto a ciência, é preciso utilizar-se da ciência também para pensar a segurança. “A gente tenta prevenir, combater com equipamentos dentro da edificação, evitar a propagação. Mas ao chegar no local é preciso que os bombeiros possam atuar com segurança. Queremos liberar as edificações ou tornar elas seguras contra incêndio? Não se deve priorizar o alvará, mas a segurança contra incêndios,” finalizou.