A Frente Parlamentar em Defesa da Moradia Digna da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, coordenada pela deputada Luciana Genro (PSOL), realizou uma audiência pública nesta quinta-feira (10) para tratar da regularização fundiária de ocupações urbanas localizadas em áreas públicas de Porto Alegre. A deputada abordou o caso da ocupação Dois de Junho, localizada no Centro, que abriga 50 famílias há 25 anos e agora tenta negociar a compra do imóvel com o governo do estado, a partir de sugestão da advogada dos moradores, Clarice Zanini.
No encontro, representantes da prefeitura de Porto Alegre trouxeram informações a respeito de um mecanismo utilizado nos casos de negociações de prédios públicos ocupados que reduz em 60% o valor a ser pago pelo imóvel por parte dos ocupantes. No caso do governo estadual, Luciana Genro explicou que o preço pedido pelo imóvel da Dois de Junho é extremamente elevado. “É muito importante essa redução de 60% para ocupações em áreas públicas onde os moradores querem adquirir imóveis. Fomos motivados a fazer esse encontro pela situação da Dois de Junho, porque a oferta que o governo fez está incompatível com as condições do prédio e do próprio preço de mercado”, colocou a deputada.
A diretora-adjunta do Departamento Municipal de Habitação (Demahb), Simone Somensi, relatou que a perspectiva de buscar resolver as disputas fundiárias surgiu no Centro Judiciário de Solução de Conflitos (Cejusc), em um grupo instituído pelo Tribunal de Justiça para tratar de questões fundiárias urbanas. “No momento em que temos a proposta do município e a concordância dos moradores, criamos projetos de lei específicos pra autorizar a venda para aquela comunidade. A primeira coisa é o valor da área, partimos de um laudo de avaliação que tem uma série de pressupostos para atribuir o valor. Temos conseguido chegar a valores que sejam compatíveis com o valor de um lote irregular. Existe um setor da secretaria da Fazenda que elabora esses laudos”, explicou.
Duas representantes da Secretaria da Fazenda explicaram tecnicamente como funciona a obtenção dos laudos e a redução de 60% no valor do imóvel. “Por estudos anteriores, a gente concluiu que um imóvel ocupado irregularmente tem 60% de redução sobre o valor do terreno, então a gente reduz 60% sobre a área atingida. Começamos a entender que poderia ser feita uma analogia nesse sentido. Então temos que avaliar o imóvel como ele está hoje em dia, que é ocupado irregularmente”, explanou Caroline Godoy, diretora da Divisão de Avaliação de Imóveis da Secretaria Municipal da Fazenda.
“Aplicamos um redutor da lei do IPTU por entender que faria uma analogia com a situação. Isso é baseado em instruções normativas e legislações tributárias que já têm anos, mas temos dados desde 2019 de imóveis que avaliamos para essa finalidade. Nosso primeiro insight era que o valor de mercado dele é reduzido por o imóvel estar ocupado, procuramos o entendimento da Procuradoria sobre aplicar essa previsão da lei do IPTU e concluímos que cabe e podemos usar o redutor por isso”, complementou Carla Felice, que é arquiteta e auxiliar técnica da divisão comandada por Caroline Godoy na prefeitura.
O caso da Ocupação Dois de Junho
Gilvandro Antunes, assessor do mandato da deputada Luciana Genro que acompanha a Frente Parlamentar em Defesa da Moradia Digna, explicou que a Dois de Junho é um dos casos em que a compra do imóvel é possível e é desejada pelos ocupantes, mas que o preço colocado pelo estado é impraticável. “O redutor que o estado ofereceu é de 25%, em cima de uma avaliação de um imóvel comercial. Estão querendo vender para os moradores de uma ocupação mais do que consolidada, com um redutor de 25% em cima de um prédio precarizado, sem levar em consideração que o prédio está ocupado há 25 anos”, contestou.
A justificativa do governo do estado para o preço fixado para o prédio da Dois de Junho seria de que o imóvel é comercial. Há um projeto para vender todos os imóveis do Estado e, nessa proposta, há a redução de 25%, a mesma que seria aplicada no caso da ocupação. “Eles estão propondo essa redução porque querem vender muitos prédios, não tem vínculo com o imóvel em si. Na prefeitura fazem uma análise individual, o estado disse que não fariam essa avaliação individual”, colocou a advogada Clarice Zanini, que representa os moradores.
Luciana Genro questionou às representantes da prefeitura se seria seria viável tecnicamente o poder público municipal aceitar este prédio como pagamento por dívidas e, então, fazer a regularização da venda aos moradores, aplicando o redutor que foi mencionado. Carolina e Carla informaram que seria necessário avaliar o caso na Secretaria da Fazenda e no Demhab. “Teria que passar por uma análise para ver se a prefeitura poderia aceitar imóvel ocupado. Se vier para nós, vamos fazer com todos os critérios que sempre utilizamos. Se o imóvel é comercial mas não está sendo usado com essa finalidade, não avaliamos assim”, assegurou Carla.
A deputada colocou que o objetivo da Frente Parlamentar é garantir que os moradores da Dois de Junho possam adquirir o imóvel a um preço que seja comprável para eles. A representante dos moradores, Eliane dos Santos, agradeceu à deputada por acompanhar e apoiar a ocupação há anos. “A gente fica muito triste com tudo que a gente vem ouvindo, da dificuldade que o estado tem de negociar com a gente. Desde o princípio a gente se organizou, se mobilizou e vem tentando dar um fim nesse processo que se arrasta há tanto tempo”, afirmou.
Juliano Fripp, do Conselho Regional pela Moradia Popular, observou que os prédios públicos devem ser cedidos para o povo quando estão desocupados diante do déficit de moradia que existe na cidade. Clarice Zanini lembrou que os moradores já resistiram a tentativas de reintegração e seguirão resistindo agora. “O direito a estar no centro da cidade não pode ser só de quem tem dinheiro”, colocou.