Os agentes comunitários de saúde (ACSs) e agentes de combate a endemias (ACEs) estão há meses enfrentando insegurança trabalhista e retirada de direitos em Porto Alegre. Esses profissionais, que atuam diretamente em contato com a população atendida pelas unidades de saúde, foram contratados a partir de concurso para o Imesf (Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família) em 2012 e não sabem qual será seu destino após o final deste ano, quando a prorrogação de seus contratos chega ao fim.
Para ouvir as demandas dos trabalhadores e articular ações, a deputada estadual Luciana Genro (PSOL), que coordena a Frente Parlamentar em Defesa dos Trabalhadores da Saúde, realizou uma audiência sobre o assunto nesta quarta-feira (16), onde estiveram presentes também os vereadores Roberto Robaina (PSOL) e Jonas Reis (PT). Além da insegurança quanto ao futuro, as profissionais também ficaram meses sem receber vale-alimentação – situação que agora já foi revertida pelos ACEs, mas se mantém para os ACSs – e recebem somente 20% de benefício de insalubridade, enquanto que para os outros trabalhadores da saúde o valor é de 40%.
“Essa categoria é composta em sua maioria por mulheres trabalhadoras, que têm vivenciado uma situação extremamente dramática. Desde que o STF decretou a extinção do Imesf, centenas de trabalhadores já foram demitidos. Os agentes de saúde e endemias não foram demitidos, mas estão com seus empregos na berlinda. Não sabem o que vai ser da sua vida depois de dezembro e vivenciam uma situação dramática em relação a sua remuneração”, explicou a deputada Luciana Genro.
A diretora do Sindisaúde, Raquel Trassante, relatou um pouco do histórico da luta dessas trabalhadoras. Em dezembro de 2019, teve início o processo que culminou na demissão de todos os trabalhadores do Imesf, o que aconteceu em dezembro de 2020 – exceto os ACEs e ACSs, cujo contrato foi prorrogado até 31 de dezembro de 2021. “Mesmo mantendo nossos trabalhos, nossa situação é extremamente precária. Não sabemos se vamos estar trabalhando no dia seguinte, não temos nenhuma segurança. Ficamos um ano sem vale-alimentação, e os ACSs permanecem, para nos obrigar a pedir demissão. E tudo isso enquanto trabalhamos durante a pandemia, inclusive já vieram agentes a óbito nesse período”, colocou Raquel.
Ela reiterou que, mesmo com tudo isso, os agentes seguem trabalhando, inclusive passando por assédio moral em algumas situações. Raquel avalia que é uma questão de vontade política não incorporar esses trabalhadores no quadro municipal fixo. O depoimento de Danielle Galdino, da Associação dos Agentes de Saúde de Porto Alegre, foi no mesmo sentido. “Onde eu trabalho, todos os trabalhadores ganham 40% de verba de insalubridade, mas nós ganhamos 20%. A prefeitura envia para nós apenas uma máscara por semana, então a gente não recebe nem a proteção devida, mas a gente segue trabalhando. Já estamos fazendo visitas em casa, porque já veio uma normativa determinando que podemos. Nós somos o elo da comunidade com o posto e vice-versa. E enquanto estamos recebendo e distribuindo os alimentos para a população, muitos colegas não têm alimentos para eles próprios”, relatou.
A coordenadora-adjunta do Conselho Municipal de Saúde, Ana Paula Lima, também fez coro às reivindicações e relatos anteriores, reiterando a posição da entidade de que o gestor municipal dê uma solução definitiva para a questão da atenção básica, o que inclui a situação dos agentes. “É inadmissível que em tempos de emergência de saúde pública, de enfrentamento à maior crise sanitária dos últimos 100 anos, não haja o mínimo de sensibilidade das gestões frente à importância da atenção básica e o papel fundamental que esses profissionais desempenham. Seria uma temeridade abrirmos mão dos trabalhadores que têm tamanha relevância”, afirmou.
O vereador Roberto Robaina, que vem acompanhando a questão juntamente com Luciana, lembrou das vitórias já conquistadas pelos trabalhadores da saúde do Imesf, incluindo a decisão judicial que devolveu o vale-alimentação aos agentes de endemias. Ele se colocou à disposição para seguir articulando as lutas das categorias.
O advogado Ramiro Castro, que representa a Associação dos Agentes de Saúde, explicou a situação jurídica das categorias, que é diferente dos outros trabalhadores do Imesf. “Há um permissivo constitucional, regulado posteriormente por lei, que permite a contratação direta de ACS e ACEs pelo município, algo que em outras categorias é muito mais controverso. Então há uma solução para a prefeitura no sentido de manutenção desses cargos por vários institutos jurídicos, o que inclusive já foi feito. Há possibilidade jurídica e necessidade social de manutenção desses trabalhadores”, expôs.
Quanto ao vale-alimentação, Ramiro colocou que há uma sessão de julgamento marcada para o próximo dia 24 que pode devolver o benefício aos ACSs. “A lei que criou o Imesf assegura o direito ao vale-alimentação, independente de acordo coletivo. Como o Imesf até o final do ano continua existindo pelos decretos municipais, deve ser restabelecido o vale enquanto durarem esses contratos. Ambas as ações têm o pedido de retroativo, e no meu entendimento a consequência lógica de restabelecer é de que deveria ser pago para todo o período”, acrescentou.
Busca por caminhos jurídicos para a manutenção dos empregos
A data próxima da sessão de julgamento também foi considerada uma vitória pelo representante da Procuradoria-Geral do Município, Iranildo Junior. A própria PGM foi responsável por pedir que o julgamento fosse realizado de forma urgente. Segundo ele, a maior dificuldade para a manutenção dos empregos dos agentes é a utilização do argumento de que eles realizaram concurso específico para o Imesf, e não para atuar diretamente na administração pública. Por isso, seria preciso encontrar formas de realizar essa transposição de forma juridicamente segura, o que está sendo estudado pela Secretaria Municipal de Saúde. “Mesmo que venha a ter essa lei de transposição, há um certo risco. O concurso público foi prestado para o Imesf, e é inegável que houve uma decisão que desaguou na declaração de inconstitucionalidade do Imesf, ou seja, a pessoa jurídica terá que ser extinta. Eventual transposição para a administração pública poderia ser questionada”, explicou.
Luciana Genro considera que o fato de haver um interesse da prefeitura em realizar esse estudo já é uma vitória, por significar que há interesse em buscar um caminho jurídico que represente maior segurança jurídica possível. Ramiro afirmou que a defesa dos agentes argumenta que o edital do concurso prestado em 2012 pelos ACEs e ACSs é assinado também pela Secretaria da Saúde e que o concurso a ser realizado pela administração direta seria o mesmo prestado por eles.
“Temos uma sinalização que havia sido dada pelo dr. Roberto Silva da Rocha (Procurador-Geral do Município) e o dr. Iranildo confirmou aqui, de que a prefeitura tem interesse em manter os agentes depois de dezembro, buscando uma solução jurídica para isso. Quem sabe a Câmara, a Assembleia e os advogados podem contribuir na elaboração dessa saída jurídica. Queremos que as pessoas mantenham seus empregos, mas também sabemos da importância de manter esse vínculo”, afirmou a deputada, destacando que que a demissão desses trabalhadores resultaria em prejuízos não apenas para as categorias, mas também para a população dos bairros. “Podemos também buscar a comunidade para que expresse para a prefeitura a importância dos agentes, para mostrar seu vínculo com os agentes comunitários de saúde e de endemias”, sugeriu como encaminhamento.