A deputada estadual Luciana Genro (PSOL) disse, nesta segunda-feira (10/05), que o governo Leite está fazendo “jogo de empurra-empurra” com os brigadianos ao não enviar para a Assembleia Legislativa um projeto com o plano de carreira dos militares estaduais de nível médio. A afirmação foi feita durante audiência pública que discutiu a modernização da carreira dos praças na Comissão de Segurança e Serviços Públicos, realizada por iniciativa de Luciana Genro e do deputado Luiz Marenco (PDT), e que contou com a audiência de mais de mil policiais em live realizada no YouTube.
Ao comentar as falas do comandante-geral da Brigada Militar, coronel Vanius Santarosa, do subsecretário de Segurança Pública, coronel Frota, e do secretário-adjunto da Casa Civil, Bruno de Freitas, a deputada apontou a ausência de encaminhamentos concretos e de respostas por parte do governo aos brigadianos. “Vocês estão enrolando a tropa. Cada um joga no colo do outro. O comandante diz que a responsabilidade é do secretário. O secretário diz que a responsabilidade é do comandante. Vocês estão fazendo jogo de empurra-empurra aqui pra deixar a tropa toda sentada esperando e não fazer nada”, criticou Luciana Genro.
A parlamentar pontua que a tropa está extremamente preocupada com a situação da sua carreira, que foi ainda mais precarizada com as retiradas de direitos nos últimos dois anos – quando os praças perderam a verticalidade salarial, ganharam mais um nível de soldado e passaram a ser descontados em sua aposentadoria.
“Há mais de um ano fiz pedido de informações do governo e o plano já estava elaborado e nas mãos do vice-governador. Esse plano ainda não foi enviado à Assembleia e é visível o desespero na tropa. O brigadiano não sabe se volta pra casa e ao mesmo tempo não sabe o que será dele no futuro, porque ele não tem uma carreira em que possa apostar. Temos que debater isso na Assembleia e atender esse pleito tão justo dos brigadianos de nível médio,” afirmou a deputada.
A audiência pública decidiu pela criação de uma comissão externa que estabeleça o diálogo sobre a pauta com os demais deputados, bem como com o governador e o vice-governador, de forma a encaminhar ainda este ano a modernização da carreira dos praças. “É preciso falar a verdade para a tropa: essa proposta está congelada pelo governo. Temos que fazer uma mobilização. Tensionar o governo, mostrar a insatisfação e as reivindicações dos policiais militares de nível médio, que estão na linha de frente”, reivindicou Luciana Genro.
Participação massiva da categoria
O presidente estadual da Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar (ASSTBM), Aparício Santellano disse que a modernização da carreira dos praças não irá gerar custos ao governo, e sim mais arrecadação.
A Brigada Militar é a única polícia militar do Brasil que não tem plano de carreira. A provocação foi feita pelo presidente da Associação de Praças Policiais e Bombeiros Militares do RS, soldado Tiago Rommel. “Precisamos de celeridade nas tratativas da modernização. O efetivo está cada vez mais pressionado internamente e externamente. A modernização, além de trazer dignidade, fará uma reparação histórica com os colegas que estão há muitos anos sem qualquer ascensão funcional,” disse.
Representando o grupo União dos Praças e também os veteranos da BM, Sidnei Moisés emocionou-se ao destacar que “não existe comandante sem tropa para ser comandada”. “Quando corremos atras é justamente para recuperar a dignidade que nos foi retirada nas últimas votações na Assembleia Legislativa. Não existe hierarquia e disciplina sem dignidade”, declarou o policial. Ele lembrou, ainda, que o efetivo está extremamente deficitário e isso sobrecarrega de uma maneira cruel os praças, ocasionando muitos problemas psicológicos e de ordem familiar para esse policial, impactando no alto índice de suicídios na categoria.
A morosidade do andamento da modernização do plano foi pontuada pelo presidente da Associação Agenda Brigada Unida, Kleuvis Rogerio Pierre Dornelles. “A tropa está doente, só não vê quem não quer. O salário está estagnado, não há plano de carreira que permita ascensão. A modernização da carreira nada mais é do que um acerto em algo que não está indo bem. Está na hora de colocar a mão na consciência e pensar mais no praça, no servidor público como um todo”, desabafou.
José Clemente da Silva Corrêa, Presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Brigada Militar (ABAMF) apontou a profunda tristeza da categoria ao saber que a proposta, entregue pessoalmente ao governador em 2019, segue congelada e destacou que falta organização e vontade política do governo.
“Há mais de dois anos está tramitando a nossa proposta, que reuniu entidades, discutiu com comando, houve alinhamento, construção política de proposta que comprovadamente estamos apresentando ao governo. Nós estamos cansados de pedir por favor ao governo, que pelo menos mantenha um diálogo. Causa espanto o governo comemorar menos índice de violência e ao mesmo tempo não enxerga o que acontece nas entranhas da Brigada Militar”, expôs.
Roberto Jose Larrossa, presidente da Associação dos Oficiais Estaduais do Rio Grande do Sul (AOFERGS), também manifestou o apoio dos associados ao plano de modernização e destacou que os trabalhadores da Brigada Militar estão sendo atordoados com desgaste mental enquanto deveriam estar focando nas atividades de policiamento. Afirmou ser fundamental que se pense, ainda, uma carreira de nível superior, com ascensões que deem autonomia e desempenho para devolver à sociedade qualidade na prestação de serviço.
O que diz o governo
O projeto de modernização da Brigada Militar foi entregue ao governador Eduardo Leite em agosto de 2019, contendo mais de 200 páginas impressas e arquivo digital explicativo de uma proposta construída coletivamente entre comando da BM e entidades representativas. De toda forma o secretário-adjunto da Casa Civil, Bruno de Freitas, explicou que oficialmente e tecnicamente o plano de carreira ainda não chegou à pasta. Se dispôs a ouvir os argumentos apresentados pelas instituições presentes e ponderar o diálogo com o governo, considerando a visibilidade orçamentária das propostas.
O comandante-geral da Brigada Militar, Coronel Santarosa, discordou quando a desvalorização dos policiais foi citada. “Precisa trabalhar na modernização para dar um horizonte na carreira dos praças, mas a BM valoriza a tropa, sim, dentro dos seus planejamentos, oferecendo equipamento, instrução e treinamento. Dizer que a tropa está doente é uma falácia. A tropa pode estar insatisfeita, mas doente não. Essa não é a causa que tem surgido nas investigações dos casos de suicídios na tropa”, declarou.
Finalizando, o subsecretário estadual de Segurança Pública, coronel Marcelo Gomes Frota, destacou a importância do trabalho dos brigadianos, que chamou de heróis gaúchos, todavia argumentou que o processo legislativo possui algumas fases, não podendo ser iniciado a partir de apresentações ou entregas individuais. “Temos que respeitar a Brigada Militar e o Corpo de Bombeiros, que são capazes de fazer todas as prospecções necessárias. O fato é que o comandante-geral, nomeado pelo governador, tem toda legitimidade para se colocar favorável ao projeto de modernização, mas nós precisamos receber formalmente esse projeto para que possamos encaminhar”, disse Frota.
Insatisfação com a carreira
Recentemente, o Departamento Administrativo da Brigada Militar realizou um censo entre os 18 mil integrantes da corporação. A pesquisa revelou que 77% dos brigadianos de nível médio disseram estar insatisfeitos com a carreira, dos quais 34% disseram estar muito insatisfeitos. Quase metade da tropa (46%) está insatisfeita com a remuneração que recebe e pelo menos 23% dos entrevistados relevaram que desejam mudar de profissão.
Quando foi divulgado, em dezembro de 2020, o censo revelou que o efetivo da corporação era de 17.952 pessoas, das quais os soldados representam a imensa maioria: 12.385 homens e mulheres, o que corresponde a 68,98% da Brigada Militar.