Manifestações pela morte de George Floyd ocorrem em diferentes partes do mundo, como em Barcelona, na Espanha | Foto: Pedro Mata/Fotomovimiento
Manifestações pela morte de George Floyd ocorrem em diferentes partes do mundo, como em Barcelona, na Espanha | Foto: Pedro Mata/Fotomovimiento

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Matéria originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 05/06/2020

Maior exposição a trabalhos essenciais explicaria mais mortes entre minoria pela Covid-19

Fernando Canzian
SÃO PAULO – A violência policial que detonou os protestos nos Estados Unidos pode ser a face mais visível do racismo no país, mas as relações entre brancos e negros são marcadas também por uma profunda desigualdade social.

No início da pandemia da Covid-19, chamou a atenção nos EUA o fato de a taxa de mortalidade entre negros ser quase o dobro em relação à dos brancos.

Afastadas as especulações médicas iniciais, uma das principais conclusões é que parcela desproporcional de trabalhadores negros teve que continuar trabalhando em entregas, fábricas de alimentos, supermercados e demais setores essenciais que pagam salários mais baixos.

Essa exposição maior ao vírus teria contribuído para que cerca de 23% dos óbitos pela Covid-19 fossem de negros, embora eles representem menos de 13% da população.

Como agravante, a proporção de negros sem acesso a planos de saúde é próxima a 10%, quase o dobro da registrada entre brancos não asiáticos ou latinos.

Pesquisa do Pew Research Center revela que 44% das famílias negras tiveram perda de empregos ou salários durante a atual pandemia. Entre os brancos, essa taxa foi de 38%. Mesmo antes do coronavírus, o desemprego entre negros já era o dobro em relação aos brancos.

Trabalhando em atividades mais mal remuneradas, as famílias norte-americanas negras obtêm uma renda anual que não chega a dois terços daquela das brancas: US$ 41 mil (R$ 205 mil) ante US$ 71 mil (R$ 355 mil), respectivamente.

Segundo o Economic Policy Institute, a diferença salarial entre brancos e negros acentua-se desde os anos 2000, mesmo entre pessoas com nível educacional semelhante.

Ano após ano, essa disparidade fez com que, em termos de riqueza acumulada (imóveis e investimentos), os brancos tenham dez vezes mais patrimônio do que os negros.

Parte disso também é reflexo da dificuldade maior que os negros têm em obter financiamentos para imóveis residenciais, empréstimos para novos negócios ou refinanciar dívidas.

A proporção de famílias negras com riqueza zero ou negativa (quando há dívidas maiores do que o patrimônio) subiu de 8,5% para 37% entre os anos 1980 e 2016. Já a fatia de famílias latinas com patrimônio líquido zero ou negativo diminuiu 19%.

No período, 40% mais latinos puderam comprar casas próprias; e 45% de suas famílias têm hoje uma residência. Entre os negros só 44% têm casa própria, proporção que aumenta para 72% entre os brancos, segundo o relatório Racial Wealth.

Os últimos 40 anos também coincidem com uma forte estagnação da renda dos mais pobres nos EUA e de um brutal aumento dos rendimentos dos 10% e do 1% mais ricos, majoritariamente brancos.

Em 2018, por exemplo, apenas quatro negros e dez latinos apareceram listados como executivos da Fortune 500.

Também em nenhum outro país do mundo houve uma inversão tão intensa da distribuição de renda como nos EUA das últimas décadas, levando a uma estagnação ou perda de renda proporcionalmente maior para os negros.

De 1980 para cá, o valor médio dos rendimentos anuais brutos dos 50% mais pobres aumentou meros US$ 200 (R$ 1.000), para US$ 16,6 mil ao ano.

Ao mesmo tempo, a renda média anual bruta dos 10% mais ricos dobrou (para US$ 311 mil); e a do 1% no topo triplicou (US$ 1,3 milhão).