Carla Zanella, a Carlinha, teve lançada, no sábado, sua pré-candidatura a deputada federal pelo PSOL. Mulher, negra, cientista social, universitária de Direito, professora e militante do Juntos, Carlinha defendeu a periferia, a juventude, a negritude e as mulheres no seu discurso de pré-lançamento no evento no Centro Espírita de Umbanda, Amor, Caridade e Justiça Divina, na Cruzeiro, em Porto Alegre.
O manifesto de luta “Nada sobre nós, sem nós”, lançado no evento, foi lido pela universitária e slammer Julia Lourenço. Assinado pelo coletivo Juntos, o manifesto conta com apoios como Lucio Antonio Machado Almeida, autor do livro Direito Constitucional as Cotas Raciais, e Silvio Almeida, Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e autor do livro que encontra-se em pré venda: “O que é racismo estrutural?”.
O manifesto traz a importância de fazer brotar sementes de Marielle Franco em todos os lugares de nosso país, e a afirmação de que a política deve ser feita por mulheres, negros e negras e moradores da periferia. Aponta, ainda, que mulheres negras movem estruturas e que é fundamental que elas estejam ocupando todos os espaços, inclusive, o Parlamento. Além disso, também traz dados das desigualdades que afetam a população negra e periférica – os baixos salários comparados com o da população branca, a falta de acesso e garantia à saúde pública, educação e emprego de qualidade e a violência letal que atinge os negros e negras.
Carla relembrou sua trajetória na militância, iniciada por meio do Juntos e na universidade, em 2012, e passando pelo junho de lutas em 2013. Hoje, seis anos depois, Carla se tornou uma referência política dentro do ambiente acadêmico, fortalecendo sua pré-candidatura à Câmara Federal.
— Queremos uma política com mais mulheres e homens negros, com mais gente próxima a nós no parlamento. Sabemos que quando um de nós sai de um lugar para ocupar a política, somos mortos, como aconteceu com a Marielle. Sabemos que só pelo parlamento a realidade não muda, mas nossos mandatos são focados em reforçar a luta do povo, em construir uma política com as nossas mãos e a nossa cara, da juventude, da negritude e da periferia. Nenhum lugar mais será inacessível para a nossa gente — ressaltou Carla.
Luciana Genro, uma das incentivadoras da candidatura de Carlinha, agradeceu a coragem da jovem em aceitar o convite para concorrer em um momento em que a população anda tão descrente no sistema político.
— A candidatura da Carlinha é um passo adiante e muito importante para o PSOL. A ousadia da Carla em aceitar nosso convite para ser candidata neste momento em que as pessoas estão enojadas com a política, para lutar com uma pauta em defesa das mulheres, da periferia e dos negros e negras, é de uma coragem muito grande. Porque, independentemente de quem vencer a eleição presidencial, haverá uma retirada dos direitos de quem historicamente já é perseguido — disse Luciana, emocionada.
Luciana citou ainda os trabalhos da Emancipa, ONG de educação popular da qual é presidente, da Emancipa Mulher, da qual Carla é uma das coordenadoras, e da Casa Emancipa Restinga, que oferece oficinas de dança, esporte e empoderamento para a população da região.
— Temos esse trabalho na Restinga, estamos ampliando para o Rubem Berta e plantando a semente na Cruzeiro, para que a população da periferia tenha cada mais vez e voz e espaço para fortalecer a luta na política.
Além de Luciana, estiveram presentes no lançamento o pré-candidato ao Senado pelo PSOL no RS, Romer Guex; Marcelo Rocha, chefe de gabinete do vereador e pré-candidato ao governo do RS, Roberto Robaina; o ativista e também pré-candidato a deputado federal Luciano Victorino, e Gilvandro Antunes, representando o deputado estadual Pedro Ruas.
Espaço de resistência
O Centro Espírita de Umbanda, Amor, Caridade e Justiça Divina, na Cruzeiro, onde foi o lançamento, foi fundado há 40 anos pela avó de Carla, Eva Moreira Alves e oferece assistência e atendimento espiritual a quem precisa. Hoje é administrado por sua tia Angela, pelo seu pai Paulo e pelo seu tio e padrinho Carlos, sendo um espaço de resistência das religiões de matriz africana.
— Minha avó, que era uma empregada doméstica, veio de Barra do Ribeiro para trabalhar aqui. E ela me ensinou o senso de comunidade e caridade. Estamos tendo que fechar mais cedo por causa da violência e não queremos mais ficar com armas apontadas para a nossa cara, quando tem operação policial no morro, nem ficarmos reféns do tráfico — destaca Carlinha.
Leia o manifesto na íntegra:
Nada sobre nós, sem nós
“Sempre nos falaram que era impossível para a negritude, para as mulheres, para a periferia, para a juventude, realizar o seu sonho de vivermos em um país de igualdade.
Os homens brancos engravatados que há 500 anos ocupam o poder se esforçam para nos ensinar que nosso lugar não é o centro, que a nós cabem os piores postos de trabalho, que as mulheres devem estar na cozinha e que a universidade é melhor nem tentar! As leis que eles criam é para nos matar, encarcerar, tornar certo que a gente deixe de lutar, facilitar que eles nos impeçam de sonhar, enquanto continuam a nos roubar.
E nós? Nós cansamos de seguir encenando a tal democracia, enquanto nas periferias segue tudo igual: negros e negras sendo 60% nos presídios, 71% dos mortos por armas de fogo! Mulheres recebendo 30% menos que os homens, e mulheres negras, só 30% do que recebem um homem branco. Assédio segue tratado como mimimi, e a normalidade é mulher silenciada por aqui, ali, mas a maior normalidade é a nossa força pra lutar!
Falta emprego, saúde, segurança, falta professor e até escola, o que não nos falta é coragem para enfrentar essa corja que de 4 em 4 anos se apresenta como esperança, mas que com as nossas vidas só fazem lambança, enquanto o bolso deles continua a engordar.
Nós já dissemos basta! Apesar deles, nós resistimos e insistimos em seguir escrevendo nossa história com nossas próprias mãos! Nós somos sementes de Marielle, mulher negra da periferia, que ousou dizer que não cabia mais que o 1% que domina a economia, fizessem da vida dos 99% uma guerra. Marielle moveu estruturas, mulheres negras movem estruturas, nós movemos estruturas e nosso caminho é seguir o exemplo de Marielle, não deixar que a voz dela seja silenciada jamais, derrubar as estruturas que nos oprimem, erguer novas estruturas nas quais nunca mais uma decisão sobre nós, será tomada sem nós.
Por essa razão, apresentamos Carla Zanella, Cientista Social, estudante de Direito da UFRGS, militante do Juntos e Coordenadora da Emancipa Mulher, jovem negra, da periferia de Porto Alegre, como pré-candidata a deputada federal, para dar a nossa cara ao parlamento, mas mais do que isso, para termos mandatos representativos, que sejam megafone das lutas sociais, para sermos sementes de Marielle e para usarmos nosso mandato para dar visibilidade a luta das periferias, das mulheres negras e da juventude.
Nosso manifesto é de sonho e de luta. É daqueles que ousam enfrentar os poderosos. Nossa ousadia vai invadir a política e ocupar o congresso, pois mais NADA SERÁ SOBRE NÓS SEM NÓS!”