*Artigo da economista e professa da USP, Laura Carvalho, originalmente publicado na Folha de São Paulo em 25/01/2018.
“Criando um futuro comum em um mundo fraturado”, diz o título do Fórum Econômico Mundial de Davos de 2018.
O encontro, que continua reunindo os principais representantes do poder econômico global, acontece em meio à crise cada vez mais evidente da globalização comercial e financeira promovida pelos países ricos nas últimas décadas.
O voto pelo “brexit” no Reino Unido, a eleição de Donald Trump nos EUA e a emergência de candidatos antissistema ao redor do mundo são alguns dos sintomas da rejeição crescente de uma parte cada vez mais expressiva da população mundial a um modelo que não tem satisfeito suas necessidades.
“Nossa inabilidade coletiva em garantir um crescimento inclusivo e preservar nossos recursos escassos coloca múltiplos sistemas globais em risco simultaneamente.
Nossa primeira resposta tem de ser desenvolver novos modelos de cooperação que não sejam baseados em interesses estreitos, e sim no destino da humanidade como um todo”, diz o criador do Fórum Econômico Mundial de Davos, Klaus Schwab, no site do encontro deste ano.
Em coluna publicada no jornal “Financial Times” de terça-feira (23) e reproduzida pela Folha Martin Wolf foi ainda mais claro: “A ordem liberal internacional está desmoronando, em parte porque não satisfaz as pessoas de nossas sociedades. Aqueles que participam de Davos precisam reconhecer isso. Se não gostam das respostas do sr. Trump —não deveriam gostar—, precisam oferecer respostas melhores”.
O relatório da Oxfam intitulado “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, divulgado na segunda-feira (22), aponta diversas diretrizes nesse sentido.
Para redistribuir a renda, o texto defende reformas tributárias progressivas e, em particular, a tributação de grandes fortunas, propriedades e heranças, o fim dos paraísos fiscais e o aumento dos gastos com a provisão de saúde, educação e assistência social universais.
Além disso, o relatório propõe a regulação maior do mercado de trabalho para aumentar o poder de barganha dos trabalhadores e elevar salários; o limite ao pagamento de executivos a 20 vezes o que recebe o empregado mediano das empresas; a menor distribuição de dividendos a acionistas e a defesa da concorrência para a quebra de monopólios.
As propostas estão em linha com o que têm concluído os estudiosos do tema ao redor do mundo: redistribuir a renda por meio da política fiscal não é suficiente para reverter a tendência de aumento da desigualdade observada nas últimas décadas nas maiores economias do mundo. É necessário atacar também a causa original da desigualdade, qual seja, a assimetria de poder entre trabalhadores e detentores de riqueza.
Uma boa notícia é, portanto, que as respostas que pede Martin Wolf já são amplamente conhecidas. A má notícia é que tais soluções não serão pactuadas em Davos.
Apesar dos discursos generosos, é difícil imaginar as grandes corporações ali representadas abrindo mão de promover guerras fiscais entre países para obter menores impostos ou de pressionar os governos por uma menor regulação trabalhista.
Felizmente, enquanto as urnas tiverem algum poder, ainda há boa chance de que plataformas de combate à desigualdade obtenham sucesso: a força cada vez maior de Bernie Sanders nos EUA e de Jeremy Corbyn no Reino Unido está aí de prova. Não é à toa, portanto, que a própria democracia vem sofrendo ataques das elites mundo afora —não é preciso ir muito longe para ver.