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Argentinos se mobilizaram para barrar votação de reforma da Previdência no país.

Israel Dutra, presidente do PSOL-RS

Enquanto em Brasília o governo anunciou que só vai colocar para votação sua proposta de reforma da Previdência no ano que vem, depois do Carnaval, as notícias da Argentina falavam mais alto. As fotos de centenas de milhares de trabalhadores rodeando o Congresso, na zona cêntrica de Buenos Aires, comoveram o mundo. E nos mostram um exemplo bastante próximo a ser seguido.

A sessão de ontem do Parlamento argentino foi cancelada, com alegada falta de quórum, por conta da massiva e combativa mobilização. Mesmo atrasados, os setores da burocracia sindical tiveram que ceder e convocar uma Greve Geral para sexta-feira, dia 15, caso a reforma fosse aprovada. O governo aproveitou o operativo militar montado para garantir a reunião da rodada da OMC no país e militarizou a sessão legislativa. Após horas de batalha de rua, finalmente foi anunciada a primeira vitória. A força da mobilização impedia a sessão. Não apenas os setores mais combativos fizeram um enfrentamento duríssimo com a polícia – que resultou em centenas de feridos e detidos pelas forças repressivas -, mas também os setores populares se cercavam e repudiavam os planos nefastos do governo.

Depois da batalha, com gases por todo lado e cercas derrubadas, havia cartazes onde se lia a consigna que ganhou as ruas: abaixo o roubo dos aposentados! O sentimento vitorioso, uma vez mais, demonstrou o ânimo de luta do povo argentino, forjado em combates desse tipo. Quem viveu o dezembro de 2001 que o diga.

Para nosso país, a lição de luta é direta. Apesar da pressão dos setores do mercado financeiro, plantando notícias de que o adiamento da votação pode rebaixar a nota das agências sobre a economia brasileira, o governo não teve força – ou seja, votos -, para colocar para votação da reforma da Previdência ainda em 2017.

Nossa batalha está em pleno curso. As lições da luta dos nossos “hermanos” argentinos são fundamentais para defender a nossa Previdência e quebrar a espinha dorsal do ajuste que os governos e grandes capitalistas querem fazer passar no Brasil e no continente.

Uma mesma luta, nossa e deles

A primeira lição é de que existe uma sintonia entre as classes dominantes dos países vizinhos para impor novas “reformas” que retirem direitos. A reunião da OMC, com a presença dos chefes de estado dos principais países latino-americanos, foi testemunha dessa visão de “reformismo permanente”, que querem enuciar os governos da nova direita. De reformismo, na verdade, não têm nada. São governos reacionários e a serviço da retirada dos direitos conquistados em muito tempo de luta. E precisam tocar em dois pilares fundamentais para reduzir o que chamam dos custos do trabalho, na verdade, ampliar a capacidade direta e indireta da força de trabalho da nossa classe.

Os dois pilares em questão: a desregulamentação das leis trabalhistas – já aprovada no Brasil – e a redução da cobertura da Previdência pública, tanto em idade quanto em recursos orçamentários. Ajustar essas duas medidas é a senha para ampliar a receita da austeridade “modernizadora” dos governos reacionários simbolizados em Macri e Temer.

Uma segunda lição é que esses governos precisam vencer uma batalha cultural para fazer valer suas propostas. Para tanto, precisam utilizar as desprestigiadas castas parlamentares, mas acionam também a grande imprensa como forma de impor uma narrativa positiva, com fim de construir uma hegemonia. Precisam mostrar uma farsa, vendendo a perda de direitos como algo inevitável para a modernização dos países, esgrimindo argumentos que vão desde o envelhecimento da população ao realismo orçamentário. E combinando esse dispositivo midiático-cultural com um giro repressivo por parte dos governos.

A Argentina de Macri está endurecendo o conflito contra o povo. O desaparecimento de Santiago Maldonado, como parte de uma verdadeira cruzada contra o povo Mapuche, se transformou num conflito emblemático. A repressão em Bariloche, que vitimou um jovem Mapuche, foi a continuidade dessa onda repressiva. Leis repressivas contra os sindicatos, prisões arbitrárias de ativistas, mandatos contra as direções combativas do movimento. Para aprovar suas leis impopulares, a burguesia está disposta a ir tensionando os regimes para uma linha mais repressiva. É necessário extrair essa lição também: quanto mais precisa impor medidas de austeridade, mais repressivo e antidemocrático vão se tornando os governos.

Apenas na força da classe trabalhadora podemos confiar, essa é uma lição fundamental que os argentinos estão fazendo valer. A linha das cúpulas sindicais burocráticas é de negociar e entregar direitos sem uma ação consequente, assim como vimos nos desmontes das greves gerais aqui no Brasil. E o exemplo do sindicalismo de base e combativo, fruto da cultura organizativa da classe trabalhadora argentina e do peso da esquerda militante, aponta também esse caminho.

De volta para o passado?

A burguesia não tem nada resolvido. Para voltar aos níveis de precarização e rebaixamento salarial dos anos 1990, precisa quebrar a relação de forças. A Argentina é um espelho para a América Latina. Macri, beneficiado pela crise do peronismo K, se apoiou nas classes médias urbanas para ter dar bases a uma linha mais reacionária. Sua vitória eleitoral de 22 de outubro parecia confirmar sua pose triunfalista. E todo um setor da centro-esquerda latino-americana atua agitando uma caracterização de que a força dos governos e da direita é quase instransponível, justificando assim a paralisia das correntes burocráticas e sindicais. A realidade demonstrou outra coisa.

Depois de uma série de crises, como a repressão aos Mapuches e o desastre do submarino Ara, Macri tentou habilitar sua proposta de reformas para ganhar tempo e dar o exemplo internacional. Ele precisa quebrar a espinha dorsal da classe para consolidar outro nível de relação de forças na sociedade. O que ainda não tem garantido. Não é fácil impor tais medidas.

Também no Chile a grande novidade da eleição presidencial foi a votação da Frente Ampla, com 20%, calcado na força do movimento em torno da defesa de uma Previdência pública, conhecido como No+Afp. E de alguma forma, mesmo o candidato moderado Guillier precisa acenar em diálogo com o programa que começa a ganhar força na sociedade chilena. Independente do resultado do segundo turno, a sociedade vai se polarizar a favor e contra os direitos previdenciários.

Por isso a burguesia brasileira quer calcular bem como votar a sua reforma. Quer evitar o que aconteceu no primeiro semestre, de uma greve geral massiva que acabou se impondo à revelia da vontade inicial de suas direções ou mesmo da ocupação de Brasília no dia 24 de Maio. Os efeitos da reforma trabalhista começam a ser sentidos na demissão de professores das universidades privadas, na imposição do trabalho intermitente em grandes redes de varejo e comércio e na verdadeira liquidação dos direitos dos servidores públicos – com parcelamento e congelamento de salários. O compasso de luta em 2018 vai estar medido pela defesa da Previdência e por sua disputa na opinião pública.

Os setores da centro-esquerda, que antes estiveram durante mais de década nos governos, tampouco podem responder. Eles também não podem voltar ao passado, com uma linha de compromisso social, onde a conciliação de classes caminha na direção contrária do cenário de maior polarização aberto nesse período. O que prima são os choques, enfrentamentos e combates, inclusive por fora das direções e setores tradicionais. E vale lembrar que Lula, Dilma e seus pares também fizeram ajustes duros contra o povo, como a reforma da Previdência de 2003, comandada pelo mesmíssimo Meirelles, que inaugurou o estilo social-liberal dos anos do PT no governo.

O futuro está nas mãos da esquerda radical. Se essa for capaz de fomentar a unidade na ação contra as reformas, ao mesmo tempo sendo fiel ao programa de defesa do público, do comum, em respeito às bases das delegações e representações dentro dos locais de trabalho. Se for capaz de buscar uma nova hegemonia, condizente com o programa e rejeitando a estratégia de conciliação de classes que condenou o “centro extremo”.

É possível vencer seguindo o exemplo do povo argentino

Aqui no Brasil existem forças reais para quebrar o discurso de Temer, Meirelles e da grande mídia, defendendo os direitos dos trabalhadores e a Previdência. As pesquisas de opinião apontam que a ampla massa da população é contra o projeto. E as reservas de força da classe foram colocadas em movimento na greve geral de abril e numa série de greves parciais e reivindicativas ao longo do ano.

A nova data sugerida por Maia e Jucá é dia 19 de fevereiro, passado o feriado de Carnaval. O movimento terá dois meses para intensificar a campanha, tendo a seu favor o fato de que os deputados voltam nesse período para suas cidades, ficando mais expostos para a chamada opinião pública. Esse é o temor do governo e do mercado. Devemos aproveitar esse caldo, inclusive o exemplo da Argentina, para fazer uma campanha intensa junto a sociedade como forma de esclarecer e informar ainda mais o caráter nocivo da reforma.

A tarefa da esquerda combativa, dos sindicatos, CSP Conlutas, Intersindical, movimentos sociais como MTST é aproveitar a brecha de tempo para preparar uma greve nacional caso o governo tente votar na Câmara dos Deputados. A linha votada pelas centrais – “se colocar para votar, o Brasil vai parar” – deve ser aplicada na realidade para organizar a luta de verdade.

A garra dos argentinos deve nos inspirar. É o papel da esquerda ser ativa na resistência. O lugar da esquerda classista dentro da política argentina é ativo. Tanto a FIT quanto a coalizão Esquerda a Frente – MST e Novo MAS – estiveram na linha primeira do enfrentamento de ontem. Suas bandeiras estavam em todas as notícias. Como escreveu nosso camarada Sergio Garcia, da direção do MST, “as organizações de esquerda de conjunto foram atores políticos centrais. Esses mesmos atores têm que lograr esse protagonismo no plano político. A FIT deveria terminar com seu sectarismo e abrir-se na possibilidade de conformar um grande movimento unitário de toda a esquerda, junto as lutas”.

O PSOL deve aprender dessa luta e tradição. Junto com outros setores como o PSTU, PCB, MTST, UP e ativistas devemos colocar em pé um novo projeto político, unificando a esquerda socialista no calor da resistência “à quente”.