Por Luciana Genro
A regional gaúcha da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (ABRACRIM-RS) divulgou uma nota pública no dia 24 de agosto a respeito de uma injustiça que a defesa enfrenta no Tribunal do Júri no Rio Grande do Sul: o fato de que o Ministério Público (MP) possui acesso ao sistema de consultas integradas e os advogados, não.
O sistema de consultas integradas permite que os promotores tenham acesso a informações privilegiadas sobre os jurados. Em 2013 eu travei esta luta em um processo penal em que defendi um réu no Tribunal do Júri. Na época inclusive me reuni com o então secretário de Segurança Pública, Airton Michels, reivindicando o princípio jurídico da paridade de armas entre defesa e Ministério Público, mas não obtive sucesso.
O processo penal brasileiro é extremamente punitivsta. Essa não é uma característica apenas de operações como a Lava-Jato. É a própria lógica do sistema, onde quem tem bons advogados e colarinho branco acaba tendo mais chance de ter seus direitos respeitados. Já os réus negros e pobres, como Rafael Braga, estão condenados de antemão.
Nota Pública da ABRACRIM-RS sobre atuação do MPRS na questão do Consultas Integradas!
No momento em que tomamos conhecimento do cumprimento de mandados de busca e apreensão contra advogados que estariam utilizando o sistema de Consultas Integradas (http://www.conjur.com.br/2017-ago-23/bancas-advogados-porto-alegre-sao-alvo-busca-apreensao), queremos pugnar pela Paridade de Armas no Tribunal do Júri e no Processo Penal.
Os Promotores que atuam na Vara do Júri têm acesso ao Sistema “Consultas Integradas”, o que possibilita que eles obtenham informações sobre qualquer cidadão constantes no Sistema, e vem utilizando-se deste direito para investigar não só suspeitos de crimes, mas também cidadãos inscritos para compor a lista de jurados.
Nós, advogados não temos ( e nem a Defensoria Pública tem) acesso a tais informações acerca dos jurados, sabendo apenas o nome e a profissão do cidadão. O órgão acusatório obtém informações privilegiadas que ajudam a compor o perfil da pessoa, o que é informação valiosa para o momento de recusar imotivadamente 3 jurados, direito da acusação e da defesa exercido no momento de compor o Conselho de Sentença.
Evidentemente que todos querem jurados idôneos, entretanto as informações obtidas pelos Promotores não servem para apurar a idoneidade do jurado, o que deve ser feito pelo Juiz, mas para excluir jurados que tenham um perfil mais propenso à absolvição do réu a ser julgado. No Tribunal do Júri os cidadãos, ao contrário do Juiz togado, não necessitam motivar suas decisões, tomando-as a partir do seu livre convencimento.
A história pregressa do jurado, seu envolvimento – ou não – em situações de violência, seja como vítima, seja como autor, terá influência importante no modo como julgará. Tais situações podem não macular a “notória idoneidade” do jurado, possibilitando que ele esteja apto a compor o corpo de jurados, mas de posse destas informações melhor decisão pode tomar a acusação no momento das recusas imotivadas.
Assim fica comprometida a necessária paridade de armas com a defesa para que os princípios constitucionais da ampla defesa e da igualdade de direitos sejam efetivamente respeitados. A paridade de armas é princípio do direito processual em geral, e do processo penal de forma ainda mais radical, pois se está a lidar com o bem jurídico mais precioso: a liberdade do indivíduo. Portanto este tipo de privilégio à acusação é inconstitucional.
O Convênio firmado entre a Secretaria de Segurança e o MP não pode incluir o direito de investigação de jurados, restringindo o uso do Sistema de Consultas Integradas à investigação de pessoas suspeitas de crimes.
Por outro lado, se a interpretação for pela legalidade da investigação dos jurados,é necessário que tal direito seja estendido à defesa.
Porto Alegre, 24 de agosto de 2017.
Jader Marques
Presidente da ABRACRIM-RS
Aprovação pelo Conselho Estadual da Advocacia Criminal da ABRACRIM-RS