*Artigo do jornalista esportivo Juca Kfouri, originalmente publicado na Folha de São Paulo em 03/08/2017.
Desagradável ter de informar, mas obrigatório: enquanto a solidariedade mundial continua a se manifestar em torno da tragédia que matou 71 pessoas no voo da Chapecoense para Medellín, as vítimas que perderam seus filhos, maridos, pais e irmãos não encontram o mesmo respaldo nem do clube, nem da CBF, nem da Conmebol.
A maior revista esportiva do mundo, a americana “Sports Illustrated”, acaba de publicar tocante reportagem sobre o pesadelo vivido na madrugada de 29 de novembro passado, o Barcelona receberá a equipe catarinense na próxima segunda-feira (7), o Papa vai abençoar o time que jogará com a Roma no dia 1º de setembro, mas quem ficou, as maiores vítimas, estão a cada dia mais desamparadas.
A ponto de terem criado uma Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo da Chapecoense (AFAV-C) e constituído advogados cíveis e trabalhistas para lutar pelos seus direitos mal atendidos até aqui.
Não se trata de vitimismo, diferentemente do marketing feito pelos cartolas do clube.
No desespero do desamparo, algumas famílias dos jogadores que perderam a vida aceitaram receber por dois anos o salário dos que morreram, mas apenas o registrado em carteira, em regra muito inferior ao verdadeiro, praxe no futebol que remunera o direito de imagem, por ironia macabra, exatamente o explorado incessantemente como homenagem aos que se foram.
Numa investigação que envolve os governos da Colômbia, onde o avião caiu, e da Bolívia, país-sede da criminosa LaMia, a companhia aérea irresponsavelmente fretada, só se tem poucas ou desagradáveis notícias como a de que o seguro do avião estava vencido, além da pane seca que permitiria à companhia seguradora se eximir de qualquer pagamento.
Passa-se por cima da responsabilidade objetiva de quem contratou o fretamento do jato, dividida entre a Chapecoense e a Conmebol, que recomendava a famigerada LaMia.
Rememora-se aos poucos que outras viagens da Chape foram verdadeiras aventuras, com a delegação sendo submetida a traslados em vans com pisos avariados por estradas perigosas, como a feita para Barranquilla, também na Colômbia, em outubro de 2016, que durou quase dois dias e resultou, devido ao cansaço extremo, na derrota do time catarinense para o Júnior Barranquilla, em jogo pela Copa Sul-Americana.
A verdade é que, com exceção das corretamente atendidas famílias de funcionários da Globo mortos no acidente, quase todas estão abrindo luta na Justiça pelos seus direitos e clamam para não serem esquecidas como é tão comum num país que gosta de se fazer sem memória, porque também caminho perfeito para a impunidade.
Por mais antipático que seja em vez de apenas chorar os mortos e dar força ao reerguimento daquele que virou o segundo time de todos nós, urge que providências sejam tomadas e que os responsáveis deixem de se esconder com a desculpa da fatalidade.
Porque não há fatalidade quando se contrata um voo comandado por gente de ficha suja como hoje se sabe e que para economizar no combustível faz o que fez.
Que nós não soubéssemos, vá lá. Quem o contratou, não!