*Artigo do jornalista Bernardo Mello Franco, originalmente publicado na Folha de São Paulo em 16/08/2017.
A disputa pela terra terá um dia decisivo nesta quarta. O Supremo Tribunal Federal deve analisar três ações vitais para o futuro dos povos indígenas e quilombolas no Brasil. Eles tentam resistir ao avanço dos ruralistas, que contam com o apoio de Michel Temer.
Em duas ações, o governo de Mato Grosso questiona a demarcação de áreas incluídas em reservas indígenas e no Parque Nacional do Xingu. Na terceira, o DEM pede a derrubada do decreto que permite a titulação de terras de descendentes de escravos. (Em outro surto antiabolicionista, o partido já tentou revogar as cotas para negros em universidades. Perdeu de 10 a 0 no Supremo.)
Os fazendeiros querem que o tribunal reconheça a tese do “marco temporal”. Por esta interpretação, os índios só poderiam reivindicar terras que já ocupavam em 5 de outubro de 1988, dia em que a Constituição foi promulgada. Seria um bom negócio para as tribos se a data escolhida fosse outra, como 22 de abril de 1500.
O caso do Xingu, demarcado em 1961 pelo antropólogo Darcy Ribeiro, resume bem o que está em jogo. De acordo com a turma do agronegócio, o parque teria incluído terras que não eram habitadas por indígenas. A ação pede uma indenização financeira, mas embute o desejo de substituir a floresta por plantações de soja.
A luta pela terra é desigual por natureza. Opõe setores organizados, com poder político e econômico, a comunidades que dependem da proteção do Estado para sobreviver. O desequilíbrio da balança se agravou com a aliança entre Temer e os ruralistas. Com Executivo e Legislativo do mesmo lado, a mediação do Judiciário ficou ainda mais importante.
“Se o Supremo não atuar em defesa dos direitos dos povos indígenas e quilombolas, vamos assistir a um crescimento dos conflitos no campo”, alerta o advogado Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos. A escalada da violência nos últimos meses sugere que ele tem razão.