Por Luciana Genro
A manchete da Folha “Cresce apoio a ideias próximas à esquerda” merece comemoração. Apesar da simplificação expressa nas frases oferecidas ao eleitor, a pesquisa Datafolha é muito interessante. Falo em simplificação por que algumas frases atribuídas à esquerda, por exemplo, não me convenceram muito.
Vejam a afirmação: “Governo tem o dever de ajudar grandes empresas nacionais que corram o risco de ir à falência”. De fato esta foi uma política do governo Lula, que através do BNDES transferiu quantidades absurdas de dinheiro para empresas nacionais, como a JBS, a Odebrecht e as empresas X de Eike Batista. Esta é uma política de esquerda? No meu olhar, uma política verdadeiramente de esquerda seria ajudar não os donos e sim os empregados, entregando a eles o controle da empresa ao invés de emprestar dinheiro a juros subsidiados aos patrões que as levaram à falência.
No caso da criminalidade, a simplificação também é evidente. O fenômeno da violência é muito complexo para ter sua razão definida em uma frase, muito embora seja verdade que a falta de oportunidades iguais é uma das razões da criminalidade.
Outra frase que não me convenceu é a dos benefícios. “Quanto mais benefícios do governo melhor a minha vida versus quanto menos eu depender do governo melhor.” É lógico que as pessoas não queiram depender do governo, principalmente quando os serviços públicos são muito ruins e os valores do Bolsa Família são ínfimos.
Boas notícias da pesquisa
A queda no número de pessoas que associa a pobreza à preguiça de quem não quer trabalhar é muito significativa. Certamente isto está relacionado à experiência dura que muitas famílias estão vivendo, de caírem novamente na pobreza depois de terem experimentado alguma melhora ao longo dos anos Lula. Situação esta que demonstra a insuficiência de programas que não mexam nos problemas estruturais do abismo entre ricos e pobres. Na primeira crise, a melhora vira pó.
Chama atenção também que apesar de toda a campanha contra as leis trabalhistas que vem sendo feita pela grande mídia, a maioria da população saiba que elas servem mesmo para proteger o trabalhador. É quase um milagre.
Grande avanço verifica-se também no quesito homossexualidade. Crescimento de 10 pontos, chegando a 74% o índice dos que acham que a homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade. Avanço civilizatório real, digno de comemoração.
Por fim, numa avaliação mais geral, o impeachment de Dilma feito pela direita interrompeu de modo forçado a experiência completa do povo com o petismo e expôs a natureza da direita ao ter que assumir o governo e colocar a cara à mostra. A pesquisa não mostra como anda a identificação das pessoas com a palavra “esquerda”, mas Temer é um desastre tão grande – e nos últimos meses, graças à Lava Jato, ficou tão claro que a corrupção não era uma prerrogativa exclusiva do PT – que a desilusão tomou conta das pessoas, como diz a vendedora entrevistada pela Folha. Para ela a Lava Jato foi fundamental para demonstrar que todos estão envolvidos.
Aliás, esta esquerda ligada ao PT, que desmerece a luta contra a corrupção, não entendeu nada. Mesmo que Aécio esteja de volta ao seu mandato e Rocha Loures esteja solto, o establishment político foi desmascarado graças às luzes lançadas pelas Lava Jato em todo o sistema político. É claro que não podemos confiar que a Justiça será feita. É claro também que não é o Judiciário que vai oferecer uma saída. Ela é política e depende das forças sociais, e não do sistema judiciário.
Por outro lado, os índices de intenção de voto em Lula mostram que a justa indignação com o governo petista – por Dilma ter nomeado Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, anunciado o ajuste fiscal e mudanças na legislação da Previdência, abandonando o seu programa progressista da campanha nos primeiros dias do governo – foi pelo menos parcialmente abafada pelos ataques brutais de Temer. Temos ainda um longo caminho pela frente para construir um projeto autêntico e coerente de esquerda. Um projeto renovado, que tire as lições da experiência petista e apresente uma alternativa real a uma população desiludida com a política.