*Artigo do jornalista Vinicius Torres Freire, originalmente publicado na Folha de São Paulo no dia 26 de abril de 2017.
Seja qual for a dimensão da greve, é quase certo que o protesto vai difundir o mal-estar com as reformas por quase todos os cantos do país, além de dar cara mais geral à insatisfação.
As manifestações públicas contra as reformas estavam marcadas pelo seu caráter político mais estrito: tocadas por partidos de esquerda e sindicatos associados, inimigos de Michel Temer, militantes de centrais sindicais.
Sim, o protesto ainda é convocado por centrais (todas, recorde-se). Mas deve contar com apoio grande de professores, 2,2 milhões no ensino básico de quase 49 milhões de crianças e jovens, além dos 400 mil professores de 8 milhões de universitários, por exemplo importante.
O protesto se torna mais capilar, chega às esquinas das famílias, gostem ou não de reformas. Mesmo as escolas da elite, ao menos em São Paulo, prometem parar.
Faz um mês, a Igreja Católica, à frente de 10 mil paróquias, criticou de frente as reformas, com os mesmos argumentos da esquerda, em nota oficial da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). Nesta quarta-feira (26), deve se manifestar oficialmente sobre a greve. Muitos arcebispos, bispos e padres já incentivam o protesto.
A greve deve imobilizar parte das cidades grandes. Além dos professores, conta com a adesão de variadas categorias de trabalhadores, muitos de classe média: bancários, químicos, petroleiros, saúde.
A popularidade de Temer é quase um absoluto, na prática não tem como diminuir. A questão óbvia e imediata é saber se o Congresso vai se sentir ainda mais pressionado a esvaziar a reforma da Previdência. A trabalhista pode bem ser que passe, até por haver tanto dono de empresa no Parlamento. No caso da previdenciária, a conta fica para o Estado, para os impostos, para o futuro: é empurrada para alguém.
A questão menos imediata, mas importante, é que um protesto mais amplo e geral pode reconfigurar discursos e coalizões para o ano eleitoral, que começa logo em outubro.
Não se pode dizer grande coisa dessa reconfiguração sem saber da persistência do protesto e da votação das reformas. A conversa eleitoral pode começar com o fato consumado de reformas aprovadas e manifestantes desmobilizados. Ou não. Mas devem ficar cicatrizes.
Com qual conversa virão os candidatos a presidir um país em 2019 ainda em arrocho crescente? Um país com desemprego perto de 14%, de gente ainda mais atochada em hospitais insuficientes, que terá acabado de ver reviravoltas no núcleo das relações socioeconômicas, trabalho e seguridade social.
Vão prometer o céu, como o PT em 2014, e tomar posse com um estelionato dos infernos? Vão tentar açucarar a mera persistência do arrocho? Vão propor um pacto de redistribuição de perdas, o que este governo reacionário não fez, entrando em conflito com parte importante da elite que quer tocar reformas sem mexer em impostos, por exemplo?
As perguntas parecem abstratas. Parecem tratar de um povo vago e de opiniões nebulosas. Para quem pensa assim, convém lembrar o choque político e de confiança econômica que foi o estelionato de Dilma Rousseff. Das broncas desatadas em Junho de 2013. Na devastação do PT na eleição de 2016.
Mentir e roubar não tem saído mais tão barato.