Mais de 500 pessoas ouviram atentamente o debate promovido pelo PSOL, com a organização do mandato do vereador Roberto Robaina e articulação da ex-deputada Luciana Genro, sobre sistema penitenciário e segurança pública na noite desta quinta-feira (09), na Câmara Municipal de Porto Alegre. Participaram do evento o juiz Luís Carlos Valois, da Vara de Execuções Penais de Manaus, o juiz Sidinei José Brzuska, da Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre, a defensora pública Tatiana Kosby Boeira e o major Dagoberto Albuquerque da Costa, ex-diretor do Presídio Central.
A plateia, formada por estudantes de Direito, associações de bairros, moradores de diversas comunidades da cidade, membros e trabalhadores do Judiciário, pôde, ao final do evento, enviar perguntas aos painelistas, que responderam aos questionamentos em suas falas de encerramento.
Cada participante apresentou seu cotidiano de busca por minimizar danos e promover uma maior qualidade na execução da pena. O juiz Luís Carlos Valois, da Vara de Execuções Criminais de Manaus, ficou conhecido nacionalmente ao negociar o fim da rebelião dos presos do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), que resultou em mais de 50 detentos mortos de forma brutal. Em sua fala, ele deu um depoimento inédito sobre o que vivenciou naquela situação. “Ainda hoje é difícil pra mim lembrar de tudo que vi e vivi naquele dia”, afirmou.
Para Valois, a situação de falência do sistema carcerário ocorre em todo o país. “O mais importante é que havia um juiz do Norte do país, do Amazonas, e um juiz do Rio Grande do Sul, e todos com os mesmos problemas, mesmas mazelas, quer dizer, as mesmas críticas à Execução Penal, ao Estado, ao encarceramento. Então você vê como se reproduz de Norte a Sul o modelo de descumprimento da lei, descaso para com o modelo penitenciário e caos”, pontuou.
Também presente na mesa, Luciana Genro comentou que, como advogada especialista em Direito Penal e militante política, percebe que “o Estado de direito está ausente para a maioria do povo, especialmente para quem faz parte da população carcerária”. Ela ainda manifestou preocupação em relação à substituição do Estado de bem estar social pelo Estado penal.
A defensora pública Tatiana Boeira criticou os abusos na decretação de prisões provisórias pelo Judiciário, muitas vezes condenando pessoas pobres a permanecerem anos na prisão até que tenham seus casos julgados. “Ainda tenho esperança de que a gente possa reverter essa onda assustadora de endurecimento. É muito grave encarcerar alguém provisoriamente por quatro anos e depois dizer a esta pessoa que ela foi absolvida”, lamentou.
Para o major Dagoberto da Costa, a falta de ação de sucessivos governos mantém o sistema penitenciário em situação caótica. Ele contou que, quando esteve na direção do Presídio Central, não havia políticas públicas para reabilitação dos apenados por parte do governo. “Não existe sequer uma política pública para reabilitar as pessoas ao convívio. Os presos saem de lá reabsorvidos pelo crime. O sistema carcerário é, muitas vezes, o início da atividade criminosa de uma pessoa”, disse.
Responsável pela execução de penas em Porto Alegre, o juiz Sidinei Brzuska é um profundo conhecedor da realidade do Presídio Central. Ele explicou como os detentos se organizam dentro do sistema para suprir as lacunas deixadas pelo Estado, criando um verdadeiro mercado paralelo e estabelecendo relações violentas de poder. “O preso vê na lógica do ‘bandido bom é bandido morto’ uma forma de ganhar dinheiro e de lucrar. Hoje todas as facções gaúchas seguem essa lógica. Nossos presídios viraram local de recrutamento de mão de obra para o crime e de lucro para quem comanda isso”, comentou.
Para o vereador Roberto Robaina, o seminário conseguiu refletir sobre os problemas e deficiências do sistema prisional brasileiro, que acabam tendo relação direta com a violência urbana. “A lógica das últimas décadas e atual de redução do Estado social e aumento do Estado penal para os pobres está em crise e produzindo não apenas aumento das dificuldades econômicas mas também violência e insegurança para o conjunto da população”, concluiu.