*Artigo do ator e escritor Gregorio Duvivier, publicado originalmente na Folha de São Paulo desta segunda-feira (30/01).
O Brasil é um país dividido. Há quem chame de impeachment, há quem chame de golpe. Há quem chame biscoito de biscoito e há quem chame biscoito de bolacha (reparem na imparcialidade do colunista). Há quem ponha o feijão por cima do arroz, há quem ponha o feijão do lado e há, acredite, quem ponha o arroz por cima do feijão. Perdoa-lhes, Pai. Eles não sabem o que fazem.
Por vezes, ainda acontece de o Brasil se unir num grande bloco como outrora. No momento, o que une o Brasil é Eike Batista. Parece que o país inteiro está juntinho, como uma família em volta da televisão –no tempo em que a família se juntava pra ver televisão– se perguntando a mesma coisa: será que ele acha que não dá pra perceber que ele usa peruca? E logo em seguida: será que ele escolheu uma peruca alaranjada antes ou depois do Trump? Quem foi que criou essa tendência?
Logo em seguida às questões de ordem capilar, acredito que venha uma pergunta mais difícil de se responder: de quem é a culpa por essa monstruosidade? Não a peruca, mas o sujeito. Como alguém acreditou que esse homem prestava? Pronto. Acabou o amor. É aí que o Brasil se separa de novo.
O lado de esquerda da família –o tio comunista, o cunhado de humanas, a prima percussionista –vai dizer que a culpa é da direita. Vai mostrar fotos de Eike com Aécio, Doria e Anastasia, tuítes do Luciano Huck, capas da “Veja”. Tudo verdade.
O lado de direita da família –o avô tucano, o cunhado do mercado financeiro, a prima que estudou na British– dirá que a culpa é da esquerda. Não será difícil encontrar fotos de Eike com Lula e Dilma, gráficos que mostram como Eike cresceu com o PT, matérias sobre a parceria dele com o BNDES. Tudo verdade.
É muito comum que, numa discussão, todo mundo esteja errado. Nesse caso, me parece o contrário: todo mundo tá certo. O filho foi gerado pelo país inteiro, numa espécie de suruba transpartidária e supraideológica –PT, PSDB, PMDB, mas não só.
Eike Batista é bilionário num país que ama os seus bilionários –e faz vista grossa pra qualquer desvio vindo deles. Quando a gente ouve “setor público” a gente logo pensa em corrupção e ineficiência, quando a gente ouve “setor privado” a gente pensa em competência e honestidade –isso no país de André Esteves, Marcelo Odebrecht, Daniel Dantas, Sergio Naya e a lista é longa.
O povo tá certo de não confiar em político –mas tá errado de confiar cegamente em empresário. Sobretudo os de peruca alaranjada. Mas não só.