Segurança Pública
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Por Jeferson Magalhães dos Santos*

Nestas eleições para prefeito, a crise da Segurança Pública tem levado todos os candidatos a propor um maior protagonismo do município nas questões relativas à Segurança. Portanto, todas as correntes políticas vão falar sobre Segurança Pública. As forças políticas do campo da direita vão continuar a propor o que sempre propuseram: mais efetivo, mais repressão, transformação da Guarda em PM de segundo escalão. As forças do campo da esquerda, tradicionalmente evitam o tema Segurança, pois consideram as polícias “cães de guardas” dos Governos ligados ao capital. Porém, chegamos na atualidade a uma crise sem precedentes na Segurança Pública, que praticamente obriga a todas a forças discutirem e aprofundarem a questão.

Do ponto de vista histórico é claro que no Brasil, as polícias não foram criadas para defender o cidadão, mas para defender os Governos. Toda a estrutura criada desde D. João passando pelo código penal de 1831 e o de 1871 tem por objetivo defender o status quo, que naquele momento eram os grandes latifundiários. Durante toda a 1ª República esta polícia vai perseguir os trabalhadores do campo e da cidade. Não esqueçamos a célebre frase do então Secretário de Justiça do governo de São Paulo, Washington Luis: “Questão social é coisa de Polícia”.

Durante a era Vargas, nada vai se modificar. Na verdade a repressão aos movimentos sociais e às forças de esquerda vai se intensificar na ditadura do Estado Novo. A tortura se torna estratégia corrente no DEOPS de São Paulo. No chamado período democrático (1946 a 1964), vamos assistir a um momento de relativa tranqüilidade na relação das polícias com a sociedade. Vamos assistir a uma aproximação da polícia com a população. A série filmada “O Vigilante Rodoviário”, que fez grande sucesso no final dos anos 50 e nos anos 60, é expressão desta proximidade. Além disso na PM aconteceram experiências de proximidade como os chamados “Pedro e Paulo” que eram 2 policiais que faziam a ronda noturna com apitos. Na verdade, sempre que a democracia prevalece, as organizações tendem a seguir esta tendência, tornando-se mais cidadãs.

Durante a ditadura Militar novamente a estrutura das polícias é utilizada para a repressão da sociedade e em especial da esquerda, que naquele momento representava a oposição. Sem dúvida nenhuma, PM e PC participaram ativamente da repressão durante os anos de chumbo.

A partir do que foi colocado acima, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que a estrutura montada das polícias serviu em vários momentos de “cães de guardas” dos poderosos. A esquerda foi na verdade quem mais sofreu com este processo. Apenas como exemplo cito o episódio no qual o advogado de um comunista alemão preso pela ditadura Vargas se vale da lei de proteção aos animais para tirá-lo da cadeia e da tortura. Muitas pessoas, a maioria jovens, tiveram suas vidas ceifadas por algozes membros desta estrutura policial.

Esta história de relacionamento conturbado das esquerdas com a polícia fez com que, na constituinte que preparou a Constituição de 1988, os progressistas em geral abandonassem as comissões relativas à Segurança Pública. A conseqüência foi a continuidade do disposto na Constituição de 1946, com poucos adendos, mantendo inclusive a vinculação da PM com o Exército. Note-se que esta continuidade não se deu em questões como saúde e educação, nas quais nossa Constituição avançou muito. Temos hoje uma estrutura de Segurança Pública nos Estados que está em franco esgotamento. Trata-se de uma estrutura pesada e caríssima, de difícil gestão e que hoje não funciona mais, não por culpa de seus membros, que são na sua maioria honestos e bem preparados, mas por culpa de um modelo que se esgotou com o avanço da criminalidade.

Na verdade o sistema de Segurança Pública dos Estados e Municípios precisa de reformas profundas nas suas estruturas. Porém estas reformas se situam numa perspectiva tática e não estratégica. Isto significa que precisamos de reformas urgentes e profundas para nos aproximarmos das polícias de países capitalistas como Canadá, Suécia, Finlândia, EUA, Inglaterra, França, Portugal, Espanha e Japão.

A esta altura impõe-se uma questão. O que é um programa de Segurança pública para o município de esquerda no momento atual? Em primeiro lugar é reconhecer que o operador (guarda, policial) de Segurança Pública é um cidadão qualificado (o único que tem a permissão para o uso de arma de fogo) que tem de ser muito bem treinado e valorizado para exercer as suas funções. Em segundo lugar é colocar a prevenção como prioridade em vez da repressão. Para prevenir é necessário proximidade com a população. Para prevenir é necessário aproximar a guarda do GGI-M, é necessário atuar com inteligência e georeferenciamento do crime e da violência.

Um programa de esquerda para a Segurança tem de afirmar que a população deve ser partícipe nesta construção, reconhecendo e apoiando as iniciativas espontâneas de segurança que já existem em Porto Alegre. O policiamento comunitário de proximidade com a população deve ser prioridade num programa de esquerda. Porém a complexidade das questões relativas à criminalidade e à violência vão criar momentos em que a repressão qualificada vai ser necessária. Neste sentido não podemos descartar ações da Guarda com a PM, que é na verdade quem faz o policiamento ostensivo na capital. Para isto é importante que o treinamento da Guarda em questões como Direitos Humanos, Polícia Comunitária e uso progressivo da força e da arma de fogo seja constante.

Também é importante que o governo municipal reconheça os direitos humanos dos guardas, oferecendo um serviço de atenção a saúde física e emocional dos guardas. Além disso, é importante que o município de Porto Alegre lidere a nível nacional um grande movimento para que as guardas sejam transformadas em Polícia Metropolitana de ciclo completo. Uma policia que seja capaz de substituir a PM nas Capitais, e grande parte da PC, deixando para esta os crimes de sangue e de maior monta. Uma polícia desta natureza tem por objetivo desafogar o trabalho da PM, que assim poderia se concentrar em cidades do interior, e da PC que poderia se concentrar nos crimes de maior importância.

É importante deixar claro que as propostas colocadas acima representam uma mudança abissal na concepção de Segurança Pública no Município. Trata-se de reformas de caráter tático (não conflitam com a propriedade privada ou o Capitalismo) fundamentais para que um dia tenhamos uma polícia realmente cidadã que seja uma polícia de Estado e não de Governo. Quando tivermos uma polícia que seja realmente comprometida em garantir os direitos da população estaremos chegando perto da sociedade socialista. Uma sociedade com um mínimo de crimes e, portanto com um mínimo de polícia.

Todas as propostas (com exceção da Polícia Metropolitana, que é de longo prazo e exige uma maior discussão) colocadas neste texto estão contempladas no programa da candidata Luciana Genro, do PSOL. Estamos diante de um programa de esquerda, um programa que propõe mudanças profundas nas estruturas da Segurança Pública do município. Um programa que, se executado em sua plenitude, tem condições de mudar os números da segurança para melhor. Tem condições de levar mais paz e tranqüilidade para que a população possa desfrutar de sua cidade sem medo.

*Jeferson Magalhães dos Santos é Historiador, Psicólogo e Especialista em gestão da Segurança Pública.