Por Giulia Tadini (PSOL)
Jandira Magdalena dos Santos Cruz, auxiliar administrativa, 27 anos, desapareceu no dia 26 de agosto quando decidiu interromper sua gravidez. Seu último contato, por SMS, foi para o ex-marido, revelando desamparo “amor, mandaram desligar o telefone, tô em pânico, ore por mim!”. No dia seguinte encontraram seu corpo carbonizado.
Elizângela Barbosa, casada, tinha 32 anos e deixa três filhos. Era sua segunda tentativa de aborto, ela já havia ingerido remédios abortivos. Morreu no último dia 20 de setembro, teve perfurações no útero e no intestino durante o procedimento.
Jandira e Elizângela poderiam ser qualquer uma de nós, ou uma conhecida. De acordo com estudo da UNB a maioria dos abortos no país é feito por mulheres de 20 a 29 anos de idade, que trabalham, têm pelo menos um filho, usam métodos contraceptivos, são da religião católica e mantêm relacionamentos estáveis.
Mesmo com a criminalização, 205 mil mulheres foram internadas no ano passado na rede pública por complicações decorrentes do fim de uma gestação. Já um estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) estima o total aproximado de até 865 mil procedimentos ilegais em 2013 no país. A estimativa é que a cada dois dias morre uma mulher vítima de um aborto clandestino mal assistido.
Dia 28 de setembro é o dia latino-americano e caribenho pela descriminalização do aborto. A descriminalização significa retirar o aborto como crime do Código Penal, é só o primeiro passo, mas fundamental. A legalização é a ideia de criar regras para o procedimento, responsabilizando o estado por realizar o procedimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Nos países em que o aborto foi legalizado, a quantidade de abortos diminuiu e o número de mulheres que morrem por complicações na prática do aborto foi reduzido.
De acordo com matéria de Renata Mariz, Julia Chaib e Ana Pompeu (Estado de Minas), um mapa de 2014 sobre o tema, elaborado pelo Centro de Direitos Reprodutivos (Center for Reproductive Rights), mostra que o Brasil faz parte dos 66 países (25,5% da população mundial) que têm as leis mais rígidas em relação ao aborto e só permitem a prática para salvar a vida da mulher. A maior parte dessas nações fica na Ásia e na América do Sul. Já a fatia onde o aborto é legalizado soma 61 países, 39,5% da população mundial, incluindo boa parte da Europa, os Estados Unidos, o Canadá, o Uruguai e a Austrália.
Não se trata de conceber o aborto como método contraceptivo, mas de entender que as mulheres devem ter o direito de escolha com relação à continuidade ou interrupção da gravidez. Em entrevista a Folha, Luciana Genro afirmou que “a gente vive uma hipocrisia nessa questão. O aborto é uma realidade. Eu fui mãe com 17 anos. Sei como é difícil ser mãe. Tive o apoio do meu companheiro na época, do pai do meu filho, tive o apoio da minha família. Mas há mulheres e meninas que não têm esse apoio, não têm esse respaldo. Ser mãe é um projeto que deve ser escolhido pela mulher, e não imposto”.
Por isso, nosso programa defende a possibilidade de interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação, como sua escolha exclusiva, enquanto para casos como estupros até a 14ª semana de gestação; obrigação dos governos federal, estadual e municipal, por meio do Sistema Único de Saúde ou ainda com as unidades conveniadas, de realizar o procedimento de aborto gratuito, legal e seguro obedecendo os termos da lei; e realização de um amplo programa de conscientização sobre a maternidade e paternidade, sobre planejamento familiar e sobre os métodos contraceptivos.