Teses do Movimento Esquerda Socialista (Tendência Interna do PSOL) – Maio de 2013
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Este texto explicita algumas das teses centrais do MES sobre a situação política mundial, latino-americana e nacional. Trata-se, é claro, de uma aproximação, uma primeira síntese geral cujo objetivo principal é desenvolver a discussão entre os militantes do MES e abrir o debate com todos militantes do PSOL. Acreditamos que a maior garantia de que teremos uma elaboração correta é que a mesma se desenvolva de modo coletivo, envolvendo todo o partido, com a riqueza de todas as suas particularidades e refletindo o conjunto da intervenção de sua militância.
Não pretendemos no texto a seguir analisar de modo exaustivo a conjuntura nem dar conta de todas as tarefas que envolvem a construção do PSOL. Nas próximas semanas trabalharemos com nossos aliados no partido as proposições políticas que apresentaremos para o Congresso do PSOL. Aqui nos centramos em explicar que há um novo período histórico cujos desdobramentos atingem o conjunto do mundo, incluindo, por óbvio, o Brasil. E a partir deste marco apontar a mudança essencial já em curso na situação nacional que comprova um espaço qualitativamente superior para a construção do PSOL.
Em suma, o eixo destas teses é discutir o espaço que está aberto para construir uma nova direção para o movimento de massas no Brasil. Para avançar neste sentido e cumprir sua responsabilidade histórica o PSOL deve sacudir de seus ombros qualquer tipo de conservadorismo e se incorporar nas lutas sociais e políticas que já começaram e que tendem a crescer, respeitando o movimento de massas, estimulando suas instancias autônomas de decisão e se postulando como alternativa política.
1) O sentido histórico da crise do capitalismo
Apesar de uma série de analistas prospectarem a recuperação da economia mundial, a realidade corre em outra direção. O filósofo esloveno Slavoj Zizek, em recente visita ao Brasil, com seu sarcasmo habitual, afirmou que a “luz no fim do túnel” apontada por economistas do grande capital é na verdade a luz de um trem que vem para esmagar ainda mais as condições de vida dos trabalhadores e os direitos conquistados no período do Estado de Bem-Estar Social. Estamos assistindo a graves índices de regressão social no continente onde se conquistou o maior número de direitos civis, políticos e sociais. Esta realidade é mais pesada e visível particularmente no sul da Europa.
Sob a bandeira da austeridade, o que enxergamos são dados de catástrofe: o desemprego na Grécia é de 26,4%, na Espanha 26,3% e em Portugal 17,5%. Tomando o desemprego juvenil, os números são de 54% na Espanha, 47% na Grécia, 31% em Portugal e na Itália. Na Grécia, onde a crise social alcançou o maior desenvolvimento, aumentaram a pobreza, a mendicância e os suicídios, bem como a violência gratuita. O drama dos despejos no Estado Espanhol, onde já são centenas de milhares de pessoas atingidas pelas hipotecas, só reforça esta visão. Segundo dados da FAO, o preço dos alimentos chegou a níveis “críticos”, tendo como exemplo o preço do trigo que registrou uma alta de 40 a 60% em apenas cinco anos. O relatório da OIT do informe mundial de salários 2012-2013 apontou uma queda na participação dos trabalhadores na renda da produção mundial. Apesar do crescimento da produtividade, a maior parte dos países registrou uma tendência à estagnação salarial. Como cita o texto: “Inclusive na China, um país onde, grosso modo, os salários triplicaram durante a última década, o PIB aumentou a uma taxa maior que a massa salarial total, portanto, a participação do trabalho diminuiu”.
Todos os dados confirmam a regressão social como expressão do aprofundamento da crise que o planeta vive. Mesmo a China, considerada a locomotiva do mundo apresenta dados de redução do crescimento: o anúncio do PIB no primeiro trimestre de 2013, onde se esperava romper a barreira dos 8% de crescimento, ficou em 7,7%, uma desaceleração inesperada, apesar da oferta de crédito. As medidas do banco central japonês, de emissão de moeda, a crise em torno do debate do abismo fiscal e da política orçamentária estadunidense, e a própria dinâmica recessiva na Europa são variantes abertas para o entendimento dos próximos capítulos da crise iniciada em 2007-08. O economista Michel Husson elenca três tendências gerais para o próximo período, do ponto de vista da crise: a ampliação da crise de regulação do capitalismo, um maior desequilíbrio na economia global e a crescente contradição entre o modelo energético e a crise climática. Seu diagnóstico é franco:
“O pior está por vir porque a recuperação da rentabilidade está longe de se conquistar em muitos países europeus. Portanto, devemos esperar mais congelamento de salários e demissões, que só podem piorar a situação econômica e social da Europa. O dilema fiscal terá que passar para segundo plano, dando lugar ao dilema da rentabilidade. Assim que não teremos outra coisa a fazer a não ser seguir analisando o cenário de um capitalismo europeu sem saída no horizonte, prisioneiro de uma “regulação caótica”, sobretudo porque esta dupla tensão afeta desigualmente os distintos países.”
A imposição de limites de saques para correntistas durante a recente crise financeira do Chipre desnudou mais contradições da situação européia. O último informe do FMI anuncia perspectivas sombrias para a economia: “A crise financeira mundial poderia entrar em uma fase mais crônica, caracterizada pelo deterioro das condições financeiras e por episódios recorrentes de instabilidade”. Para além do atoleiro da crise econômica e social, a crise política mostra a falta de perspectivas para as classes dirigentes. Os governos e regimes vêm perdendo apoio, envolvidos em escândalos de corrupção como o caso de Rajoy e da família real na Espanha, ou do ministro de Hollande, na França, acusado de enriquecimento ilícito. As coalizões governantes vêm perdendo apoio social. A crise política levou a Itália a um impasse, onde nenhum partido logrou formar um governo de maioria, crescendo eleitoralmente o movimento Cinco Estrelas, que tinha uma plataforma genérica, mas contra o ajuste e contra os “políticos”.
Acreditamos que o marco fundamental da situação política deve ser explicado pelo giro histórico que significou o irromper da crise e suas graves consequências.
Com a eclosão da crise econômica mundial(2007-2008) nossa hipótese é que tenha sido aberto um novo período histórico cujos desdobramentos carregam perigos gigantescos, catástrofes sociais e ecológicas e oportunidades de confrontos de classes e lutas sociais e políticas decisivas. Uma das graves contradições do sistema é que imensas massas de recursos econômicos/financeiros não encontram onde se alocar para se reproduzir de modo ampliado; em outras palavras, isso significa que há dificuldades de encontrar canais de investimentos com lucros suficientes. Os ganhos financeiros até então tinham sido a opção preferencial na acumulação do capital, com grandes empresas apostando cada vez mais nas bolsas de valores.
Nos EUA, por exemplo, os capitais fictícios, isto é, os títulos, ações e dividendos, que não encontram correspondência na produção de mercadorias, superam em várias vezes a produção. O fato é que há no mundo uma acumulação impressionante de poupança cujos ganhos são meramente financeiros, com a desregulamentação dos últimos anos facilitando que o dinheiro gerasse dinheiro sem passar pela produção. Mas isso não tem como continuar indefinidamente. A sobreacumulação de capital se revela com força na crise, onde o capital e a mais valia são queimados em grande quantia, única forma capaz de permitir a retomada da acumulação capitalista em outro patamar.
Dois anos depois, a luta de classes teria uma clara aceleração com a entrada em cena das revoluções árabes. Do ponto de vista econômico a comparação com a crise de 1929 é inevitável. Retomando a elaboração de Chesnais, trata-se de uma ruptura no sentido de um longo período de acumulação ininterrupta do capital. A crise de 1929 foi resolvida à custa de uma enorme destruição das forças produtivas na II Guerra Mundial, ao preço da barbárie. Após o término da Segunda Guerra, o capitalismo conheceu um período de crescimento e expansão. Nas palavras de Chesnais:
“A acumulação se deu com momentos de ritmos diferentes, porém sem produzir nenhuma ruptura, como uma grande crise econômica ou uma guerra análoga as grandes conflagrações do século XX. A recessão mundial de 1974-76 pôs fim ao longo movimento cíclico chamado ‘os trinta anos gloriosos’. Se encerrou um período, porém depois de uma fase de transição a acumulação recomeçou sobre a base, especialmente, de um deslocamento progressivo de seu centro de gravidade geográfico. Nenhuma ruptura se produziu no flanco da luta de classes. O capitalismo mundial teve as mãos livres para responder ao que parecia ao seu momento como uma ruptura por meio da ‘revolução neoliberal’ ou mais exatamente ‘neoconservadora’.”
Estas foram as bases para a ascensão do neoliberalismo. Justamente agora, quando a morte de Margaret Thatcher reacende polêmicas, é fundamental entender o movimento conservador que desencadeou o neoliberalismo, ampliando a expansão de mercados via o processo de abertura chinês iniciado por Deng Xiaoping, as descobertas de novos ramos da tecnologia, especialmente na microeletrônica e na capacidade de transmissão, processamento e armazenamento de dados. Tal fenômeno universal foi batizado de “globalização”. Representou, além de uma enorme ofensiva contra o movimento de massas, um salto na financeirização da economia, na liberalização dos mercados, na restauração dos países do leste, bem como a flexibilização do trabalho. Alguns chamaram estes anos de ascenso do neoliberalismo ou de período da restauração. Mas agora estamos num novo período histórico.
Os 50 anos de crescimento do capitalismo apontados por Chesnais chegaram a um esgotamento. Lauro Campos, que não viveu para ver a crise aberta em 2007-08, antecipou este movimento do capital. Sua obra mostra que as primeiras crises do capitalismo foram de subconsumo, centradas no departamento produtor de meios de consumo. O capitalismo em seguida desenvolveu o departamento de produção dos meios de produção. As crises seguintes atingiram também este departamento. Então o capitalismo necessitou desenvolver o departamento III, centrado na produção armamentista e bancado pela dívida pública. Agora a crise atual, além dos departamentos I e II, é também a crise da dívida pública. Trata-se, na definição de Lauro Campos, da crise completa. Isso não quer dizer – obviamente – que estejamos no fim do capitalismo. Como disse Lênin, o capitalismo precisa ser derrubado para terminar. Mas claramente podemos dizer que entramos num período de regressão social, um período onde em escala mundial os capitalistas buscarão atacar os interesses dos trabalhadores, reduzir os salários diretos e as conquistas sociais. Para países como o Brasil, em que as condições sociais para milhões de pessoas já são péssimas, esta perspectiva representa a impossibilidade da melhoria das condições de vida do povo e uma clara ameaça de catástrofe.
A caracterização do caráter da crise, seu lugar na história, sua dinâmica de desigualdades e combinações é fundamental para discutirmos o conjunto das perspectivas que se abrem. Neste sentido é útil uma apreciação global sobre alguns períodos que marcaram a história mundial recente.
2) Acontecimentos e períodos históricos
Quando o nazismo foi derrotado, o movimento de massas obteve sua maior conquista democrática no século XX. Do ponto de vista da construção da direção do movimento dos trabalhadores, porém, esta vitória veio acompanhada pelo crescimento do stalinismo, na esteira do fato de que as massas no mundo identificaram corretamente a então URSS como uma das principais protagonistas desta conquista verdadeiramente revolucionária. Assim, uma vitória das massas fortaleceu, contraditoriamente, uma direção burocrática sem nenhum interesse em expandir a revolução mundial. Na Europa, os partidos vinculados com a URSS se jogaram para salvar o capitalismo no pós-guerra. Durante anos os Partidos Comunistas atuaram com peso majoritário no movimento de massas com políticas conciliadoras, como ocorreu em nosso país, sobretudo nos anos 50 e 60.
Nos anos 60, sobretudo a partir de 68, um novo ascenso revolucionário marcou o mundo. Este acontecimento mudou o cenário, com forte protagonismo da juventude e com o crescimento da ideologia anticapitalista, abrindo espaço para inúmeras demandas revolucionárias no terreno do modo de vida – luta pela liberdade sexual, direitos dos negros e das mulheres – e políticas de contestação dos aparelhos burocráticos, sobretudo contra a conciliação de classes dos PCs. A crise do stalinismo começou aí. Foi aberta uma nova etapa de construção de novas direções. O movimento trotskista, por exemplo, cresceu em toda a Europa. Por volta de 1975, depois do encerramento do ciclo revolucionário português, esta nova situação se estabilizou, mantendo conquistas democráticas, mas não se desenvolvendo em direção à ruptura sistêmica.
O ascenso do movimento de massas dos anos 60 não interrompeu o crescimento do capitalismo nem conduziu à bancarrota do aparelho estalinista. Uma nova onda revolucionária veio ocorrer em 1989. Foram novos acontecimentos produzindo um giro histórico no qual o desmoronamento das burocracias governantes foi a principal marca. A burocracia chinesa, a primeira a ser questionada nas ruas, em julho de 1989, conseguiu massacrar e derrotar o movimento. Os demais regimes não tiveram a mesma sorte. Centenas de milhares nas ruas levaram a insurreição na Romênia, a abertura das fronteiras e a queda do muro na Alemanha e desencadearam a onda de revoluções democráticas que chegaram em 1991 na então URSS, cuja dissolução rápida surpreendeu o mundo.
O capitalismo ganhou mercado ao leste e no oeste, com a derrota do movimento de massas europeu nos anos 80, simbolizada na derrotada da greve mineira de 1984. A partir daí o neoliberalismo passou a dominar o conjunto da Europa e também os EUA. Foram anos de expansão do capital pela via das privatizações, precarização e abertura dos mercados. A ideologia socialista, identificada com o stalinismo, estava numa profunda crise. Setores da esquerda, diante da expansão do capital e da débâcle dos PCs, consideraram os acontecimentos como derrota do movimento de massas. Não explicaram, contudo, que a restauração também ocorreu na China, mas neste caso pelas mãos do Partido Comunista. Nem valorizaram a conquista das liberdades democráticas que serviriam de exemplo para lutas sociais e políticas no mundo todo.
O stalinismo como aparelho ruiu. Este fato foi um claro triunfo. Contraditoriamente, a ausência de direção alternativa e as ilusões das massas no capitalismo permitiram a restauração do mercado capitalista. A restauração e o neoliberalismo acabaram primando na situação, mas a conquista democrática expressa pela queda do muro de Berlim não havia se perdido. Tal consciência democrática – expressa na importância da participação direita das classes trabalhadoras e da massa – seguiria contribuindo para que novos processos sociais e políticos se desenvolvessem. É neste marco que devem ser vistos os triunfos revolucionários como a derrota do Apartheid, na África do Sul, em 1994, e quase 20 anos depois o estímulo do levante árabe.
3) A resposta das massas abriu uma nova situação política mundial
A crise de 2008 mudou novamente o período histórico, desta vez colocando em xeque o capitalismo. E a revolução no mundo árabe do começo de 2011, desalojando do poder ditaduras que levavam décadas. A revolução árabe começou na Tunísia, se generalizando como um processo regional. Tivemos o desmantelamento dos regimes de Ben Ali e de Mubarak, sendo sucedidos por processos de assembléias constituintes, e por governos com características religiosas vinculadas a correntes como a “irmandade muçulmana”. A derrota das ditaduras abriu o terreno para um ascenso social represado, dando novas formas para a organização da sociedade civil. As recentes mobilizações na Tunísia diante do assassinato do líder opositor Chokri Belaid levaram à queda do gabinete governamental.
O balanço do Fórum Social Mundial acontecido no final de março não deixa dúvidas de que a revolução não foi bloqueada, com a presença da UGTT – central operária mais importante do país – na cena política e com a maior unidade das forças de esquerda, agrupadas na Frente Popular. No Egito, a Praça Tahrir, palco das mobilizações que derrubaram Mubarak, segue como cenário de importantes enfrentamentos. O ponto de inflexão reside na Síria, onde o processo revolucionário ganhou a forma de guerra civil, onde a ditadura de Assad busca esmagar a oposição, num sangrento conflito de dimensões e destinos imprevisíveis. A resistência palestina segue presente, apesar dos ataques do Estado de Israel. A perspectiva de reconhecimento na ONU, a força das mobilizações em prol de um pacto Hamas-Al Fatah e a nova situação na região, favorecem o desenvolvimento da heróica luta do povo palestino.
O fato de que forças reacionárias predominem nos novos governos burgueses não anula a vitória que representou a queda das ditaduras. Negar isso seria como negar os avanços representados no Brasil, na Argentina e no Chile, por exemplo, quando as ditaduras foram derrubadas, já que em todas estas experiências também assumiram governos burgueses que seguiram atacando os interesses dos trabalhadores e dos povos. O fundamental é que o movimento de massas está em atividade, aumentando seu nível de organização e tendo conquistado espaços para se desenvolver e aprender.
Defendemos o processo de recomposição da esquerda e a luta contra as medidas restritivas das correntes islâmicas no Egito e na Tunísia. E defendemos, ao contrário de uma parte da esquerda, a revolução síria contra Assad – como o fizemos no movimento de derrubada de Kadafi. Nos somamos ao conjunto de organizações de esquerda que firmaram o documento de apoio à revolução síria durante o Fórum Social da Tunísia, onde se dizia: “É necessário que a esquerda adote uma verdadeira posição revolucionária de apoio à revolução síria, como parte integrante das revoluções nos países árabes e como ponto de partida de um acirramento da luta de classes e o desenvolvimento de novas revoluções na Europa, Ásia e talvez no resto do mundo, sob os efeitos da crise capitalista.”
A repercussão da “primavera árabe” no mundo foi acompanhada de uma onda juvenil que em alguns de seus aspectos pode ser comparada com a de maio de 1968. A juventude saiu às ruas para protestar contra o ajuste da Troika, sob a bandeira da “juventude sem futuro”, dando origem ao movimento dos “indignados”, com base na Espanha. O resultado da articulação foi um primeiro dia de “indignação global”, em 15 de outubro de 2011, em 982 cidades do mundo. Este movimento em escala global teve outro ápice nos Estados Unidos, ganhando a forma de “ocuppy Wall Street”. Tivemos movimentos análogos em outras partes do mundo, como a primavera de Quebec, ou mesmo movimentos juvenis massivos no Estado de Israel. De conjunto, trata-se de uma combinação complexa de um método radicalizado de “ocupação das praças”, com negação do velho, da partidocracia e dos velhos “políticos”, com a disposição de novas ferramentas de comunicação. Um processo que sintetiza a ideia de “ruas e redes” como forma de multiplicar a capacidade de mobilização bem como democratizar a informação.
Tudo isso indica um novo horizonte na situação mundial, mostrando que também no terreno da ação direta das massas estamos diante de uma mudança histórica. Já não está mais o stalinismo como aparato contrarrevolucionário para deter o movimento. Trata-se de algo que apenas começa. Um informe de Bernardo Corrêa e Fernanda Melchionna, explicando a crise de representação da esquerda tradicional, nos relatava algumas das características destes processos num dos países mais avançados da luta de classes hoje, a Espanha.
“Esta ausência de representatividade também é geradora de um formato bastante horizontalizado e fragmentado destes movimentos que se organizam em torno de plataformas que, em suas confluências, encontraram a forma de ‘mareas’, ou seja, frentes que unificam diversos movimentos em torno de reivindicações. Para se ter uma ideia, nas manifestações de rua, via de regra, não há discursos, pois dificilmente se chega a um acordo em torno dos oradores. Isso sem falar na famosa palavra de ordem: ‘Que no! Que no nos representa! ’. Esta dinâmica está mudando pouco a pouco, começando a ser discutido nas assembleias de bairro propostas de plataformas políticas e inclusive na palavra de ordem agora mais frequente das passeatas: ‘Sí, se puede!’. O movimento de massas está ganhando autoestima, apesar de ainda não se colocar o problema do poder, ou colocá-lo de maneira muito abstrata”.
Este relato mostra que há um processo dinâmico, marcado ainda pela negação do velho e sem alternativa política, mas que pode seguir se desenvolvendo, um desenvolvimento com suas contradições que impõe aos revolucionários a necessidade de uma profunda reflexão para que atuem de modo realmente revolucionário, apostando que a emancipação dos trabalhadores deve ser obra dos trabalhadores mesmos, de que a juventude deve aprender com seus próprios erros e não ser tutelada, de tal forma que as ideias revolucionárias e marxistas possam de fato contribuir na auto-organização democrática do movimento de massas e as organizações marxistas revolucionárias possam se postular na prática como alternativa, conquistando com suas ações e elaborações o reconhecimento do movimento.
No terreno do movimento operário, ainda que o número de greves parciais tenha aumentado muito, e que em vários países tenham sido convocadas inúmeras greves gerais – tendo como ponto alto a greve geral ibérica de 14 de novembro –, o peso das demissões e das derrotas diante da crise levou a uma situação contraditória, marcada em partes da Europa pelo ceticismo com relação à mobilização (a França sofreu com esta questão) e ainda com as burocracias das grandes centrais sindicais com muito peso no movimento.
Todo este cenário de resposta do movimento de massas está atravessado, é evidente com o que foi aqui dito, pela dificuldade de construção de uma alternativa pela esquerda, para superar o impasse criado pelos partidos majoritários, a serviço da Troika. Se por um lado o movimento de massas rechaça, nas ruas e nas urnas, os velhos partidos – conservadores e socialdemocratas – por outro, cresce a polarização entre os extremos. É visível o incremento da xenofobia, do racismo e o crescimento político-eleitoral da extrema direita, em particular nos países do norte da Europa, mas também em países como a Grécia e na própria França. O epicentro desta disputa é a Grécia: a bancarrota dos partidos que conformam o governo de unidade nacional abre espaço para o crescimento de Syriza como coalizão da esquerda radical e também para o nazi-fascismo da Aurora Dourada – organização de extrema direita que tem como eixo programático a expulsão forçada dos imigrantes. Ademais, as próprias forças policiais do Estado burguês da Grécia atuam diretamente contra os imigrantes e respaldando as ações fascistas.
A crise econômica já se arrasta numa crise política. Estamos diante de uma nova situação política no mundo. Em síntese, uma situação marcada pela crise do capital, pela retomada das ações de massas e também por uma crescente polarização política e social. A maior contradição que o movimento de massas precisa superar é no terreno da consciência, já que não há uma unificação mínima necessária do movimento ao redor de um modelo ou ideia central capaz de unificar setores para apresentar uma saída global à crise. A falta de uma alternativa de esquerda na maior parte dos países, sem falar da fragilidade da esquerda anticapitalista, pode reforçar o ceticismo e o descrédito. É muito importante acompanhar o curso político da situação grega, hoje o elo mais débil do capitalismo europeu, e de sua direção mais importante, Syriza e Tsipras. Também pode cumprir um papel importante o Bloco de Esquerda português e mesmo setores da esquerda espanhola que se reagrupam.
O PSOL tem que ter uma postura decidida de apoio à Syriza e às iniciativas que possam surgir a partir daí. A realização de um comício comum, durante os festejos do 25 de Abril em Portugal, entre Syriza e Bloco de Esquerda vai nessa direção. Mesmo na Espanha, com a eleição de parlamentares de esquerda e socialista nas eleições regionais – como o caso da Catalunha, onde entrou David Compagnyon do POR e mais uma série de deputados da coalizão de esquerda CUP – o chamado à construção de alternativas de tipo Syriza ganha força. A tática de lutar por governos amplos antimemorandos é a única capaz de dar vazão à insatisfação social e converter-se num novo vetor político. Propostas alternativas com centro na dívida e novos mecanismos de participação popular devem ser parte do programa dos revolucionários: o plebiscito pelo não pagamento da dívida e a nova Constituição foram reflexo da “revolução cidadã” na Islândia. A proposta que Tsipras tem levantado de uma Conferência de países devedores, aos moldes do que aconteceu no pós-guerra, também é muito progressista.
4) O ciclo de rebeliões contra o neoliberalismo no continente
Atualmente, a América Latina não está no centro da luta de classes mundial. Mas esta caracterização é profundamente unilateral se não leva em conta de onde viemos. Se hoje não há um processo de lutas sociais com o mesmo peso do sul da Europa e do norte da África, isto se deve em primeiro lugar ao fato de que nosso continente já foi vanguarda na luta social na virada do século (no final dos anos 90 e início dos 2000), obtendo enormes conquistas sociais e, sobretudo, políticas, passando por um período de intervalo ou interregno depois destas experiências. Notadamente, o maior triunfo foram as mudanças de regime nos países que passaram a ser identificados como integrantes do bolivarianismo. Depois destas vitórias, o movimento de massas conheceu uma relativa estagnação. Como veremos, aqui residem os limites do próprio bolivarianismo e também as dificuldades para superá-lo.
Particularmente, de 2005 para cá, a América Latina conheceu um período de relativa estabilidade do ponto de vista econômico e político. O fato é que ela foi beneficiada pelo crescimento chinês da primeira década do século XXI. Com uma economia baseada na exportação, o conjunto dos países do continente se beneficiou do salto chinês em relação ao mercado de matérias-primas. Tal cenário permitiu o crescimento econômico com bases nesse modelo, fazendo frente ao epicentro da crise financeira dos Estados Unidos. Tal estabilidade levou à reeleição a maioria dos projetos políticos que assumiram após o ciclo de contestação do modelo neoliberal. Os países chamados bolivarianos também navegaram nesta conjuntura.
Para uma discussão sobre a América Latina é útil levar em conta que a dinâmica de ascenso latino-americano também obedeceu aos ritmos das crises internacionais, o que requer, portanto, uma análise da relação entre crise econômica e ascenso de massas. Não podemos perder de vista que os anos noventa foram anos de auge no continente do neoliberalismo como projeto de transição conservadora, consolidando um modelo econômico, após as ditaduras militares, que pudesse deter o ascenso que colocou ponto final nestes regimes. Com um planejamento estratégico orientado para a liberalização dos seus mercados internos, as privatizações, a retirada de direitos e a flexibilização a serviço do “estado mínimo”, os governos neoliberais seguiram a receita econômica de Thatcher-Reagan, e regionalmente, do modelo pinochetista. No começo da década de 90, tínhamos a presença de Collor (Brasil), Menen (Argentina), Frei (Chile), Lacalle (Uruguai), Fujimori (Peru), entre outros líderes com essa orientação.
Mas estes planos foram produzindo resistências. No início, o movimento de massas aparecia golpeado, objetivamente pela reestruturação produtiva, reduzindo em muito o peso e o protagonismo do proletariado neste período histórico, bem como, do ponto de vista subjetivo, pelo papel das direções políticas conciliadoras e reformistas que usavam a confusão causada pela queda do muro de Berlim, a campanha imperialista pelo fim da história, para recuar e renegar bandeiras de esquerda.
A implantação dos planos econômicos, porém, depois de um período de acumulação capitalista acelerada, ao invés de trazer prosperidade, foi produzindo desigualdade social e continuidade da miséria geral das massas, além de precarização dos serviços públicos. Quando as dificuldades na acumulação do capital se fizeram maiores e veio a crise econômica, o movimento de massas respondeu pela via da ação direta e também pela via eleitoral. Foi precisamente em nosso continente onde a resposta às crises econômicas dos anos 90 foi mais intensa.
O levante zapatista de 1994, por exemplo, teve como pano de fundo o protesto contra a instalação do NAFTA (Acordo de Livre Comércio com os EE.UU.), antecipando neste caso a crise total do plano econômico mexicano que se expressaria meses mais tarde, concretamente em dezembro. Poucos anos depois, na sequencia do efeito tequila, tivemos a crise dos Tigres Asiáticos (1997), da Rússia e a crise brasileira de 1999. Em 2001, seria a vez da Argentina, com a explosão do plano de dolarização e com o corralito. A crise de 1999 no Brasil levou o governo federal a uma derrota que teria consequências na eleição seguinte, onde Lula derrotaria o candidato da situação. Na Argentina, o esgotamento do governo Menem produziu um cenário de polarização e enfrentamentos. O governo De La Rua levou o país a seu limite, com o agravamento da crise econômica e a deterioração das condições de vida. Em dezembro de 2001, a situação se agudiza, levando a semi-insurreição conhecida como Argentinazo, que combinando saques, piquetes nos bairros e panelaços, derruba o presidente, representando um corte na história do país, complicando durante muitos anos a possibilidade da burguesia recorrer a sua antiga fórmula dos golpes militares.
A Venezuela foi o ponto alto desta confrontação. Ao contrário de outros países, onde aconteceram grandes refluxos nos anos noventa, o Caracazo de 1989 alterou profundamente a correlação de forças. A tentativa de levante militar de Chávez em 1992 colocou-o como um protagonista das demandas levantadas pela batalha de 89. Dez anos mais tarde, pela via eleitoral, Chávez surpreendeu a todos e acabou com o regime bipartidarista de então – o chamado “punto fijo”, entre AD e Copei. A derrota do golpe militar, em 13 de abril de 2002, foi um salto de qualidade, com uma insurreição popular derrotando, pela primeira vez em muitos anos, a direita golpista no seu próprio terreno.
No Peru, a ditadura de Fujimori se impôs com um modelo de repressão, após a guerra civil no país, adotando o receituário neoliberal. A mobilização popular, canalizada em 1999/2000 no movimento amplo democrático que resultou na Marcha dos 4 Suyos levou à queda da ditadura e, a partir de 2000, a uma nova etapa política no país, com maiores liberdades civis e de organização social. No Equador, foram vários os governos derrubados pela via da mobilização popular. O mais emblemático foi o caso do levante de janeiro de 2000, que projetou o coronel Lucio Gutiérrez como liderança nacional, levando-o a uma vitória eleitoral, anos mais tarde. O próprio Gutiérrez foi apeado do poder, por conta da insatisfação popular com seu programa, no ano de 2005. Na Bolívia, enfrentamentos que começaram com a guerra da água, em 2000, contra a privatização dos recursos hídricos, tiveram continuidade em 2003 quando o movimento de massas derrotou Sánchez de Lozada, que renunciou depois de batalhas que tiveram mais de 80 mortos. O governo já débil de seu sucessor, Carlos Mesa, foi derrocado por um processo muito similar, no ano de 2005.
De uma ou outra forma, o mesmo tipo de repúdio se verificou em países como o Uruguai, onde os protestos de 2002-03 construíram as bases para um inédito governo da Frente Ampla, no Paraguai com a vitória eleitoral de Fernando Lugo, na Nicarágua com Ortega e em El Salvador com Funes. Na maior parte destes processos, combinaram-se lutas de caráter popular e mobilizações de rua com novas conformações eleitorais, que expressaram uma correlação de forças distinta, com uma agenda crítica à doutrina neoliberal e novas direções para o movimento de massas.
O cenário de polarização do continente abriu o caminho para as mobilizações que questionaram o processo de globalização, especialmente as de Seattle, em 1999; logo em seguida vieram as manifestações nas reuniões de organismos internacionais e a realização dos Fóruns Sociais Mundiais a partir de Porto Alegre.
5) O bolivarianismo como expressão do anti-imperalismo
O ascenso produziu diferentes tipos de governo, visto que cada realidade nacional atende a um nível de desenvolvimento da luta de classes e da construção subjetiva de alternativas pela esquerda. De forma esquemática, como parte deste novo cenário, produziram-se três tipos de governo, ainda que com alguma heterogeneidade entre eles: nos países onde há maior desagregação do tecido social – e onde a esquerda tem menos peso urbano e organizado –, produziu-se um giro à direita com governos mais conservadores. Uma direita populista, com um programa mais duro centrado no “combate à violência urbana”. Suas principais expressões são México e Colômbia – com governos do tipo Uribe/ Santos.
O segundo tipo de governo é o que se produziu especialmente no Brasil, onde o peso do ascenso foi menor – na verdade aqui toda a década de 90 e o início dos anos 2000 se mantiveram da mesma forma, a marca foi a relativamente baixa atividade do movimento de massas – facilitando e permitindo que a direção do PT optasse por uma via de conciliação de classes. O PT é a forma máxima deste tipo de governo, definido como social-liberal. Um governo composto por lideranças políticas oriundas da esquerda, ex-guerrilheiros, sindicalistas, ativistas dos Direitos Humanos, com forte ênfase em medidas compensatórias e políticas sociais, mas que tem como seu programa a garantia da governabilidade, dos ajustes e da sustentação do próprio regime, pactuando com a direita e as classes dominantes do país. Também poderíamos enquadrar neste tipo de governo, ressalvando, como já dito, as diferenças, os governos de Bachelet no Chile [que provavelmente vai voltar ao poder neste ano], de Ortega, Funes e os governos dos Kirchner na Argentina.
Como expressão mais avançada do processo que percorreu o continente, tivemos no governo de Chávez e na Venezuela uma corrente que representou na superestrutura o repúdio do movimento de massas ao neoliberalismo e, sobretudo, ao imperialismo. Como parte do ascenso continental, podemos definir como governos bolivarianos, além da Venezuela, Equador e Bolívia. Os traços fundamentais do bolivarianismo podem ser definidos da seguinte forma:
– São governos de ruptura com o modelo neoliberal e em choque com setores da burguesia tradicional. São governos de ruptura com o imperialismo, com ênfase na recuperação dos recursos naturais e na centralidade do poder estatal na economia;
– Podemos definir, do ponto de vista internacional, que são governos independentes;
– Representam um nacionalismo progressista, de caráter pequeno-burguês, pois expressam setores intermediários despojados do poder por conta do modelo neoliberal. No caso da Venezuela, setores da média oficialidade do exército, apoiados em amplos contingentes de massa popular; no caso da Bolívia, camponeses e setores amplos do povo; no Equador, camadas radicalizadas das classes médias urbanas e a população indígena (ainda que parte significativa da última tenha rompido com Corrêa no último período, fruto de seu apoio aos projetos de infraestrutura levados adiante pelas empreiteiras e pelo capital brasileiros);
– O bolivarianismo apoiou-se, do ponto de vista político, econômico e simbólico, para recuperar o maior patrimônio do movimento de massas latino-americano, na Revolução Cubana. A mudança nessa situação fez com que Cuba rompesse seu isolamento político, retomando, com suas contradições, limites e mesmo retrocessos em algumas conquistas da revolução, um papel de maior protagonismo no período recente, com seu apoio à construção da Alba, o rechaço à ALCA em Mar del Plata, a denúncia do golpe de 2002 na Venezuela, etc.;
– Os governos bolivarianos representaram mudanças nos regimes. Além da derrota dos partidos tradicionais, foram realizados processos constituintes, com leis progressistas e ampliação, ao menos formal, de espaços democráticos;
– O bolivarianismo, para além das fronteiras nacionais, apresenta-se como um projeto de integração latino-americana. A proposta da Alba foi o ponto alto desta identidade. A derrota da ALCA, central na estratégia do imperialismo, foi a materialização desta nova correlação de forças continental. As nacionalizações de grandes empresas [hidrocarbonetos na Bolívia, petrolíferas no Equador, retomada de campos com a bacia de Orinoco e Sidor na Venezuela], o controle estatal das finanças e medidas como a auditoria da dívida no governo Correa são parte destas conquistas.
Por estas conquistas é que o imperialismo ataca o bolivarianismo. Por isso, a burguesia parte para uma ofensiva desestabilizadora contra o processo, a soldo do imperialismo, que pode levar a um retrocesso: a um ponto anterior ao surgimento do bolivarianismo. Não há como não reconhecer o peso que teria um retrocesso nas conquistas representadas pelo bolivarianismo. Como ficaria a luta democrática e revolucionária de Julian Assange, por exemplo, se não houvesse o governo de Correa como expressão bolivariana e anti-imperialista?
É claro que a direção do movimento e dos governos bolivarianos tem sérios limites e contradições. As alianças que a direção da corrente bolivariana tem com setores burgueses e, sobretudo, com a burocracia estatal, nefasta para os interesses do movimento de massas, são posições que também contribuem no retrocesso do processo. Tais posições burocráticas se expressaram na desastrosa e nefasta política burocrática e pró-ditaduras durante a primavera árabe, defendidas por Chávez diretamente.
A vitória recente de Maduro, com suas debilidades, expressa mais claramente as dificuldades, limites, contradições e riscos de retrocesso deste processo. Estamos entre aqueles que celebram sua vitória. Mas é preciso interpretar os sinais dados pelo resultado eleitoral. É evidente que o imperialismo e a burguesia atuam e esta atuação incide em setores da classe média e até em parcelas do povo pobre mais atrasado politicamente. Mas seria cegueira não perceber que existem motivos para questionar e enfrentar o burocratismo, as manipulações e as capitulações pró-burguesas da direção chavista. E o chavismo sem Chávez tem muito mais dificuldades de apreender com os erros, corrigir a rota e se apoiar na mobilização de massas. Esta é a tragédia representada pela sua morte.
6) As incertezas diante da morte de Chávez
Chávez foi o dirigente mais importante dos últimos 25 anos no continente. Sua morte representou uma perda sem proporções para todos os socialistas do mundo. Sua trajetória recente foi fundamental para reconstruir parâmetros pela esquerda na luta política. Para além de seu enorme carisma e de sua liderança incontestável, podemos assinalar que sua localização foi se radicalizando de acordo com os avanços do movimento de massas na Venezuela e no continente. Seu programa de recuperação dos recursos naturais, fundamentalmente a renda petroleira da Venezuela, transformou estruturalmente o país: reduziu a desigualdade, nacionalizou parte das empresas estratégicas, deu o combate contra a mídia golpista do país, projetou internacionalmente um polo alternativo, chegando a convocar a discussão sobre o “socialismo do século XXI” e a necessidade de uma “V Internacional”.
Tais elementos nos servem para pensar como a ausência da referência de Chávez trará incertezas para qualquer projeto alternativo. As próprias dificuldades que já vivenciava o processo da Venezuela, antes mesmo da morte de Chávez, eram evidentes. O peso da burocracia na gestão do Estado e o próprio bonapartismo que acompanha Chávez em sua conduta eram problemas claros. O documento que transcreve um dos últimos discursos de Chávez, numa reunião de seu Conselho de Ministros, conhecido como “Golpe de Timão”, expressa várias preocupações e críticas de Chávez nessa direção.
O resultado da eleição presidencial confirma nossa hipótese de maior insegurança após a morte de Chávez. A vitória apertada de Maduro, num cenário onde a direita de Capriles parte para uma polarização ainda maior, com recursos golpistas e grupos de choque gerando caos e confusão nas ruas – o resultado dos enfrentamentos entre opositores e chavistas foi o saldo de oito mortos, além de centenas de feridos e prédios incendiados –, coloca a Venezuela numa encruzilhada. A direita quer, seja pela via da força, seja pela via eleitoral (utilizando o mecanismo do referendo), ou, o que é mais provável, combinando sabotagem e reação “democrática”, inviabilizar o projeto bolivariano, derrotar Maduro e o PSUV para voltar ao “pré-chavismo”, os tempos da Venezuela saudita, com uma burguesia parasitária e entreguista dirigindo o país.
A tarefa dos socialistas nesta situação delicada é buscar defender as enormes conquistas da revolução bolivariana, sem, entretanto, deixar de combater suas contradições e examinar suas insuficiências. É claro, então, que se caminha no fio da navalha. Isso já ocorria com Chávez no comando. Agora, sem Chávez, é ainda mais contraditório, porque devemos combater o retrocesso e ao mesmo tempo repudiar o burocratismo. E particularmente devemos estar atentos ao que farão os governos latino-americanos diante da nova crise econômica que se inicia na América Latina, colocando-nos claramente contra o ajuste e qualquer tentativa de fazer a crise capitalista ser paga pelo povo.
A melhor definição de nosso desafio é a necessidade de superar, na forma de síntese, a experiência do bolivarianismo, abrindo passo para posições anticapitalistas, sem perder o melhor desta referência. A dificuldade da luta de classes na América Latina consiste justamente em realizar esta ultrapassagem. Por um lado as conquistas alcançadas no terreno político foram muitas – referentes aos países bolivarianos. Tão significativas que não é fácil visualizar um nível de atividade e consciência de massas que permita novas conquistas qualitativas em médio prazo. E não se pode contar que as direções atuais – e neste caso nos referimos aos governos bolivarianos – assumam esta tarefa de impulsionar tal atividade. Anos de presença na superestrutura estatal promoveram pesados vícios burocráticos – além das relações de conciliação com os interesses burgueses da política (como veremos, direção do PT inclusa) para que tais direções optem por este caminho. Por sua vez, o desgaste destes movimentos em suas relações com setores de massas, infelizmente – pelo menos no caso da Venezuela – tem aberto caminho para o fortalecimento bem superior das forças de direita, mais ainda se comparamos com as forças anticapitalistas independentes. Num cenário de polarização desencadeado pela direita e o imperialismo, o crescimento da esquerda independente que busca tal ultrapassagem se complica ainda mais. O risco do retrocesso é real.
O reforço para o movimento de massas pode vir da aceleração de outros processos que durante as ultimas décadas não chegaram tão longe. Assim, o Peru, que tem muitas características similares aos países bolivarianos, pode ser o próximo reforço – com o trotskismo inserido no bolivarianismo com força – assim como o Chile, com seu constante ascenso juvenil, e, sobretudo, a Argentina, onde processos mais urbanos e com mais peso do proletariado e da classe média podem desestabilizar o domínio burguês. Um processo na Argentina, aliás, tem um impacto direto no Brasil, país que até então, embora também tenha vivenciado a contestação aos planos burgueses de ajuste e ao domínio imperialista, cumpriu um papel de estabilizador dos interesses burgueses no continente.
7) O Brasil, suas desigualdades e combinações com o processo latino-americano
Como veremos agora, um dos maiores limites do bolivarianismo até então – e isso não se alterou em nada – está no peso do Brasil e na influencia da política do PT no continente. Neste sentido é muito importante compreender como o ascenso da virada do século na América Latina teve ritmos diversos, sendo o Brasil a expressão mais viva destas desigualdades, e como estas desigualdades se combinaram com o Brasil, no governo do PT, utilizando-se de seu peso econômico e político para condicionar o conjunto do continente.
Como dissemos anteriormente, o Brasil viveu um processo distinto, ainda que com muitas conexões com o processo continental. Aqui o ascenso forte ocorreu apenas nos anos 80, expressando-se diretamente na queda da ditadura e culminando em 1989 com a campanha presidencial de Lula, cujos comícios de massas eram verdadeiras jornadas de lutas pelas bandeiras da esquerda, contra os latifundiários e contra os capitalistas. A irrupção do movimento de massas, em suas múltiplas expressões, polarizou o conjunto da década. O crescimento das organizações dos trabalhadores, a CUT e o PT foram resultado deste ascenso.
A derrota da Lula em 1989, combinada com o abandono da defesa formal do socialismo por parte de setores confusos com a queda do muro, a nova lógica da reestruturação produtiva – que produziu a redução de centenas de milhares de postos de trabalho no país – e, sobretudo, a política conciliadora do núcleo da direção petista ao redor de Lula, desmobilizaram o movimento de massas. Mesmo com a luta estudantil que derrubou Collor em 1992, a burguesia logrou “normalizar” as relações sociais e políticas do país, com o FHC e o Plano Real. A derrota da greve dos petroleiros de 1995 selou a estabilidade burguesa, jogando o movimento dos trabalhadores na defensiva completa.
Então, enquanto na América Latina, em especial nos países bolivarianos, a marca da situação foi o ascenso do movimento de massas, em meados dos anos 90 em diante, no Brasil, predominou o refluxo, a ofensiva ideológica do neoliberalismo e a capitulação das direções tradicionais do movimento de massas – com suas centenas de parlamentares, milhares de cargos de confiança e até governos municipais e estaduais. Este quadro ajuda a entender por que o PT chegou ao governo pela via eleitoral pactuada, obstruindo a derrota do neoliberalismo no Brasil. O descontentamento com os partidos tradicionais e com o neoliberalismo se organizou em um sentimento de repúdio ao governo FHC, porém este sentimento foi canalizado pela via eleitoral e pela pressão sobre o PT (assumida como política pela maioria da direção do partido e por Lula em particular) para que este assumisse posições cada vez mais dentro do regime.
8) O subimperialismo brasileiro e o papel do PT
Ocorre que o pacto político do PT com a estabilidade burguesa e suas forças supera os limites do país, onde aplica um plano de ajuste contra os trabalhadores e o povo. O papel do PT, dos governos Lula e Dilma, foi e continua sendo o de freio no sentido de manter uma estabilidade a serviço dos interesses de setores “dinâmicos” da burguesia brasileira. O governo do PT atuou para evitar que os processos bolivarianos se expandissem. Como parte do novo cenário internacional, seu projeto é de expansão regional do capital nacional que podemos definir como subimperialista. Como bem define Mathias Luce:
“Nesta fase nos toca produzir produtos primários e semiprocessados, matérias-primas e materiais auxiliares como combustíveis para reduzir os custos do capital constante e o capital variável dos grandes centros capitalistas mundiais e dos centros emergentes como a China para deter a queda da taxa de lucro e promover na globalização vantagens competitivas às grandes empresas.
Neste mesmo contexto onde o subimperialismo brasileiro assume uma nova forma sob o novo modelo exportador, enquanto o conjunto dos países da região enfrentava uma avalanche de desnacionalizações neoliberais, o capitalismo brasileiro – ainda que haja passado pelo mesmo processo- o seguia com marchas e ritmos distintos. Aproveitando a condição do Brasil como subcentro econômico e político, algumas empresas da burguesia brasileira atuaram como coadjuvantes ou como ou protagonistas do processo de desnacionalização do continente. Brasil adentrou ao novo padrão exportador neoliberal lançando mão de um processo de aglomeração entre Estado e um grupo de empresas intensivas nos recursos naturais.”
Não existe novidade neste cenário. Os próprios documentos revelados pelo Wikileaks, das reuniões secretas entre José Dirceu e os representantes dos EE.UU. apontavam que o “risco” de que um governo do PT atrapalhasse os interesses norte-americanos na região deveria ser afastado. O projeto da IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana – é o grande plano de expansão que une o Estado brasileiro, através do financiamento do BNDES, com as grandes empresas. Metade das viagens de Lula desde 2011 foram pagas por construtoras, as grandes “múltis” brasileiras como a OAS, a Odebrecht e Camargo Corrêa. São várias as obras com a presença destas empresas. O recente conflito na região indígena do TIPNIS na Bolívia foi motivado pela estrada que atravessaria a reserva nacional presente ali. A OAS pretendia construir essa estrada. A Odebretch foi expulsa do Equador, depois das fraudes na construção da represa de San Francisco.
Se no terreno econômico, as grandes construtoras e o BNDES cumpriram este papel, no seu aspecto político, o PT busca disputar espaço com as outras iniciativas. Na contramão do bolivarianismo, o PT busca distância de qualquer projeto “radical” ou de maior enfrentamento. Assim foi quando Chávez quase ficou de fora do Fórum Social de 2003 [felizmente isso não ocorreu porque Chávez chegou a Porto Alegre e fez o mais dinâmico, ativo e agitado ato do Fórum, aceitando o convite da então deputada estadual Luciana Genro]. O PT se negou a levar adiante o projeto da ALBA. No Peru, sua política foi mais clara ainda: atuou de todas as formas para distanciar Ollanta de Chávez; dois de seus dirigentes, Favre e Pomar, dirigiram a campanha de Ollanta Humala para afirmar que o “Peru não seria outra Venezuela”.
No período de contestação e superação do neoliberalismo, o PT não só deu novas feições nacionais para os planos da burguesia e dos banqueiros como atuou como um freio decisivo para evitar o crescimento do bolivarianismo e o surgimento de governos e direções independentes com traços anti-imperialistas. Com seu peso regional e a força de sua economia, conseguiu em grande parte estabelecer uma relação de parceria com os governos chamados bolivarianos. Aceitar muitos dos condicionamentos definidos pelo PT foi, como dissemos, um dos principais limites deste movimento independente e uma das maiores expressões dos riscos de retrocesso embutida em sua própria lógica interna.
Agora, quando a crise econômica mundial parece ir evaporando as bases do crescimento capitalista dos últimos dez anos na região, é preciso ver como os novos governos irão responder a este cenário. Este será o principal teste do bolivarianismo. Se durante quase uma década administraram de modo independente, mas se mantendo numa estratégia de continuidade do capitalismo – apoiando-se em muitos casos na exportação de capitais do Brasil –, está claro agora que tal estratégia tem novas e profundas contradições.
9) As consequências políticas da integração do PT ao regime burguês
Como já assinalamos, diferentemente dos países bolivarianos, onde os regimes políticos foram alterados com a chegada das forças políticas de oposição ao neoliberalismo, no Brasil a chegada do PT ao governo nacional, que completa dez anos, não alterou o regime burguês. O mesmo regime foi mantido e o domínio de classe burguês passou a contar com o respaldo direto do que era antes o maior partido de oposição dos anos 80 até aquele momento. Assim, o regime burguês acabou sendo reforçado.
Este reforço é um fato e sua base pode ser encontrada também no crescimento do capitalismo brasileiro, na esteira da expansão chinesa, sobretudo de 2002 para cá. Mas se iludem os que acreditam no fôlego permanente da estabilização do regime político. O Brasil não está fora da crise mundial iniciada em 2008. A crise atinge os países de modo desigual, mas não há desconexão possível. E desde 2011, com a eclosão da primavera árabe, a entrada em cena do movimento de massas altera também, no terreno da ação e da consciência, a situação do mundo e a relação de forças entre as classes. O movimento de massas não está na ofensiva nem o projeto socialista esta relegitimado, mas a ideologia capitalista entrou em crise, perdeu a credibilidade que tinha e a estabilização do domínio burguês se quebrou e não tem perspectivas de recuperação nem a curto nem a médio prazo. O regime político burguês brasileiro, embora ainda relativamente estável, sofre o desgaste de uma forma de dominação perpassada pela corrupção e pela defesa de ajustes econômicos contra o povo que tendem a crescer. Ajustem que fazem com que as condições sociais estejam piorando, como mostram as verdadeiras catástrofes que ocorrem em nossa saúde pública produzidas pela política do governo de incentivar a privatização do setor.
Do ponto de vista da ação direta do movimento de massas, o Brasil está ainda longe das fortes e constantes ações que assistimos em várias partes do mundo. Mas tais ações de uma forma ou outra estão contribuindo para despertar o movimento no Brasil. Os poderosos meios de comunicação de massas, cuja capacidade de manipulação é conhecida, sobretudo a TV, não podem deixar de cobrir as imensas expressões de lutas no mundo que chegam até nós (por isso a ditadura chinesa é tão pesada para garantir a censura). Nesse sentido, estamos aproveitando aqui as conquistas democráticas que o movimento de massas obteve nos anos 80. Voltaremos a isso em seguida.
O fato do reforço do regime burguês ter se realizado com a ampla utilização do capital político do PT, com sua força junto aos setores organizados do movimento de massas, seu apoio eleitoral e sua capacidade de manipulação de massas, tem provocado uma mudança histórica, ainda em curso, na direção do movimento de massas, do movimento operário, juvenil e popular no Brasil. E esta mudança abre possibilidades revolucionárias. Atualmente, a principal faceta desta mudança é a existência do que chamamos de vazio de direção. Com sua gestão burguesa do estado, o PT foi se afastando cada vez mais de sua identidade histórica, se convertendo num partido da ordem e paulatinamente perdendo capacidade de influenciar o movimento de massas. Este deslocamento deixou um espaço vazio que tem aumentado. E não é negativo este aumento do vazio de direção porque quer dizer que o movimento de massas está se liberando de sua velha direção reformista, conciliadora, burocrática e hoje em grande parte burguesa.
Ao mesmo tempo, é no desdobramento desse processo de experiência e de ações que podem ir surgindo novas direções. E nele vimos surgir, mesmo que de modo muitas vezes efêmero, o surgimento de novas lideranças e direções, como as que organizaram as poderosas greves dos bombeiros e a explosões de descontentamento nos imensos canteiros de obras, como as das usinas de Santo Antônio e Jirau, e dos estádios de futebol Brasil afora.
Em resumo, tivemos duas conseqüências fundamentais: o regime burguês no Brasil ganhou fôlego, mas ao mesmo tempo foi aberto um espaço novo para a construção de uma nova direção para o movimento dos trabalhadores. E este espaço tende a crescer porque o regime político segue se enfrentando com os interesses do povo e já começou a perder a legitimidade e força que ganhou. Queremos a seguir dar três exemplos de processos que mostram as possibilidades de surgimento de uma alternativa: são eles a rebelião juvenil de Porto Alegre; a força da liderança de Marcelo Freixo no Rio de Janeiro; e, por fim, a luta pelos direitos civis dos LGBTs e o simbolismo positivo que Jean Wyllys tem encarnado.
10) A rebelião juvenil em Porto Alegre mostra o caminho
Também nos movimentos juvenis esta será a tendência. As mobilizações de massas em Porto Alegre contra os aumentos das tarifas de ônibus foram protagonizadas por milhares de jovens sem nenhum vínculo com o PT. Muitos, é claro, tinham os pais petistas. Mas os jovens eram sem partido, indignados, na esteira do que vimos no mundo, em especial em países como a Espanha. O PC do B, que nos anos 90 tinha peso majoritário no movimento estudantil e que ainda hoje tem força via sua capacidade de controlar a UNE, simplesmente não existiu no movimento que conquistou, pela primeira vez na história recente do Brasil, a redução da tarifa. Uma ação judicial do PSOL contra o aumento foi aprovada no dia em que dez mil jovens tomavam as ruas do centro da capital gaúcha sob uma chuva que não se via também há muitos anos na cidade. Sem a chuva seguramente teriam sido mais de 20 mil em marcha. E se a prefeitura decidisse recorrer – o que habilmente decidiu não fazer – a potência revolucionária deste movimento teria virado ato mais claramente. Nele não havia bandeira da UNE, nem da UJS. Somente foram vistas bandeiras do PSOL, do Juntos, do PSTU e dos anarquistas (duas por organização, como definiu em comum acordo a coordenação aberta do bloco de lutas).
O caso de Porto Alegre é interessante de ser observado porque representou uma clara vitória do movimento de massas e um laboratório político para a ação do partido. Aqui voltamos ao ponto anterior acerca da repercussão nacional das mobilizações mundiais para dizer que não se explica este levante em Porto Alegre sem a influência entre os jovens das ações de massas realizadas pelos espanhóis, portugueses, gregos e árabes. Estes jovens se formaram com a propaganda burguesa de que o Brasil deve se desenvolver para atingir a qualidade de vida da Europa e dos EUA e o que se tem destacado na vida social destes países é o aumento do desemprego, a ausência de perspectivas e agora, finalmente, em alguns casos, as mobilizações sociais.
Mas Porto Alegre deve nos proporcionar mais debates e elaborações. Devemos perceber e trabalhar nas características do tipo de partido que necessitamos e de como devemos atuar para construir uma nova direção para o movimento de massas do Brasil depois do colapso petista como alternativa de esquerda. Neste sentido, acreditamos que foram dados muitos exemplos do que fazer na experiência de Porto Alegre: respeitar os participantes do movimento, impulsionando sempre a mobilização, apostando na democracia, na participação ampla de todos e defendendo o partido como instrumento de luta. Por isso, sempre que possível, é preciso atuar nas mobilizações reais e fortes com colunas partidárias e ao mesmo tempo organizando colunas das frentes de intervenção onde atuamos – grêmios estudantis, faculdades, etc. – e tendo presente as bandeiras do partido – sem exageros, de modo cuidadoso e se for o caso recuando deste propósito, mas sem recuar nunca da defesa do caráter do nosso partido como partido de ação, de luta, com presença no movimento, expressando sempre esta presença com adesivos e camisetas que contribuam na construção de nossa identidade e marca nas lutas sociais.
A política do PSOL não teria sido vitoriosa se não fosse a utilização revolucionária dos mandatos do partido. Nossos dois vereadores atuaram colados aos interesses do movimento. Pedro Ruas e Fernanda Melchionna se tornaram aos olhos do povo da cidade os representantes políticos da luta contra o aumento das passagens. A própria mídia burguesa chegou a dizer que os dois do PSOL faziam mais barulho que dez vereadores somados. Nossa ação parlamentar foi decisiva, mostrando como se deve combinar a ação de massas e a parlamentar, com o eixo na mobilização, sem o qual nada ocorreria.
Por fim, o PSOL ainda agiu em duas frentes. Com nossos vereadores atuando sobre o Tribunal de Contas, aproveitando a existência de setores no Tribunal que já tiveram experiência comum com o partido na defesa de causas públicas, em particular na luta contra a corrupção do governo Yeda. Sem estes setores os cálculos mostrando os erros na fixação das tarifas não seriam revelados. Aqui cabe registrar a existência no interior do judiciário e ministérios públicos do Brasil setores democráticos radicais cuja origem remonta aos impactos das mobilizações democráticas pelas diretas já e outros movimentos sociais, em particular nos anos 80. Este é um fenômeno nacional. Em Porto Alegre, a outra frente de atuação do PSOL foi o movimento sindical rodoviário. Com uma política democrática e audaciosa, acompanhamos o processo de rebelião de base que ocorreu contra a direção do sindicato. Em uma assembleia de 700 rodoviários, sem a direção do sindicato, o PSOL foi o único partido chamado para compor a mesa e cerca de 130 trabalhadores colocaram no peito o adesivo do partido.
Com esta linha de atuação, o PSOL teve um enorme crescimento nas lutas contra as tarifas de Porto Alegre que marcaram na cidade um “antes” e um “depois” deste movimento de lutas de abril de 2013.
11) O Rio de Janeiro: Marcelo Freixo e a força da luta pelos direitos humanos e contra a corrupção
Foi também a atuação combativa que tem permitido que o PSOL cresça no Rio de Janeiro, conquiste a simpatia de artistas e músicos e ganhe para as fileiras partidárias lideranças como Daciolo, o principal dirigente das lutas dos bombeiros. Foi neste período das lutas dos bombeiros e dos PMs que se abriu uma nova conjuntura no país na qual o PT precisou se expor mais como um partido que dirige a repressão ao movimento de massas via as instituições do Estado burguês. A ação do exército para sufocar a greve dos PMs da Bahia foi o acontecimento que marcou esta mudança.
Sem pretender um balanço completo deste movimento – que teve seus altos e baixos, vitórias e derrotas –, consideramos que a grande marcha em Copacabana que reuniu mais de 40 mil pessoas em apoio aos bombeiros em 2011 foi a base da existência, um pouco mais de um ano depois, da chamada primavera carioca que levou o PSOL a ter cerca de 30% dos votos nas eleições do Rio de Janeiro. Logicamente este não foi o único fator, até porque nada disso teria ocorrido se o PSOL não contasse com um excelente candidato, o companheiro Marcelo Freixo, que tinha se destacado como principal líder da luta pelos direitos humanos no Estado. Mas as lutas dos bombeiros destronaram Sergio Cabral de seu prestígio e sua capacidade de hegemonia ideológica anterior e, combinada com a ação parlamentar de Freixo – com destaque para sua presidência na CPI das milícias –, produziram acontecimentos no Rio de Janeiro que mudaram também a história e as perspectivas da cidade e do estado.
Freixo é uma liderança reconhecida. Sua atuação de enfrentamento a um estado marcado pela corrupção, como é o caso do Rio de Janeiro, atraiu a simpatia de centenas de milhares de pessoas antes mesmo da campanha de 2012. O filme Tropa de Elite 2 foi apenas a expressão mais evidente da força que a luta pelos direitos humanos e contra a corrupção ganhou no Rio de Janeiro. E o PSOL tem sido o partido que alberga esta batalha, junto com os inúmeros movimentos sociais do estado.
12) Os direitos civis, a luta contra a homofobia e Jean Wyllys
O trabalho de Jean Wyllys deve também ser destacado. O combate contra o acordo do PT e do governo que conduziu Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos é apenas uma amostra da simpatia e apoio que recebe a causa dos direitos civis, por um lado, e do caráter reacionário das alianças do PT por outro. As mobilizações de massas do movimento LGBT são impressionantes. As paradas, independente do peso comercial que muitos setores querem dar, não anulam o caráter de protesto e de afirmação do orgulho gay. Trata-se, ademais, de uma luta mundial, a qual nos remete ao grande ascenso dos direitos civis nos anos 60. No entanto, na luta pela liberdade sexual, a dimensão de massas na atualidade é superior.
A luta pela liberdade sexual é uma das principais batalhas contra o fascismo. Queremos abrir um parêntese sobre este tema. O marxismo tem experiência nesta elaboração. Neste sentido, Wilhelm Reich segue sendo uma referência obrigatória. Sua psicologia de massas do fascismo explicou que a psicanálise revela-nos os efeitos e mecanismos da opressão e repressão sexual e suas consequências patológicas para o individuo. Reich mostra que, quando o processo de repressão sexual impede a sexualidade de atingir a satisfação normal, os mais variados tipos de satisfação substituta podem ser buscados. Por exemplo, a agressão natural transforma-se em sadismo brutal, que é um importante elemento de base psicológica de massa das guerras imperialistas instigadas por alguns. E conclui que tanto a moralidade sexual, que inibe o desejo de liberdade, como aquelas forças que apoiam interesses autoritários tiram a sua energia da sexualidade reprimida. Não é, portanto, à toa que os reacionários encabeçados pelo pastor-deputado Feliciano no Brasil encabecem a cruzada homofóbica e que, na França, grupos da extrema direita tenham enfrentado até a polícia para protestar contra a aprovação do casamento entre as pessoas do mesmo sexo, finalmente aprovado no Congresso francês.
Queremos, então, fazer uma caracterização categórica: no Brasil, as lutas pelos direitos civis estão na ofensiva e por isso que agora se organiza a reação. Tal reação da direita tem conseguido abrigo não apenas se apoiando numa parcela de massas ignorante e atrasada, mas nas alianças que PT, PC do B e PSB realizam (somando-se ao PSDB, DEM e partidos tradicionais da burguesia), permitindo que tais setores tenham espaço político e midiático. São estas alianças encobertas pela “esquerda” que legitimam no Congresso Nacional as bancadas ligadas às igrejas reacionárias evangélicas e a bancada ruralista (quanto à última, basta ver o apoio que recebeu de Aldo Rebelo no debate sobre o Novo Código Florestal).
13) O espaço para um alternativa política existe, mas não está livre de obstáculos e dificuldades
Evidentemente, não temos uma situação fácil e muito menos um avanço linear a favor da construção de uma nova direção para o movimento de massas. Até porque o PSOL como partido nacional ainda não tem uma orientação clara para seguir os exemplos que foram dados no Rio de Janeiro nem em Porto Alegre. Mesmo nestas cidades, o PSOL está longe de estar consolidado como uma direção. É preciso muito trabalho e melhorar muito para que se possa seguir e desenvolver um caminho de avanços. Mas, ainda mais importante, a situação objetiva ainda não tem desdobramentos tão acelerados e as mediações burguesas de dominação ideológica e política são muitas e poderosas. Além disso, quando a dominação ideológica não funciona, o Estado burguês tem seus instrumentos de repressão bastante intactos. A repressão direta e a utilização do judiciário para criminalizar os movimentos sociais têm sido usadas mais vezes e de modo mais firme. A repressão contra os bombeiros foi expressão disso. A Lei Geral da Copa carrega também este conteúdo, além, como sempre, dos constantes assassinatos entre os movimentos camponeses e indígenas e das ações de despejo como a que ocorreu no Pinheirinho em São Paulo e no museu do índio no Rio de Janeiro.
Não subestimamos as forças da reação e da burguesia. O Brasil não está nem em uma situação pré-revolucionária, como podem estar alguns países do sul da Europa, e estamos muito distantes de uma situação revolucionária. Esta perspectiva não está sequer num horizonte visível. Mas tampouco temos uma situação estável, de crescimento sustentado do capitalismo e passividade completa das massas. As tendências de estagnação econômica estão se incrementando e as exigências do ponto de vista burguês de aumentar o ajuste contra o povo crescem ainda mais. O crescimento dos conflitos sociais é inevitável. Para isso é que o PSOL deve se preparar.
Ao contrário da propaganda governamental do “país da classe média”, o que temos visto como resultado da atual etapa de desenvolvimento do capitalismo brasileiro é uma recomposição da base da pirâmide social. No critério falacioso do governo e de seus ideólogos, estariam na classe média pessoas que têm renda familiar entre R$ 1.200 e R$ 5.174, uma disparidade de 430% entre o piso e o teto. Conforme afirma o próprio petista Márcio Pochmann (Nova Classe Média?, Boitempo, 2012): “Tendo o setor de serviços como principal fonte geradora das novas ocupações, compreende-se que a reconfiguração de parte significativa da classe trabalhadora na base da pirâmide social brasileira nos impede de a identificarmos como uma nova classe social, muito menos como classe média no país”.
O que marca a realidade da classe trabalhadora é, portanto uma renovação na base da pirâmide social brasileira marcada por cinco tipos de trabalho: trabalho para famílias, sendo 60% deste trabalho doméstico, trabalho nas atividades primárias, trabalho autônomo, trabalho temporário e trabalho terceirizado. Ou seja, modalidades de trabalho sem direitos e/ou precarizados que crescem em tamanho, sem com isso aumentar a participação total do trabalho na renda. Os setores que mais têm perdido são os trabalhadores com rendimento acima de 3 salários mínimos, tanto em ofertas de vagas de emprego, quanto em participação do salário na renda global do país. Este setor compreende a grande maioria dos operários, servidores públicos e outras categorias que são os principais protagonistas das lutas sindicais. Estes também são os setores que respondem pelo aumento da intensidade do trabalho e, consequentemente, de sua produtividade. Na pesquisa realizada por Lee, Mc Cann e Messenger (Duração do trabalho em todo o mundo: tendências de jornadas de trabalho, legislação e políticas numa perspectiva global comparada. OIT, 2009), chama atenção o destaque do Brasil, ao lado da China, Hungria e República Tcheca, como país onde esquemas baseados em horas médias, nos quais compensação de jornadas e modulação das semanas de trabalho são propostas cada vez mais aceitas pelos sindicatos, configurando um cenário que torna a jornada de semanal trabalho mais flexível, no qual a utilização do banco de horas e a não compensação das horas é sua principal expressão. É parte de um fenômeno mundial no qual se estima que “mais de um em cada cinco trabalhadores/as em todo o mundo, trabalha mais de 48 horas por semana”.
Em poucas palavras pode-se concluir que a base precarizada do trabalho social total (e aí se incluem operários das obras do PAC, Copa, Olimpíadas, etc.) tem gerado lucros ainda maiores para os detentores de propriedade. Ao observarmos que “o maior saldo líquido das ocupações abertas na década de 2000, encontrou-se naquelas de salário base, ou seja ao redor do salário mínimo nacional. Dos 2,1 milhões de vagas abertas anualmente, em média 2 milhões encontram-se na faixa de até 1,5 salário mínimo mensal (…) está em curso uma crescente polarização entre os dois extremos com forte crescimento relativo: os trabalhadores na base da pirâmide social e os detentores de renda derivada da propriedade” (Pochmann, 2012).
Tal cenário coloca novos desafios à luta de classes no Brasil, pois a sustentação do consumo tem se dado principalmente a partir de endividamento e crédito, pressionada por um aumento da inflação. A configuração da pirâmide social tal como apresentamos aqui – e a fragilidade das condições da força de trabalho que está em sua base – levará a mais conflitos sociais no próximo período e é nisso que devemos apostar para desenvolver o partido.
Vladimir Safatle, em sua intervenção no ato organizado pelo MES no 1º de maio em São Paulo, apontou os limites do “lulismo”. Para ele, nos governos petistas, a cidadania foi mediada pelo acesso ao mercado e ao consumo e não pela expansão dos direitos sociais. As promessas oficiais de ascensão à “classe média” e de acesso a determinados produtos e serviços – bastante dependentes, porém, do acesso ao crédito – não levam em conta questões fundamentais para a consolidação da melhoria das condições de vida e para uma ascensão social duradoura. Para tanto, seria incontornável levar adiante reformas estruturais, como a consolidação de uma rede previdência social, a elevação dos patamares salariais e dos direitos trabalhistas. Estas, no entanto, foram deixadas de lado pelo PT e por seus governos.
Este modelo de estímulo ao consumo, para Safatle, chegou em seu limite. A ausência de garantias, pelo Estado, de acesso a serviços de educação e saúde públicos, gratuitos, universais e de qualidade impossibilita qualquer mobilidade profunda. A extensão limitada dos direitos – cuja ampliação saiu do debate nacional – fortalece a mediação da cidadania pelo mercado. Para oferecer uma saída alternativa, no entanto, seria necessária uma força política robusta o suficiente para impulsionar tais transformações, uma esquerda, segundo o autor, “que não tenha medo de dizer seu nome” e afirme categoricamente que somente uma saída socialista pode garantir os anseios de milhões de trabalhadores brasileiros. Esta esquerda é representada, no Brasil, pelo PSOL.
Do ponto de vista da consciência do movimento de massas no Brasil, a experiência com o PT cobra ainda seu preço. Há os que se decepcionaram – tanto pelas posições econômicas do PT quanto pelos esquemas de corrupção como o mensalão – e que caíram numa posição cética. O ceticismo tem um componente positivo quando é dinâmico, quando representa uma busca por algo novo, mas é nefasto quando se cristaliza, quando alimenta a inação, o comodismo. Além do ceticismo produzido pela decepção com o PT, há ainda os céticos que não haviam aderido ao PT – que não votavam no PT nos anos 90 por este ser de esquerda – e que tendem mais às posições burguesas, cuja exploração na questão do mensalão foi fartamente utilizada como arma. Estes estão muito mais distantes de uma evolução progressista. Por sua vez, há também os que, desiludidos, aceitaram o projeto petista como o projeto da mudança realista. Este setor ainda forma a base eleitoral do PT porque é o que mais rejeita qualquer possibilidade de retorno dos partidos e políticos tradicionais do PSDB, DEM, etc., e sua posição se reforça diante do desastre político das principais forças de oposição no país. Nesse sentido, podemos dizer que as forças burguesas tradicionais são o maior trunfo do PT, já que é esta oposição que consolida um setor de massas com posições mais à esquerda em sua defesa eleitoral. Soma-se a isto, é claro, um grande setor de massas, cuja principal característica é a terrível condição de miséria social a que está submetido, fazendo-o depender das políticas assistenciais do Estado – muito inferiores do que realmente uma decente política de assistência social requer, mas que mesmo assim permitem a manipulação política de forma ampla.
Esta radiografia estaria totalmente incompleta se não apontasse a parcela social mais dinâmica: a imensa juventude que não tem o peso da traição em suas costas e que está disposta e ativa na construção de seu futuro. Esta é claramente a principal base sobre a qual o PSOL precisa atuar, razão pela qual somos entusiastas do desenvolvimento de movimentos juvenis anticapitalistas e independentes como o JUNTOS. Além da atuação sobre a juventude, o eixo do partido deve ser os setores sociais que lutam – caminho mais eficaz para fazer com que o ceticismo dê lugar à busca de algo novo – e que, somado a decididas participações eleitorais do partido, pode deslocar para o PSOL os setores mais progressistas que ainda dão respaldo eleitoral para o PT ou a variantes novas como Marina Silva.
As eleições de 2014 serão um momento importante da disputa pela consciência do movimento de massas. Conscientes de que o regime de dominação burguesa não é posto em questão nem em xeque pela direção do PT – nem por Lula nem por Dilma –, importantes setores tradicionais da burguesia tentam retomar o controle direto da máquina pública. A Rede Globo é sempre o principal “partido” que defende uma política de unidade-enfrentamento com o PT. Unidade para defender o regime burguês e enfrentamento para conquistar pela via eleitoral um novo governo que seja associado diretamente aos interesses políticos e comerciais desta empresa, que representa uma ideologia reacionária, neoliberal e pró-imperialista. Neste plano, apostam em Aécio Neves, mas aceitam também a possibilidade de Eduardo Campos, cujo partido durante anos foi aliado do PT, mas que serve também aos planos burgueses de aumentar o domínio dos monopólios privados sobre a política partidária e sobre os governos de turno.
A polarização eleitoral que a Rede Globo e seus representantes políticos diretos tentam impor no país dificulta o trabalho do PSOL porque leva à consolidação dos setores mais progressistas numa posição de adotar o PT como mal menor. E o surgimento de Marina é uma reciclagem conservadora que acaba despertando ilusões em setores sociais que não querem os partidos burgueses tradicionais, nem o PT, mas que não são defensores de uma saída de luta contra a burguesia. Do ponto de vista eleitoral, reduz o espaço nacional do PSOL. Nos estados e na disputa parlamentar, o partido terá espaço maior, mas a escolha de um bom nome para representar o partido é muito importante para a acumulação partidária, para a afirmação de valores, de princípios e de pontos programáticos e políticos fundamentais. Quais devem ser as bandeiras que nortearão nossa disputa no próximo período? Vejamos a seguir algumas delas.
14) Eixos de um programa para impulsionar a mobilização e apresentar ao país nas lutas e nas eleições
O partido precisa ter um programa político que parta das necessidades do movimento de massas, dos trabalhadores empregados e desempregados, do povo pobre e da juventude que não tem futuro num sistema que atende apenas os interesses dos ricos e poderosos.
Um programa que seja de mobilização, que seja apresentado com a mensagem clara que de que sua implantação depende da luta de nosso povo por seus direitos e interesses. Um programa que tenha um conteúdo claramente anticapitalista, isto é, que se sustente na defesa dos interesses públicos, no controle popular da economia e no atendimento das demandas mais sentidas da classe trabalhadora. Um eixo anticapitalista geral que combine as inúmeras tarefas econômicas, políticas, sociais, de direitos civis e de combate à destruição dos recursos naturais.
O conteúdo anticapitalista do programa deve contemplar também as bandeiras contra a corrupção. Afinal, a população pode não ter consciência da necessidade das tarefas anticapitalistas, mas tem clara consciência contra a corrupção e repudia esta prática hoje já colocada como natural pelos partidos políticos do regime. Trata-se de uma prática e de uma metodologia intrínseca dos partidos burgueses e de seu regime (o PT com o mensalão e o PCdoB com a corrupção na área dos esportes e do meio-ambiente mostram sua integração ativa no regime) Por isso, os revolucionários devem saber aproveitar este legítimo ódio contra a corrupção para combater os corruptos, os corruptores e mostrar a ligação entre eles e o sistema de conjunto. As privatizações, as licitações fraudulentas, as votações no Congresso, os mecanismos de financiamento de campanhas eleitorais são todos canais deste processo de desvio dos recursos públicos por e para verdadeiras máfias partidárias.
Eis alguns pontos que defendemos:
1. Aumento geral de salários. Não às demissões;
2. Contra o aumento das tarifas públicas – congelamento de preços da cesta básica. Abertura das planilhas das empresas que prestam serviço público. Auditoria nas contas- revisão das concessões;
3. Prisão para os corruptos e corruptores. Abertura do sigilo fiscal, telefônico e bancário dos parlamentares em todos os níveis;
4. Suspensão do pagamento da dívida – auditoria nos marcos da CPI e da campanha da Auditoria Cidadã;
5. Fim do superávit primário. Redução das taxas de juros. Controle social e popular da Economia. Estatização do sistema financeiro;
6. Revisão da Lei Geral da Copa. Apoio às greves nos canteiros de obras e nos estádios. Não às remoções;
7. Anulação da Reforma da Previdência votada pelo mensalão. Fim do fator previdenciário;
8. Reestatização da Vale. Não às privatizações dos serviços essenciais, dos portos, das malhas ferroviárias e dos aeroportos. Fim dos leilões de bacias petrolíferas. Redefinição do papel do BNDES – dinheiro público para empresas públicas! Fim das isenções fiscais para as grandes empresas! Benefícios fiscais apenas às pequenas empresas e para o povo. Por uma Petrobrás 100% estatal. Não à privatização dos hospitais universitários. Não ao projeto da EBSERH;
9. Reforma agrária. Pelo fim da impunidade. Investigação dos crimes no campo. Mais linhas de financiamento para pequenos e médios agricultores;
10. Defesa do meio-ambiente. Não à construção da usina de Belo Monte. Defesa das demarcações das terras indígenas e quilombolas. Defesa dos ribeirinhos e das comunidades originárias;
11. Pelo direito de greve. Fim da espionagem contra os movimentos sociais. Fim dos processos e das prisões aos que lutam. Fim da perseguição e anistia ao Cabo Daciolo e demais lideranças de bombeiros e policiais militares. Pelo direito à sindicalização dos militares. Abaixo a criminalização dos movimentos sociais;
12. Reforma tributária progressista. Votação do projeto de lei que regulamenta o imposto sobre as grandes fortunas. Fim das isenções e da guerra fiscal;
13. Aprovação do PLC 122 – Por um Brasil sem Homofobia. Criminalização da homofobia. Aprovação do casamento civil igualitário;
14. Basta de guerra contra os pobres e mortes na periferia. Investigação dos assassinatos. Reparação e indenização para as vítimas. Combate real às milícias;
15. Ampliação dos direitos das mulheres. Ampliação da Lei Maria da Penha. Mais creches públicas. Descriminalização do aborto;
16. Regulação da grande mídia. Democratização dos meios de comunicação. Fim dos monopólios. Contra as leis restritivas do Ciberespaço. Pela liberdade para Julian Assange;
17. 10% do PIB para a Educação. Destinação de 100% dos royalties do pré-sal para a educação. Pela aplicação imediata do piso salarial nacional para os professores. Ampliação das verbas para a pesquisa, ensino e extensão nas universidades públicas;
18. Nova política nacional de drogas seguindo o exemplo do Uruguai;
19. Financiamento público de campanha;
20. Por um plano nacional de construção de moradias populares. Por uma política mais efetiva de apoio aos atingidos por enchentes e catástrofes.
15) O PSOL deve defender seus princípios e perfil fundacionais nas eleições de 2014
Para defender os princípios, o programa e a história do PSOL apresentamos o nome de Luciana Genro como pré-candidata pelo partido à Presidência da República. O nome de Luciana foi também apresentado pela CST e recebeu em seguida apoios fundamentais de personalidades como Plínio de Arruda Sampaio, Carlos Giannazi e da corrente Reage, Socialista, fazendo com que seu nome seja agora a expressão de uma política que une várias forças. Temos certeza de que Luciana Genro será uma novidade positiva para amplas parcelas da sociedade nesta campanha eleitoral que já começa a ensaiar seus primeiros passos.
Esclarecemos que lançamos o nome de Luciana Genro depois de termo-nos reunido, com a participação da própria Luciana e de outros dirigentes do MES, com o camarada Marcelo Freixo e sugerido seu nome para representar o PSOL. Respeitando sua negativa à proposta e sua decisão de manter a luta por um mandato parlamentar revolucionário no Rio de Janeiro, que sem dúvida Marcelo tem muito honrado, resolvemos não perder tempo e defender um nome que garante que o PSOL terá capacidade de desmontar os argumentos burgueses, de enfrentar e denunciar a conversão do petismo em força a serviço dos capitalistas. Será revelada a amplas massas – o que já é conhecido no Rio Grande do Sul – a capacidade de polemista desta ex-deputada federal que não foi reeleita, mas que obteve a segunda maior votação para a Câmara Federal na capital e a oitava de todo o estado. Foram 129 mil votos. A autoridade de Luciana Genro é a autoridade de uma líder que fundou o PSOL, que foi expulsa do PT pelos chefes do mensalão e que defendeu as bandeiras de esquerda quando muitos diziam que estas bandeiras não seriam mais erguidas. Hoje, dez anos depois, o PSOL está provando que valeu a pena manter a coerência e a firmeza destas bandeiras rejeitando e votando contra as reformas reacionárias da previdência exigidas pelo FMI e implantadas pelo primeiro mandato de Lula.
Discordamos do nome de Randolfe Rodrigues, também apresentado por seu setor como pré-candidato a presidente, porque não vemos neste parlamentar condições de enfrentar o debate político da disputa presidencial da maneira como o PSOL deve enfrentar. Numa eleição em que surgem candidaturas como as de Marina Silva e Eduardo Campos, falsas alternativas à polarização eleitoral entre petistas e tucanos, o PSOL não pode apresentar-se nos marcos do atual regime político defendido por todos estes.
Para ser uma alternativa e ocupar o espaço que se abre para uma política verdadeiramente de esquerda em nosso país, o PSOL necessita de um perfil claramente anticapitalista, que denuncie a lógica política, compartilhada por PT, PSDB e seus aliados, que produz uma situação como a de Afif Domingos, ao mesmo tempo ministro de Dilma e vice-governador de Alckmin. É preciso mostrar a corrupção como parte essencial desta forma de fazer política, baseada no abandono de posições fundamentais dos movimentos sociais, na negativa das reivindicações de nosso povo e nos acordos e alianças sem princípio promovidos pelos partidos da ordem, que resultam na ascensão de figuras como Feliciano. Foi contra isto que criamos o PSOL!
Nós nos movemos com a ideia de que é preciso defender a unidade do PSOL e encontrar mecanismos que preservem esta possibilidade. Por isso, temos a disposição de dialogar com as diversas correntes políticas e com os milhares de militantes e filiados do partido para formularmos, conjuntamente, o programa desta candidatura e as medidas que Luciana Genro defenderá como representante do PSOL na eleição. Temos plena consciência de que a candidatura à Presidência da República precisa ser a síntese das experiências e posições que estamos formulando de Norte a Sul do Brasil. A candidatura do PSOL deve representar a busca desta síntese, que preserve de modo claro posições de esquerda e revolucionárias.
Em síntese, é preciso uma candidatura que não tenha receio de apresentar-se por fora deste regime político falido, personificando, com propostas claras para transformar o país, uma alternativa anticapitalista que se apoie nas lutas dos movimentos sociais. Este perfil, de esquerda socialista e coerente, é o mesmo que apresentamos na fundação de nosso partido quase 10 anos atrás. Temos a convicção de que Luciana Genro poderá representá-lo com força e autoridade, contribuindo para o crescimento de nosso partido.
16) Construir o partido nas lutas e a importância da formação política e das setoriais do PSOL
Nosso partido, portanto, deve assumir e se inserir nas diversas causas do povo, nas lutas econômicas, populares, sindicais, camponesas, indígenas, na defesa dos direitos das mulheres, contra o racismo, em defesa da juventude e dos direitos civis. Nesse processo, o partido irá crescendo e se convertendo no partido das lutas do povo. Dessa forma, também evitaremos converter o PSOL numa mera opção eleitoral.
A participação eleitoral do PSOL é fundamental. Mas não podemos medir nosso crescimento apenas pelo número de votos e parlamentares conquistados. Nosso crescimento no parlamento deve ter correspondência com nosso crescimento no movimento de massas. Nossos parlamentares devem estar a serviço desta construção. Um exemplo deste tipo de atuação tem sido dado pelo nosso camarada Sandro Pimentel. Vereador de Natal, Sandro tem colocado seu mandato a serviço da construção do partido, trazendo para o PSOL inúmeras lideranças, inclusive dirigentes do MST.
O mandato de Carlos Giannazi em São Paulo, sobretudo com sua inserção nas lutas dos educadores e do movimento LGBTs, é também uma expressão das possibilidades de utilização dos mandatos parlamentares para a construção do PSOL, bem como ação do vereador Cinco no Rio de Janeiro na luta pela descriminalização e legalização das drogas. Assim como estes, há outros mandatos que atuam com muito empenho na construção partidária, como Eliomar Coelho no Rio de Janeiro, Paulo Eduardo e Renatinho, em Niterói, nossos mandatos em Fortaleza, entre tantos. Mas o desafio da direção partidária é desenvolver uma intervenção que aproveite estas conquistas para ter um plano de construção, com o incentivo à realização de plenárias, com participação do PSOL enquanto partido nas marchas e passeatas não apenas nas regiões, mas nacionalmente – o que infelizmente não tem ocorrido, pelo menos nas marchas nacionais. Ou seja, o partido precisa preparar-se para atuar de tal forma que nossos parlamentares não atuem soltos, sem uma estrutura orgânica, mas como porta-vozes de uma coluna organizada.
Para que o partido possa seguir avançando temos que dar um salto no movimento sindical. Não é possível que o PSOL continue sem uma linha unificada. Desenvolveremos nossa proposta num próximo documento. Mas qualquer política neste sentido deve partir da necessidade de impulsionar as lutas, de colar nosso partido nos processos de mobilizações pelas reivindicações das categorias, independentemente a que central esteja ligado o sindicato da categoria em questão. E impulsionando, em cada processo, a auto-organização de base, as comissões de funcionários, os comitês de luta, as coordenações autônomas entre sindicatos em luta.
No movimento juvenil, temos acompanhado e apoiado a construção do JUNTOS. Trata-se de um movimento juvenil dinâmico, que acaba de realizar um encontro latino-americano em Buenos Aires com a presença de quase dois mil jovens de vários países, sendo 300 militantes do JUNTOS que chegaram à Argentina vindo de vários estados (Pará, Alagoas, Ceará, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Rio Grande do Sul). O JUNTOS está presente em todas as lutas e não tem filiação partidária, embora tenhamos orgulho de que muitos dos líderes juvenis do MES sejam também líderes do JUNTOS. De nossa parte, seguiremos defendendo este movimento radical autônomo ao mesmo tempo em que sustentamos que o PSOL deve construir uma juventude própria do partido. Nenhuma corrente tem o direito de atuar em nome da juventude do PSOL, que deve ser construída já, e de modo autônomo em relação à direção do partido.
Do ponto de vista da formação política, é necessário articular uma maior ofensiva do pensamento marxista. São várias editoras e programas acadêmicos que identificam o “retorno a Marx”. O PSOL deve seguir apostando neste terreno. Somos herdeiros desta tradição, de forma renovada e não dogmática. Pensar os problemas da realidade brasileira é uma tarefa indispensável para os marxistas do tempo presente. A atuação da Fundação Lauro Campos caminha nessa direção, por exemplo, com a realização de exitosos seminários em todo o país com nomes de peso como David Harvey e Slavoj Zizek. Também a FLC tem se esforçado em atualizar o pensamento crítico com seu site, bastante ágil e com crescimento em seu número de acessos, suas publicações [revistas regulares, livros, cartilhas e revistas setoriais]. As iniciativas da FLC, como os seminários nacionais em parceria com outros setores, como o Sindreceita e a Auditoria Cidadã da Dívida, indicam que devemos seguir fortalecendo essa ferramenta.
Finalmente, num próximo documento, desenvolveremos propostas sobre as setoriais do partido, que devem ser fortalecidas e apoiadas. Mas desde já antecipamos que defenderemos no Congresso do PSOL a regra de que as direções do partido sejam compostas com 50% de participação das mulheres. Sabemos que tal medida não resolve, obviamente, a desigualdade entre os gêneros na participação e nas decisões dos rumos do partido. Mas preferimos ir avançando, criando contradições no processo de formação da direção que empurrem no sentido de uma participação mais igualitária.