Mauricio Dias
A vitória da mobilização de professores e estudantes do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, deixou uma lição para o País sobre o melhor modo de agir com o que há de pior deixado pelos governos militares: extirpar a herança.
Foi o que ocorreu após longa e pacífica jornada de lutas. No dia 19 de abril de 2011, a direção da escola, com a aprovação da Congregação, baniu oficialmente o nome do almirante Augusto Hamann Rademaker Grünewald (1905-1985) que identificava a unidade da Direção-Geral do Pedro II, no bairro de São Cristóvão.
A decisão honra a tradição democrática quase bicentenária do educandário, desrespeitada por essa decisão tomada durante a ditadura. Rademaker, militar de perfil prussiano, teve militância ativa no golpe que derrubou o presidente João Goulart, em março de 1964. E não parou por aí a participação dele no regime antidemocrático que durou duas décadas.
Ele era o ministro da Marinha quando o general Costa e Silva deixou a Presidência, em 1969, por razões de saúde. No lugar do vice-presidente Pedro Aleixo, veterano político mineiro, eleito também de forma indireta pelo Congresso, a junta militar formada pelos ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica tomou o controle do poder. Um golpe dentro do golpe. Rademaker compunha o trio formado pelo general Lira Tavares e pelo brigadeiro Marcio de Souza Melo.
Na sequência, desfeita a junta, assumiu o general Garrastazu Médici que teve como vice-presidente o almirante Rademaker. Estabeleceu-se assim (1969-1974) o mais violento dos governos militares.
Nesse período, Vandick Londres da Nóbrega (1918-1982) dirigia o Colégio Pedro II. Catedrático de Direito Romano era um homem de forte inclinação reacionária, fiel e solidário propagador da ditadura. Nesse momento, propôs e aprovou a homenagem a Rademaker. O nome dele passou a “adornar” a entrada da Unidade que abrigava a Direção-Geral, de onde o professor Vandick mandava e desmandava.
Foi uma ousada provocação. Um acinte a muitos professores, como ocorreu com Helena Godoy, peça-chave na reparação desse erro histórico. Professora aposentada do Pedro II, ela manteve sempre acesa a chama da indignação.
Mas a homenagem foi, principalmente, um escárnio a numerosas famílias.
Do ambiente politizado do Pedro II saíram muitos alunos que aderiram à luta armada e foram torturados ou mortos pelos agentes da repressão política. Há um levantamento dos ex-alunos assassinados: Alex de Paula Xavier Pereira (1949-1971), Antônio Sergio de Matos (1948-1971), Fernando Augusto Valente da Fonseca (1947-1971), Marcos Nonato da Fonseca (1953-1972), Lincoln Bicalho Roque (1945-1973), José Roberto Spiegner (1948-1970) e Lucimar Brandão Guimarães (1948-1970).
Embora não se possa dizer, por falta de provas, que, na ação cruel da repressão política, o almirante Rademaker tenha metido a própria mão na massa, ele certamente se omitiu e, mais do que isso, garantiu a impunidade dos algozes. Estes permanecem impunes ainda hoje, só que, agora, protegidos pela Lei da Anistia, o instrumento da negociação articulada entre militares e políticos para o restabelecimento do poder civil.
Esse acordo é um retrato fiel da malfadada conciliação.
Maurício Dias é jornalista, editor especial e colunista da edição impressa de CartaCapital. A versão completa de sua coluna é publicada semanalmente na revista. mauriciodias@cartacapital.com.br